2006/06/05

Estará o Peru fodido?


Embora simpatize e compreenda a política de independência nacional (sobretudo, independência em relação aos EUA) que políticos como Hugo Chavez têm vindo a preconizar, não me agrada o tipo de regime que dali tem resultado. Conheço vários venezuelanos. Todos de esquerda. E todos contra Chavez. Que já lá trabalharam e de lá saíram, por se terem manifestado contra o presidente. O controlo da comunicação social do estado é efectivo (mas da mesma forma, a comunicação social privada não é independente e está dominada pelos poderosos grupos da oposição pró-EUA). Mais grave ainda é o controlo dos postos de trabalho do estado e dos sindicatos: quem não apoiar o presidente está em maus lençóis. Por isso, embora não ponha em causa a legitimidade de Chavez (apesar dos truques legislativos dos referendos e plebiscitos e sucessivas revisões da constituição de forma a preservar o poder eternamente, ainda acredito que é apoiado pela maioria do povo venezuelano), prefiro um tipo de solução mais democrática. Tendo eliminado à primeira volta a candidata conservadora, Lurdes Flores, acredito que o Peru fez bem em eleger o seu Lula, Alan Garcia, um político que não estava preparado para ser presidente em 1985, como Lula - reconhecido pelo próprio - não estava em 1989, mas que ainda assim foi eleito, com maus resultados, abrindo caminho à ditadura fujimorista. Espero que desta vez esteja mais preparado e seja bem sucedido.
Quem já leu o extraordinário romance de Mario Vargas Llosa Conversa na Catedral deve recordar-se da esperança que a personagem mais simpática, Popeye Arévalo, depositava no seu partido, a APRA. Popeye bem tentava recuperar a moral do seu melhor amigo e protagonista, Santiago Zavala, o Zavalita, uma metáfora do Peru. A pergunta "em que altura é que eu me terei fodido?" era recorrente, quer em relação ao Peru, quer a Santiago, um homem totalmente descrente fosse no que fosse (e que por isso, depois de um passado revolucionário, não embarcava no entusiasmo do amigo). Embora eu cada vez mais faça a mim mesmo a pergunta crucial do Santiago, ainda quero acreditar em alguma coisa, como o Popeye. Espero por isso que o governo do seu partido, a APRA, seja bem sucedido. E que o Peru não se tenha fodido mais uma vez.

3 comentários:

Santiago disse...

Mon cher:

Desculpa o abuso... acho que este post merece uma citação completa (que uma vez coloquei em comentário noutro blog):

"Desde la puerta de "La Crónica" Santiago mira la avenida Tacna, sin amor: automóviles, edificios desiguales y descoloridos, esqueletos de avisos luminosos flotando en la neblina, el mediodía gris. En qué momento se había jodido el Perú? Los canillitas merodean entre los vehículos detenidos por el semáforo de Wilson voceando los diarios de la tarde y él echa a nada, espacio, hacia la colmena. Las manos en los bolsillos, cabizbajo, va escoltado por transeúntes que avanzan, también, hacia la plaza San Martín. Él era como el Perú, Zavalita, se había jodido en algún momento. Piensa: ¿en cuál? Frente al Hotel Crillón un perro viene a lamerle los pies: no vayas a estar rabioso, fuera de aquí. El Perú jodido, piensa, Carlitos jodido, todos jodidos. Piensa: no hay solución"

(Mario Vargas Llosa)

Filipe Moura disse...

Obrigado pelo comentário, "outro" Santiago. E não é abuso nenhum! Há sempre espaço para a Conversa na Catedral. É o livro da minha vida.

AC disse...

Ainda relacionado com o assunto do post:

http://a-vila.blogspot.com/2006/06/revoluo-no-ser-transmitida.html