2008/12/31

Bom 2009 para todos!

Aqui desejo aos leitores do Avesso do Avesso um excelente ano de 2009. Cá nos continuaremos a encontrar.

2008/12/30

Perguntas e Respostas sobre a última guerra israelo-palestiniana

Por Margarida Santos Lopes no Público. Vale a pena ler.

Quem começou as hostilidades?
A 4 de Novembro deste ano, Israel assassinou seis membros do Hamas, violando uma "tahdiyeh" ou trégua, que estabeleceu (mas nunca reconheceu publicamente) com o movimento islâmico, sob mediação egípcia, a 17 de Junho. O Hamas intensificou o lançamento de mísseis e morteiros sobre cidades israelitas – em sete anos, estes disparos mataram pelo menos 20 civis. Israel retaliou sujeitando a Faixa de Gaza a um duro bloqueio económico – com restrição de entrada de alimentos e medicamentos e cortes de combustível –, agravando uma situação humanitária que o Banco Mundial e ONG descreveram como "catastrófica". Khaled Meshaal, o chefe do Hamas exilado em Damasco, justificou a decisão de revogar a "tahdiyeh", a partir do dia 18 de Dezembro, invocando as execuções dos seus operacionais e o cerco a que Gaza está sujeita.
Porquê atacar agora?
Para alguns analistas, Israel quis aplicar um duro golpe ao Hamas, ainda quem sem a ambição de o eliminar, como tentou, mas fracassou, com o Hezbollah no Líbano, em 2006. Também quis, escreveu o jornal francês "Libération", mudar as regras do jogo antes de uma "desacreditada Administração Bush" sair de cena e Barack Obama entrar na Casa Branca. Decisivo foi também o facto de Israel estar em campanha eleitoral, e de as sondagens beneficiarem o líder da oposição direitista, Benjamin Netanyahu.
Que solução para o conflito?
Para Israel, dizem analistas, o pior cenário seria o Hezbollah, apoiado pela Síria e financiado pelo Irão, abrir uma "segunda frente" no Líbano. O movimento xiita terá cerca de 40 mil mísseis e provou, em 2006, que sabe resistir ao reputadamente "mais poderoso exército do Médio Oriente". Outro receio é o da eclosão de uma revolta popular na Cisjordânia, onde Mahmoud Abbas tem sido incapaz de obter significativas concessões de Israel: os colonatos continuam a expandir-se, as incursões militares prosseguem, os «checkpoints» não são desmantelados e 6000 prisioneiros permanecem nas cadeias. O cenário mais realista parece, assim, o de negociar uma nova trégua. (...) Conclui Yossi Alpher : "Israel vai ter de escolher se reconhece que o Hamas está para ficar e o aceita como interlocutor, por muito que isso seja intragável, ou se reocupa a Faixa de Gaza, derruba o Hamas e acarreta com todos os custos que isso envolverá."

2008/12/29

Leiria no tempo das Invasões Francesas

Encontra-se patente até ao fim deste ano na Casa-Museu João Soares (Fundação Mário Soares), nas Cortes, em Leiria, a interessantíssima exposição "Leiria no tempo das Invasões Francesas". A exposição é muito útil para perceber a decadência cultural e económica da Região Oeste, que começou nessa altura. Nenhuma região foi tão saqueada ou sofreu tanto nesse período (início do século XIX) como a região de Leiria. As "elites" de Leiria fugiram, abandonando as riquezas da região e a população mais pobre à sua sorte e à mercê do invasor. A região de Leiria desde então nunca mais recuperou o que tinha na altura, em população (houve muita gente que morreu e outra que nunca regressou), em poder, riqueza e influência. Ainda hoje quem lá vive, apesar da ostentação característica, lamenta não viver em Lisboa ou Coimbra. É uma pena. Mas nesta educativa exposição percebe-se porquê. Para quem se encontrar perto, é a não perder.

2008/12/26

A "Intifada judaica" e o "pogrom palestiniano"

Artigo de Margarida Santos Lopes no Público de 06.12.2008

Exército foi colocado em estado
de alerta total depois de ataques de colonos extremistas em Hebron, visando árabes e até soldados

Avi Issacharoff, colunista do diário hebraico Ha'aretz, não poupou ontem nas palavras para condenar as acções no dia anterior em Hebron, na Cisjordânia. "Uma família palestiniana inocente, num total de 20 pessoas. Todas mulheres e crianças, excepto três homens. A cercá-los, algumas dezenas de judeus encapuzados tentando linchá-los. É um pogrom. Isto não é uma brincadeira de palavras nem tem um duplo significado. É um pogrom no pior sentido da palavra."
"Primeiro, os homens mascarados incendiaram a lavandaria à entrada da casa e depois tentaram deitar fogo a um quarto. As mulheres gritaram por ajuda, Allahu Akhbar [Deus é grande]. No entanto, os vizinhos estavam demasiado assustados para se aproximarem, aterrorizados com os guardas armados de Kiryat Arba [um colonato nas imediações] que tinham isolado o imóvel. (...) Pouco mais de uma hora depois, chegou uma unidade das forças especiais de polícia para dispersar a multidão de homens mascarados. (...) Ao deixar a casa, um colono disse a um dos agentes: 'Nazis, tenham vergonha!'"
Issacharof é um respeitado jornalista, documentarista e autor do livro The Seventh War: How we won and how we lost the war with the Palestinians, escrito em parceria com Amos Arel, um dos maiores peritos em questões militares e de defesa de Israel - também ele colunista do Ha'aretz.
O jornal juntou a sua voz à de Issacharof ao escrever, em editorial, o que só o grande filósofo e cientista judeu Yeshayhu Leibovitz, que morreu em 1994, ousara antes dizer: "É difícil ignorar o modo como a política e a sociedade israelitas fecharam os olhos ao crescente terrorismo judaico."
"Esta semana, Israel chegou a um ponto de não retorno, que também determinará quem controla o Estado: o sistema de justiça e um Governo eleito democraticamente ou o terrorismo judaico. (...) O futuro do Estado sionista judaico está refém daqueles que rezam pela sua destruição. Nenhuma justificação moral, nem sequer a justa reivindicação moral de um lar nacional para o povo judeu, ficará de pé, dentro ou fora do país, perante a capitulação ao terror."

2008/12/23

00-zero

Depois do frustrante empate contra a Académica de sábado, estava longe de imaginar que afinal o atraso do Sporting para os primeiros não teria aumentado. Mas há uma diferença: alguma vez o Record faria, para o Benfica, uma capa como fez anteontem para o Sporting: "Campeões não podem perder pontos assim"?
A mão do Cardozo na bola ontem foi quase tão grande como a do Hélder Postiga no sábado.

2008/12/19

A nossa imprensa desportiva



Não fiquei especialmente contente com a péssima prestação do Benfica na Taça UEFA: é sobretudo mau para o futebol português. Mas é por causa de manchetes como estas que dá gozo ver o Benfica perder.

2008/12/18

"PCP e BE vão perder pau e bola"

Muita gente se queixa da marginalização a que o Bloco de Esquerda e, sobretudo, o PCP são votados. De o PS não contar com estes partidos para parceiros de governo. Admitindo tal como verdadeiro, será que a culpa é mesmo do PS? Sobre este assunto, e a propósito do recente Fórum das Esquerdas, aqui fica a maior parte de um artigo certeiro de Raposo Antunes no Público de segunda feira.
Este aparente estado de graça que vivem o Bloco de Esquerda e o PCP - fruto da contestação social de que é alvo o Governo por falta de políticas de esquerda, mas, sobretudo, por parte das corporações (professores, médicos, magistrados, etc.) - pode ser, na verdade, uma faca de dois gumes.
Nem BE nem PCP dão sinais de poderem corporizar um apoio pós-eleitoral ao PS se este não atingir a maioria absoluta nas legislativas do próximo ano. A "ética" do PCP não permite esse hipotético acordo. Se o permitisse, seria seguramente mais fiável como parceiro do que o BE. Mas não pode. Ponto final.
O Bloco de Esquerda ainda não é seguramente um bloco - é antes uma soma de personalidades, umas mais afastadas do que outras da extrema-esquerda estalinista e trotskista que se exibiu no pós-25 de Abril. Há quem tenha vontade no BE de vir a ser parceiro do PS (o caso Sá Fernandes é exemplar), mas muitos preferem cultivar esse lado de esquerda alegre. Outros temem que o PCP possa explorar eleitoralmente no futuro a perda da marca irreverente do BE.
É por isso que nem o PCP nem o BE têm condições para vir a ser aliados dos socialistas. E se não o são agora, quando estão em alta, quando o serão? Provavelmente, nunca. E sabe-se como ser poder atrai ou repele imprevisivelmente os eleitores. Assim, não só o BE e o PCP podem estar votados a ficarem eternamente na margem do poder, como podem também estar a contribuir para encostar o PS aos sectores colocados à sua direita, cavando um fosso inultrapassável. Ou seja, bloquistas e comunistas perderiam pau e bola. Mesmo que Manuel Alegre se exponha a protagonizar mais algum papel ingrato.

2008/12/17

Isto diverte mas começa a ser cansativo

Nos meus textos e nos comentários (aos meus e aos do Carlos Vidal) eu disse não sei quantas vezes que não pretendo tornar a arte mais “fácil” ou mais acessível. Nesse sentido arte e ciência não são democráticas: não é qualquer um que pode começar a fazê-las. Sou totalmente contra os governos darem qualquer tipo de indicações aos investigadores ou aos artistas para seguirem linhas pré-determinadas. Sou investigador e isso afecta-me. A liberdade académica é fundamental. A arte, a ciência, tudo o que involva criação requer liberdade e não democracia (que como já disse várias vezes são coisas diferentes e por vezes incompatíveis). Não é isso que está em causa.

O que entendo por “democratizar a ciência” ou “democratizar a arte” é torná-las acessíveis aos cidadãos que por elas se interessarem, mesmo sem serem especialistas, sem nunca alterar o seu conteúdo. Por “tornar acessíveis” entendo fazer divulgação (algo que nem todos os cientistas ou artistas são obrigados ou vocacionados a fazer), ou em alternativa permitir que se faça divulgação desse mesmo trabalho para quem esteja interessado. Este público não é especialista e não deve ser tratado como tal. É até provavelmente à partida muito ignorante, mas é interessado e tem o direito de ver a sua curiosidade satisfeita.

No caso dos artistas, a divulgação mais imediata consiste na realização de exposições, abertas a todos os que as quiserem ver. Não há absolutamente nenhuma bitola diferente para as ciências e as artes. Defendo exactamente a mesma coisa. O que verifico é que os cientistas estão muito mais habituados a este procedimento. Certos artistas pelos vistos resistem. Não podem fazê-lo se receberem dinheiro do estado (enquanto artistas). Mas, repito, não defendo que o Estado interfira na sua liberdade e na sua criatividade de nenhum modo.

Tudo isto vem a propósito dos textos de Carlos Vidal. No mais recente, Carlos Vidal atribui-me entre outros qualificativos uma frase que nunca escrevi: “a função de qualquer artista [é] fazer com que as pessoas gostem um pouco mais de arte”.

O que eu escrevi (nos comentários) foi “Entendo que faz parte da minha função fazer com que as pessoas gostem mais um pouco de física. Tal como faz parte da função de qualquer artista fazer com que as pessoas gostem um pouco mais de arte.” “Faz parte” no sentido explicado nos parágrafos acima. E “faz parte” dessa função: nunca “é” essa função, unicamente (nem sequer principalmente). Mas quem é pago pelo Estado não se pode furtar a essa função.

A outra frase que Vidal me atribui até é verdadeira mas está descontextualizada. Escrevi “querer tornar a arte acessível a todos não implica necessariamente ter que fazer concessões”, exactamente no mesmo sentido em que (mais uma vez...) acima escrevi. “Acessível” nesta frase no sentido de “estar acessível” e não de “ser acessível”. São duas coisas muito diferentes (a língua portuguesa tem essa riqueza de distinguir o “ser” do “estar”). A minha tese resume-se na frase “a arte não tem que ser acessível, mas deve estar acessível”. Parece uma tese bastante óbvia mas pelos vistos não é para toda a gente. Carlos Vidal defendeu aqui que “Uma obra de arte não pode nem deve estar acessível a qualquer pessoa”. Para não deixar dúvidas, acrescentou: “a arte não pode ser para todos!” É contra esta posição que eu me tenho vindo a insurgir.

Carlos Vidal não entendeu (ou fingiu que não entendeu, por lhe dar jeito) a minha distinção entre “ser” e “estar” acessível, e tem-me vindo a responder (nos comentários e em texto) como se eu defendesse que a arte tem que “ser” acessível, algo que não defendo e nunca defendi. Não têm pois qualquer procedimento as respostas que me tem vindo a dar. Este tipo de confusões e desarticulação do pensamento não é novidade em Carlos Vidal, conforme os seus leitores poderão testemunhar.

Com que critério julga Vidal quem é ou não merecedor de conhecer as obras de arte? A sua iluminada cabecinha, pois com certeza. Vejamos o julgamento que faz de mim. Sem me conhecer de lado nenhum, nem o que eu sei nem deixo de saber, declara que “a ciência que eu sei” (e pelos vistos, se ele não me conhece, a ciência em geral) é “estrita, reduzida e muito especializada” (ficamos esclarecidos). Decide que, se eu me dedicasse só a ela, “todos teríamos a ganhar com isso”. (Devo agradecer o elogio? E se o Vidal se dedicasse só à arte?) E finalmente manda-me calar, algo que os leitores que fazem comentários simpáticos ao PS sabem que é o que Vidal melhor sabe fazer: “Quem não percebe isto porque é que não se cala e fala de física, só?? Custa muito ?????

(Para não me acusarem de descontextualizar, esta frase vinha a propósito da “crítica de arte”, algo que nunca fiz nem tive alguma vez pretensões de fazer. Vidal confunde uma legítima opinião sobre um filme de um espectador com uma crítica profissional de cinema.)

Finalmente, Vidal proíbe a minha entrada nas suas exposições. Para que conste (sinto-me orgulhoso): “nunca admitirei a entrada de F. Moura numa galeria onde tenha obras minhas expostas. Isto é irrevogável, caríssimos.”

Curiosamente este mesmo autor que acha que a arte (em particular a sua arte, como referiu) “não é para todos” e me proibiu de a ver não se coibiria, dias depois, de exibir aqui, no Cinco Dias, desenhos de sua autoria.

Isto é comigo. E com outros leitores? De Carlos Miguel Fernandes, por exemplo, diz que a sua “arrogância reaccionária julga-se conhecedora de crítica”. Apesar de “não saber quem CMF é” nem “lhe interessar”, Vidal declara taxativamente que CMF “não poderá alguma vez ser” um “apaixonado sensível das imagens”. Pois acontece que Carlos Miguel Fernandes, para além de cientista, é um já reconhecido fotógrafo com um currículo considerável de exposições e obra publicada.

Assim se demonstra o belo resultado que teria a aplicação do critério que Vidal defende: quem teria acesso à arte seriam os “escolhidos”. Por quem? Por quem já tem acesso à arte. Os melhores não seriam necessariamente os escolhidos, como o exemplo do Carlos Miguel Fernandes confirma.

Infelizmente, este caso exemplar ilustra bem o estado bafiento de algumas universidades portuguesas. Carlos Vidal é assistente da Faculdade de Belas Artes de Lisboa. Conforme aqui já tem defendido, só lá deve ter acesso quem tiver passado pela sua formação, pela sua “escola”, que consiste em “desigualdades académicas, disciplina, hierarquia e gajas”. Quando o interlocutor é alguém que nunca passou pela escola mas é famoso e reconhecido internacionalmente, como Jorge Calado, baixam logo a cabecinha. Quem não é conhecido, mesmo que tenha valor, como o Carlos Miguel Fernandes, é logo automaticamente barrado. Não é “da escola”, e não há escola como “a nossa”. Melhor retrato da academia tradicional portuguesa não há.

Com os insultos e delírios de Carlos Vidal posso eu bem, e julgo que o Carlos Miguel Fernandes também. Afinal, como eu já tenho dito, visto de fora isto até é divertido. Daqui de dentro começa é a ser cansativo. O problema (não é meu, mas não deixa de ser um problema) é que quem emite estes juízos baseados em puro preconceito é professor e – ele próprio o admite – aplica estes critérios aos seus alunos (e aos futuros colegas). E quer que se aplique a todos os cidadãos que ele entender.

Como resolver este problema? Não sei; no caso concreto do meio académico, o ministro Mariano Gago terá as suas ideias. Entretanto no Cinco Dias a gente vai-se rindo com o espectáculo.

2008/12/16

A arte para o povo explicada aos velhinhos que gostam de elites

Rómulo de Carvalho escreveu “Física Para o Povo”:

fpp_rc

Paul Krugman fala de economia para o povo (via João Pinto e Castro).

Herman José fez “Cozinho Para o Povo”:



Googlei “arte para o povo”. O primeiro resultado da pesquisa foi Diego Rivera, o famoso pintor mexicano que gostava que a sua arte estivesse em sítios públicos para poder ser contemplada por todos. Por isso Rivera (e muitos dos seus contemporâneos mexicanos) gostava de pintar sobretudo murais.

Rivera demonstra que querer tornar a arte acessível a todos não implica necessariamente ter que fazer concessões. É conhecida a história da sua disputa com Nelson Rockefeller, a propósito do mural que o milionário lhe encomendou para o Rockefeller Center em Manhattan. Rivera queria incluir a figura de Lenine no mural; Rockefeller recusava, mas Rivera incluiu-a à mesma. O mural nunca chegou a ser exposto em público e acabou por ser destruído. A história é conhecida: foi contada por exemplo no filme Frida. Um filme de Hollywood. Outro exemplo de “arte para o povo”.



“A massificação destrói a “aura” que envolve as obras de arte”, escreveu alguém num comentário no Cinco Dias. Façamos disto uma causa: destruir a aura da arte elitista. Destruir a aura das elites.

2008/12/15

Está tudo doido

Australiano condenado por posse de ficheiros dos "Simpsons" em actos sexuais

Eu até admito que os criadores dos Simpsons não queiram ver as suas personagens em filmes de pornografia. Mas a condenação, a haver, seria por violação dos direitos autorais (embora se tivesse que provar que o condenado era o autor dos vídeos). Mas... por pornografia infantil?

2008/12/12

"Café com blogues" na Rádio Universitária do Minho

Demonstrando toda a sua falta de tino, o Luís Aguiar Conraria propôs que eu me juntasse ao programa Café com Blogues na Rádio Universitária do Minho. A Cátia Castro também desatinou, viu chegar a quarta feira, acabar a brincadeira e convidou-me. E assim me junto eu ao Luís e ao Gabriel Silva a discutir temas da actualidade. A Cátia é a moderadora. O programa é transmitido quinzenalmente ao sábado às 12:00. O podcast é actualizado durante a semana. Ontem ficou disponível o programa da semana passada, onde discutimos o Congresso do PCP, o Fórum das Esquerdas, possibilidades de convergência à esquerda e o conflito entre os professores e a ministra da Educação, entre outros assuntos. Para ouvir aqui.

2008/12/11

Cem anos de Manoel de Oliveira

Faz parte da minha actividade profissional participar regularmente em seminários, a maior parte das vezes a assistir. Quem assiste a seminários técnicos com a duração de uma hora, ou está muito interessado e muito por dentro do assunto, ou inevitavelmente perde a concentração (pelo menos é o meu caso) a um dado momento. No primeiro caso pode-se intervir activamente, fazer perguntas e, no fundo, é um pouco como se se fosse também orador. No segundo caso, a maior parte das vezes quando o orador começa a descrição dos pormenores mais técnicos, acaba-se por adormecer brevemente. Passar pelas brasas. Dar ar às pálpebras, como eu costumo dizer. O facto de o seminário ser em salas fechadas e consistir em ouvir-se a mesma voz durante uma hora, muitas vezes sem interrupções, contribui muito para este efeito.
(O fenómeno de dormir nos seminários já foi estudado e existe literatura sobre o assunto, usando o meu orientador de doutoramento como case-study. O meu orientador de doutoramento é uma espécie de Mário Soares da física teórica: é mais respeitado e percebe mais do assunto a dormir do que muitos acordados. Tenho uma grande admiração por pessoas assim. Recomendo-vos vivamente The Art Of Sleeping In Seminars, pelo meu professor Warren Siegel, dedicada ao seu colega meu orientador.)
A maior parte das vezes consegue-se acompanhar o seminário e perceber a mensagem, mesmo se se passa pelas brasas uns minutos. Mas é muito frustrante se calha estarmos a dormitar quando é apresentado o argumento principal, e quando acordamos já não percebemos nada e não podemos pedir ao orador para voltar atrás. Neste aspecto assistir a um seminário é como ver um filme no cinema ou na TV (também se pode adormecer e perder o fio à meada), mas com a vantagem de podermos ler na maior parte das vezes a literatura (artigos) original. Mas não deixa de ser frustrante quando perdemos o principal de um seminário (ou de um filme) por causa de um pequeno cochilo.
Existe porém uma terceira categoria de seminários: os que não nos dizem nada, que não têm nada a ver connosco, mas a que temos que assistir por mera cortesia. Neste caso o efeito da voz do orador não se aplica, pois não lhe estamos a prestar atenção nenhuma. É a sensação mais irritante: estarmos a assistir a um seminário que não nos interessa para nada e de onde não podemos sair, pensarmos “ao menos era bom que adormecesse agora! Dorme! Dorme!” e nem assim conseguimos adormecer. Só adormecemos nos seminários a que prestamos (ou queremos prestar) atenção. É triste mas é verdade.
Tudo o que eu acabei de descrever em relação aos seminários é directamente transponível para os filmes. A classificação dos filmes (bem como dos seminários) de acordo com as três diferentes categorias que enunciei é evidentemente pessoal e subjectiva: depende dos gostos e interesses de cada um. Tomemos como exemplo Manoel de Oliveira, que faz hoje cem anos (os meus sinceros parabéns!) e que é alvo das mais diversas (e merecidas) homenagens (como esta do Rui) por parte de quem supostamente vê os seus filmes, quer adormeça quer não. No meu caso, a esta terceira e última categoria pertenceriam os filmes do cineasta Manoel de Oliveira, se por alguma razão eu me visse obrigado a vê-los mais do que o que já vi.
O que eu penso do cineasta Manoel de Oliveira, numa frase, é isto: Manoel de Oliveira é tão chato que nem sequer me consegue fazer dormir.

2008/12/10

Do conflito entre os professores e o ministério da Educação

O melhor texto, mais sensato e mais equilibrado que tenho lido sobre este assunto foi escrito pelo Paulo Pinto no Jugular. Sugiro a sua leitura.

2008/12/09

Da conflitualidade social

Vale a pena ler os comentários às postagens do Cinco Dias, e não somente as postagens propriamente ditas. Muitas vezes nos comentários travam-se debates interessantes.
Houve quem achasse um “disparate” eu ter afirmado que “a pluralidade de opiniões é desejável, a conflitualidade social não é”. Eu afirmei: “Conflitualidade social é algo que é legítimo, necessário por vezes, mas não é desejável. Eu pelo menos penso que não. O que não quer dizer que use esse argumento para a combater (isso seria antidemocrático). É justamente em essa conflitualidade não ser desejável que reside a força dos que a promovem.” Ou seja, um governo tem de estar preparado e saber lidar com a conflitualidade, mas essa conflitualidade não deve ser procurada nem deve ser tida como um objectivo, quer pelo governo quer pelos agentes sociais. Não pretendo com isto que os governos não tomem medidas impopulares: a função principal de um governo é cumprir o seu programa. Também não pretendo de forma nenhuma (deixem-me enfatizar este ponto) que os agentes sociais deixem de protestar quando acharem que tal se justifica. Sejam sindicatos, a defenderem os trabalhadores, sejam... patrões (esta última hipótese é académica e infelizmente parece risível, mas no meu governo ideal os patrões teriam muitas razões para protestar). Mas só quando acharem que tal se justifica: a contestação social não deve ser um objectivo a priori, e não pode ser um objectivo a priori de quem queira participar num governo. Uma esquerda que queira estar preparada para governar, que queira fazer parte de um projecto de governação, não pode afirmar que a conflitualidade social é desejável.

2008/12/08

Da vontade da maioria

Ao contrário do que alguns afirmam, nunca afirmei que um governo (mesmo de maioria) deveria ignorar os protestos de que seja alvo e prosseguir as suas políticas. Escrevi mesmo: “é evidente que os governos devem negociar com os sindicatos tudo o que tenha a ver com legislação laboral. Principalmente um governo que se diz de esquerda deve procurar chegar a acordos com os sindicatos. Mas na impossibilidade de esse acordo ser atingido, o governo tem legitimidade para seguir o seu programa, que será julgado nas eleições livres seguintes.” Tem legitimidade se assim o entender. Escrever que “tem legitimidade” para fazer algo é diferente de dizer que “tem que fazer algo”. Mas a discussão tem a ver mesmo com a questão da legitimidade. A isto acrescentei: “Os sindicatos têm o direito de continuar as suas lutas” (nunca pus isso minimamente em causa!), “mas não podem desobedecer às leis do governo escolhido por todos os cidadãos.
Um exemplo: há três anos, na França, o governo de Dominique de Villepin procurou impor o contrato de primeiro emprego (CPE). Foi alvo de uma grande contestação, que eu apoiei sem hesitações. Mas eu nunca qualificaria o governo de Villepin de “antidemocrático” se este não tivesse decidido recuar. E nem acho que tal qualificação fosse legítima. É aqui que a minha opinião é diferente da do Carlos Vidal, e foi por isso que eu escrevi este texto. Quem acha que a democracia fica “terraplanada” se um governo procura cumprir o programa com que foi eleito, apesar de protestos de sectores da população, facilmente acha comparável o odioso regime de Pinochet com o “regime” de Sócrates. Houve pessoas que se indignaram com esta postagem do Carlos Vidal (é o poder das imagens!), mas a ideia principal já havia sido exposta aqui. É essa discussão que acho que vale a pena ter.

2008/12/06

O João faz falta

Façam o favor de assinarem a petição que o João Branco propôs a promover o alargamento às bicicletas dos benefícios fiscais dados aos carros eléctricos pela lei do OE2009.

2008/12/05

A endrominação dos functores

O meu vizinho e amigo Gonçalo é um chavalo fixe, bué canocha e que anda sempre a endrominar, tás a ver a cena?
Uma vez que falas nisso, cada vez que falo com ele preciso de um dicionário...

Era assim que eu o descrevia há quatro anos e meio atrás. Nunca percebi a ponta de um corno do que este gajo fazia, mas sempre soube que ele, para além de ter sido um grande companheiro (e vizinho na Cité Universitaire) nos meus saudosos tempos de Paris, era muito bom. Como se já não houvesse confirmação suficiente, veio agora mais uma: foi um dos vencedores do Prémio Gulbenkian de Estímulo à Investigação 2008. Parabéns, Gonçalo! E já agora parabéns aos outros vencedores, nomeadamente a minha nova colega Ana Patrícia e o Eduardo.

2008/12/04

Graus Celsius e graus Fahrenheit

Mais uma carta minha ao Provedor dos Leitores do DN:

Exmo. senhor provedor,
o que me leva a escrever-lhe é a notícia de ciência publicada na edição de 19 de Novembro: "Vapor de água acelera aquecimento global"
Nos créditos aparecem as iniciais I.P., e percebe-se que é uma notícia fortemente baseada numa nota de imprensa estrangeira, como se vê aqui ou aqui, com os principais factos seleccionados. Tudo isto é perfeitamente legítimo, uma vez que - facto importante - a fonte original (o artigo da Science Daily que referi) é citado. O facto de certas partes do artigo do DN parecerem transcritas do original é praticamente inevitável, tratando-se de uma notícia científica baseada em depoimentos e informações de carácter técnico, que é difícil escrever de outra maneira. Não se trata a meu ver de nenhum caso de plágio.
Mesmo assim, merece reparo a forma pouco cuidadosa como a notícia é transcrita, nomeadamente a parte "Em termos específicos, se a Terra aquecer 1,8 graus Fahrenheit, o aumento associado em vapor de água criará um aprisionamento extra de dois watts por metro quadrado." Façamos um cálculo simples. 0 graus Celsius são 32 graus Fahrenheit; 100 graus Celsius são 212 graus Fahrenheit (aprende-se na escola e vê-se facilmente após pesquisa na rede). Portanto, uma diferença de 180 graus Fahrenheit corresponde a 100 graus Celsius, ou seja, um aquecimento de 1,8 graus Fahrenheit corresponde a um aumento de um grau daqueles da escala que os leitores do DN usam todos os dias. É ridículo que um grau "de todos os dias" venha indicado no DN como "1,8 graus Fahrenheit". Tanto mais que a notificação original viria com certeza em graus Celsius (em Física usa-se a escala Kelvin, cuja variação é idêntica à de Celsius); a adaptação para graus Fahrenheit destinava-se à imprensa americana. Não há absolutamente nada de errado em (algum) jornalismo científico basear-se nas "press releases" internacionais (bem pelo contrário), mas há que saber adaptá-las de modo a serem legíveis pelo leitor comum português.
Apesar deste reparo, é com agrado que noto (e é justo fazê-lo) que a ciência tem merecido ultimamente uma maior atenção nas páginas do DN. Espero que esta atenção continue.

2008/12/03

Da desobediência

No meu modesto entendimento, o julgamento do Carlos Vidal neste seu texto parte da confusão frequente por parte das pessoas entre “democracia” e “liberdade”, que já aqui referi. O Carlos apela à “desobediência”. A desobediência é um atributo fundamental da liberdade, mas inaceitável em democracia (pelo menos sem sofrer as consequências). Em democracia os governos são eleitos por sufrágio universal para fazerem leis, que os cidadãos devem acatar. Tal aplica-se a todos, mas mais ainda aos funcionários públicos (incluindo neste caso os professores). As profissões onde cada um é livre de fazer tudo o que quiser chamam-se justamente – voilà – “liberais”. Não consta que a profissão de professor o seja.
Dito isto, é evidente que os governos devem negociar com os sindicatos tudo o que tenha a ver com legislação laboral. Principalmente um governo que se diz de esquerda deve procurar chegar a acordos com os sindicatos. Mas na impossibilidade de esse acordo ser atingido, o governo tem legitimidade para seguir o seu programa, que será julgado nas eleições livres seguintes. Os sindicatos têm o direito de continuar as suas lutas, mas não podem desobedecer às leis do governo escolhido por todos os cidadãos. O trabalho (neste caso o dos professores) diz respeito a toda a sociedade, e não somente à classe profissional. Cada sindicato é escolhido somente pela classe profissional e não por todos os cidadãos. Tal desobediência seria assim profundamente antidemocrática.
Não digo com isto que não seja possível (e às vezes até desejável) a desobediência mesmo em democracia, mas em democracia quem desobedece tem que sujeitar-se às consequências. A desobediência é um acto de liberdade, e todos os actos de liberdade têm responsabilidades associadas. Mais do que desejável, indispensável é a desobediência na ausência de democracia, em regimes ditatoriais. Neste caso não consta que o governo seja ditatorial. Se quem apela à desobediência pensa ser esse o caso, deve assumi-lo claramente.

2008/12/02

"Está a nevar!"






Lembrei-me agora de quando vi neve a cair pela primeira vez, em Long Island, em 1998. Até aí só tinha visto neve no chão, mas sem ser a cair. Os meus colegas americanos, alemães e mesmo italianos nem queriam acreditar, e a partir daí passaram a julgar que Portugal era assim como que uma Florida da Europa.
Eu bem alertava os meus colegas. Mais uma vez se confirma: em Portugal sempre que neva vem na primeira página dos jornais.

2008/12/01

Sporting - 3, Guimarães – 0


Voltei a ver um jogo do Sporting ao vivo e confirmei que Paulo Bento mais uma vez tem razão: os árbitros em Alvalade devem ser permanentemente assobiados.

2008/11/28

Semana da Ciência e Tecnologia no Avesso do Avesso

Um comentário meu no Arrastão deu origem a uma discussão engraçada proporcionada pelo Vasco Barreto. Ainda pelo Vasco vale a pena ler A eterna assimetria.

2008/11/27

No Dia de Acção de Graças

Faz agora oito anos. Passei o Dia de Acção de Graças mais divertido da minha vida. Nem sequer fui para Boston nesse ano, como fiz noutros. Passei o Thanksgiving no campus da universidade onde estudava, numa residência universitária. Colegas meus de diversas nacionalidades (incluindo mesmo um americano que não foi ter com a família) que lá viviam organizaram o jantar. O peru estava óptimo, os vinhos e a companhia também. Senti-me em família, e a ideia do Thanksgiving é essa.
Quando usei o adjectivo "divertido", porém, tinha em vista outro aspecto mais pessoal. Aquele Dia de Acção de Graças foi mais divertido para mim do que para qualquer dos outros. Nessa tarde ocorrera um célebre jogo em Vigo. Os meus colegas ainda hoje se recordam do que eu dizia nessa noite: periodicamente, repetidamente, bebia mais um trago e exclamava "Benfica lost!" Era essa a dedicatória dos meus brindes. Era esse o motivo da minha especial diversão.
Nos EUA, de New Jersey à Califórnia, houve muitos portugueses especialmente divertidos nesse ano. Sportinguistas e portistas.
Este ano houve outra vez diversão especial no Thanksgiving para muitos luso-americanos. Desta vez foi foi para os benfiquistas.

Adenda: Sou, como é sabido, um defensor de Paulo Bento. Mas considero o resultado de 2-5 contra o Barcelona e a exibição de ontem escandalosos e inaceitáveis.

Adenda 2 (21:30): Parece que afinal o Dia de Acção de Graças dos benfiquistas voltou a não ser muito divertido (5-1 contra o Olympiakos)... O futebol português está uma miséria.

2008/11/26

35 cientistas lêem "Poema para Galileo" de António Gedeão


Um vídeo feito - com o telemóvel! - pelo António Granado.

Está a decorrer entretanto a Semana da Ciência e Tecnologia. Vejam o programa aqui, por distrito.

2008/11/25

"Há uma arrogância implícita nos jornalistas..."

Vale a pena ler a entrevista a Daniel Okrent, antigo provedor dos leitores do The New York Times, no Público. Deixo aqui alguns destaques.

O assunto mais emotivo nos Estados Unidos é Israel, as pessoas de ambos os lados sentem-no muito intensamente, e se publicássemos algum artigo sobre Israel ou a Palestina levávamos pancada de um lado ou do outro. E muitas vezes vi que as pessoas desvalorizavam algo com o argumento de que se tratava de apoiantes sionistas, mas isso não é um ponto de vista razoável. Qualquer artigo recebia centenas de cartas no dia a seguir, era impossível... É de loucos, as pessoas sentem esse assunto de forma muito intensa e por isso torna-se extremamente difícil ouvir as queixas ligadas a esse assunto.

Respondi a queixas específicas mas não escrevi sobre o assunto até ao final do mandato. Algumas pessoas acham que agi de uma forma covarde, mas eu sabia que se o fizesse mais cedo iria perder as pessoas de um lado ou do outro. Existe um grupo chamado Camera – Comité para Exactidão na Cobertura do Médio Oriente na América, de análise de notícias, que é de influência sionista. Gostavam muito de mim, porque eu falava com eles e reagia sempre às queixas, fazia questão de que os repórteres respondessem, só diziam coisas boas sobre mim. (...)

Novas notícias são melhores do que velhas notícias. Por isso houve uma tendência para escrever mais sobre o Obama porque ele era uma história melhor. E isso foi verdade mas deixou uma má impressão, porque o leitor mediano não compreende que novas notícias são mais interessantes do que as velhas notícias, que um novo homem que chega ao palco, seja branco ou negro ou democrata ou republicano, vai ser sempre mais interessante... E o Obama tinha todas estas características e tornou-as tão interessantes. Havia o dobro de repórteres no avião dele, do que no avião do McCain. Era uma história melhor.

2008/11/24

Sair em Lisboa/sair de Lisboa

Se em Lisboa eu quero ir sair à noite, tenho que voltar para casa às duas. Ou isso ou ir para uma discoteca: graças ao lóbi destas últimas (que devem ter falta de clientes) e às diligências da actual maioria e do vereador Sá Fernandes, os bares em Lisboa fecham às duas da manhã. Ainda aconteceu há quinze dias, na última vez que lá estive: se eu quero encontrar um bar aberto tenho que confiar no conhecimento e na preserverança de um algarvio. E esperar que a polícia não apareça. Eu, um alfacinha de gema, sinto-me um clandestino na cidade onde nasci. Lisboa está a tornar-se uma cidadezinha de província. Eu vim-me embora (mas tenho saudades).

2008/11/21

A falta de cultura ciclista

A Assembleia Municipal de Lisboa reprovou (com votos do PSD e do PCP) a criação de uma rede de bicicletas partilhadas em Lisboa, baseada em argumentos falsos e preconceituos como "a falta de tradição de tráfego de bicicletas em Lisboa" e "as condições do relevo da cidade. Bem esteve o presidente da câmara, António Costa: "não há tradição de andar de bicicleta enquanto não se der condições para isso". Fico a aguardar pelos 40 km de ciclovias.
Entretanto, para ilustrar como o preconceito contra a bicicleta parte muitas vezes dos jornais, publico aqui uma carta que enviei ao Provedor dos Leitores do Diário de Notícias e que não foi publicada, acerca de uma reportagem no final do mês de Agosto (e indisponível na rede).

Exmo Senhor Provedor:
O que me leva a escrever-lhe é a reportagem intitulada "Isso 'tá difícil mas não desespere, agora é a descer", da autoria da jornalista Ana Bela Ferreira, publicada no passado dia 31 de Agosto na rubrica dominical "na pele de..."
A ideia desta rubrica é boa: transmitir ao leitor como é estar na pele de alguma profissão ou, neste caso concreto, de uma situação (ser ciclista em Lisboa). Mas eu sou ciclista em Lisboa (todos os dias, na deslocação para o trabalho), e posso garantir-lhe que a impressão que a jornalista transmite ao leitor não corresponde minimamente ao que é na realidade ser-se ciclista em Lisboa. Os exemplos são vários, mas começa pela escolha do itinerário, passando por bairros típicos de Lisboa como Alfama e o Castelo de São Jorge. Um itinerário que nunca um ciclista escolheria, a não ser que quisesse carregar a bicicleta às costas! Parecia que a jornalista queria demonstrar por si própria que nos bairros típicos de Lisboa é difícil andar de bicicleta. Mas isso qualquer lisboeta sabe - não é preciso uma reportagem para o provar! O que era suposto ser uma reportagem saiu um relato pessoal de uma aventura, de como a jornalista estava cansada, cheia de fome e com vontade de tomar banho depois de se ter metido naquilo, intercalado com os comentários dos (provavelmente surpreendidos) moradores e dosturistas. Se a ideia era mostrar aos turistas que os lisboetas não têm a noção do que é andar de bicicleta, creio que foi bem sucedida!
Há dois pormenores que revelam como a jornalista estava completamente fora da realidade. O primeiro foi quando referiu que pensou ter uma matrícula e fazer um seguro só para andar de bicicleta - algo que eu nunca fiz e nem conheço quem tenha feito nas várias cidades onde já vivi e onde já andei sempre de bicicleta. Mas, curiosamente, a avaliar pelas fotografias, a mesma jornalista que estava preocupada com o fazer um seguro... não se preocupou em usar um capacete! E andou a descer ruas íngremes sem capacete (algo que um verdadeiro ciclista não faria)!
O outro pormenor onde se viu a completa despreparação da jornalista foi quando, ao parar para o almoço, teve que escolher uma esplanada onde pudesse estacionar a bicicleta ao seu alcance, pois não tinha nenhum cadeado para a prender! Nenhum ciclista se preocupa com a matrícula ou o seguro, poucos andam sem capacete e nenhum anda sem um bom cadeado - nenhum se veria numa situação como a da jornalista que, ainda assim, foi relatada na reportagem como se fosse uma situação típica ao andar de bicicleta em Lisboa.
Resumindo: a jornalista (e o seu editor - a culpa não é só dela) pensaram que bastava saber andar de bicicleta para escrever uma reportagem sobre andar de bicicleta em Lisboa. Não bastava - era necessário um muito maior trabalho de preparação para a reportagem, que lamentavelmente não foi feito. Bastaria a jornalista (que evidentemente não faz, e continua a não fazer, a mais pequena ideia de como é andar quotidianamente de bicicleta em Lisboa) ter contactado com quem o fizesse. Com grupos de ciclistas. Aliás é essa a prática habitual nesta rubrica semanal do DN, e é por isso que esta rubrica é geralmente bem feita. Mas não foi o caso desta suposta reportagem, que na verdade é um aglomerado de frases na primeira pessoa que relatam uma experiência pessoal que só diz respeito à sua autora. E que por isso mesmo não se pode considerar bom jornalismo. É grave que seja publicado no DN. Mais do que este trabalho jornalístico em concreto, mais do que esta jornalista, importa chamar a atenção dos editores e responsáveis. È verdadeiramente de lamentar que de tal experiência pessoal resultem conclusões como as que no final são apresentadas ao leitor: "Lisboa ainda não é uma cidade de ciclistas" e "até lá temos que meter a bicicleta no carro e ir passear até ao Parque das Nações". Deve ser esta a experiência da jornalista de andar de bicicleta quotidianamente em Lisboa (daí a ausência do cadeado, por exemplo). Mas tais conclusões são falsas e são contraditas pelo dia-a-dia - cada vez se vêm mais ciclistas em Lisboa, especialmente jovens -, e por diversos estudos académicos que demonstram que a bicicleta em Lisboa (fora dos bairros típicos) é uma alternativa válida.
Era isto que eu tinha para lhe dizer, senhor Provedor.
Muito obrigado pela sua atenção. Aceite os meus melhores cumprimentos.

2008/11/20

Estava tudo previsto (III)

Como qualquer sportinguista sabe, Carlos Queirós tem experiência em derrotas por seis golos. No Sporting foi jogando com Figo, Balakov e Paulo Sousa. Na selecção portuguesa, com Pepe, Deco e Cristiano Ronaldo. Entretanto o retrocesso representado pelo regresso de Queirós é de décadas. Vitórias, só contra Malta e as Ilhas Faroé. Derrota por seis golos já não se via desde 1955.

2008/11/19

Estava tudo previsto (II)

Também Vital Moreira não percebeu a verdadeira motivação da derrota do Sporting. Mas eu pergunto: como é possível apoiar Sócrates por um lado e criticar Paulo Bento por outro? Como escrevi aqui, Sócrates e Paulo Bento são iguaizinhos.

2008/11/18

The demonstration concert

O vídeo que mostrei na mensagem anterior é um bom exemplo para a ministra da educação (que seria interpretada pelo Mickey) e para o líder da FENPROF Mário Nogueira (que seria interpetado pelo Donald). A ministra, com sentido de missão, leva a sua até ao fim, contra ventos e marés. Nada a datém: nem mesmo um ciclone. Os contestatários no fim acabam por aplaudir.

80 anos de Mickey



The band concert, a mais perfeita e prodigiosa curta-metragem de animação já realizada. Parabéns ao Mickey, mas o Donald é que tem piada...

2008/11/17

Estava tudo previsto


Já se sabia: a derrota de sábado era para acontecer. O objectivo era contrariar a primeira página de A Bola desse mesmo dia. O Nuno e o Rogério não percebem nada.

2008/11/16

Um bushista no 5 Dias



“Bushista” é com certeza na óptica do Carlos Vidal, e esse bushista sou eu. Sim, eu, que considero Bush o pior presidente dos Estados Unidos, que levou o país (e desgraçadamente muitos atrás dele) para uma guerra injustificada e sem saída onde se perderam muitas vidas e muitos outros valores, que reestabeleceu a tortura, que desrespeitou os direitos humanos, que aumentou as desigualdades, que protegeu os amigos ricos, que é o principal responsável pela crise internacional. No entanto, estou perante alguém que diz “não distinguir politicamente” George W. Bush de José Sócrates. Eu nem sei quem é que o Carlos distingue destes dois; sei, claramente, que não quero que uma pessoa que afirma isto me distinga deles. Se essa pessoa não os distingue, afirmo taxativamente que não quero ser eu o distinguido. É como “bushista” que eu quero que essa pessoa me veja.
Já em 2001 Bush afirmou que “quem não estava com ele estava com os terroristas”. E a verdade é que eu estive com ele. Vi o atentado ocorrer a poucas dezenas de milhas de onde vivia e não pude aceitar que tantos inocentes morressem, por muito justas que fossem as críticas aos EUA. Por isso apoiei e continuo a apoiar a luta contra o terrorismo. A luta contra o terrorismo mesmo, e não manobras de distracção como a invasão do Iraque.
Já nessa altura muita gente me chamou “bushista”. Se eu tivesse a mesma miopia política dessa gente (algo que infelizmente a maioria dos “bushistas” a sério tem), diria que quem me considera “bushista” é igualzinho a Bin Laden. Mas prefiro passar por cima disso e não perder tempo com essa gente. Prefiro continuar a apoiar Sócrates quando achar que deve ser apoiado e a criticá-lo quando achar que merece ser criticado.

2008/11/13

Como esses estúpidos selvagens chegaram a dominar Washington

Regresso após uma ausência (devida a isto e a uma mudança). Deveria ter escrito sobre as eleições americanas, mas não encontraria muito mais para dizer que o que foi dito pelo Luís Rainha (façam favor de ver bem o vídeo) e citado pelo Nuno Ramos de Almeida (texto de George Monbiot). Enquanto não escrevo eu mesmo algo sobre Sarah Palin e Bush, deixo-vos o texto de Monbiot.
Como esses estúpidos selvagens chegaram a dominar Washington

Como a política nos EUA chegou a ser dominada por pessoas que fizeram da ignorância uma virtude? Num ponto isso é fácil de responder. Na nação mais poderosa do planeta, um em cada cinco adultos acredita que o sol gira em torno da terra; só 26% aceitam que a evolução ocorre por seleção natural e dois terços dos jovens adultos são incapazes de encontrar o Iraque num mapa.

George Monbiot

Como se permitiu que se chegasse a esse ponto? Como a política nos EUA chegou a ser dominada por pessoas que fizeram da ignorância uma virtude? Foi a caridade que permitiu que um parente mais próximo do homem chegasse a gastar dois mandatos como presidente? Como foi possível que Sarah Palin, Dan Quayle e outros estúpidos do gênero chegassem aonde chegaram? Como foi possível que os comícios republicanos em 2008 fossem tomados por gritarias ignorantes insistindo que Barack Obama era um muçulmano e terrorista?

Como muitos deste lado do Atlântico, eu fui por muitos anos encantado com a política americana. Os EUA têm as melhores universidades do mundo e atrai as mentes mais brilhantes. Domina descobertas na ciência e na medicina. Sua riqueza e seu poder dependem da aplicação do conhecimento. Ainda assim, de maneira única dentre as muitas nações desenvolvidas (com a exceção possível da Austrália), o conhecimento é uma desvantagem política grave nos EUA.

Houve exceções ao longo do século passado – Franklin Roosevelt, JF Kennedy e Bill Clinton temperaram seu intelectualismo com um toque de senso comum e sobreviveram -, mas Adlai Stevenson, Al Gore e John Kerry foram respectivamente fulminados por seus oponentes por serem membros de uma elite cerebral (como se isso não fosse uma qualificação para a presidência). Talvez o momento decisivo no colapso da política inteligente tenha sido a resposta de Ronald Reagan a Jimmy Carter, no debate presidencial de 1980. Carter – tropeçando um pouco, usando longas palavras – cuidadosamente enumera os benefícios do sistema nacional de saúde. Reagan sorri e diz: “Lá vem você de novo”. Seu próprio programa de saúde teria apavorado muitos americanos, caso tivesse sido explicado tão cuidadosamente como o fez Carter, mas ele tinha encontrado a fórmula para se prevenir de questões políticas sérias ao fazer com que seus oponentes parecessem intelectuais “engomados” que não mereciam confiança.

Não foi sempre assim. Os pais fundadores da República – Benjamin Franklin, Thomas Jefferson, James Madison, John Adams, Alexander Hamilton e outros – estavam entre os maiores pensadores de sua época. Eles não sentiam necessidade de tornar isso um segredo. Como o projeto por eles construído degenerou-se em George W. Bush e Sarah Palin?

Num ponto isso é fácil de responder. Políticos ignorantes são eleitos por povos ignorantes. A educação norte-americana, assim como seu sistema de saúde, é notória por seus fracassos. Na nação mais poderosa do planeta, um em cada cinco adultos acredita que o sol gira em torno da terra; só 26% aceitam que a evolução ocorre por seleção natural; dois terços dos jovens adultos são incapazes de encontrar o Iraque num mapa, dois terços dos votantes norte-americanos não são capazes de nomear três organizações governamentais; a competência matemática dos adolescentes de 15 anos nos Estados Unidos está em vigésimo quarto dos vinte e nove países da OECD.

Mas isso só aumenta o mistério: como tantos cidadãos norte-americanos tornaram-se tão estúpidos, e desconfiados da inteligência? Até onde li, o livro de Susan Jacoby, The Age of America Unreason [algo como A Era da des-Razão Americana], fornece uma explicação completa. Ela mostra que a degradação da política norte-americana resulta de uma série de tragédias interligadas.

Um tema é muito familiar e claro: religião – particularmente religião fundamentalista – torna você estúpido. Os EUA é o único país rico em que o fundamentalismo cristão é vasto e crescente.

Jacoby mostra que já houve uma certa lógica nesse anti-racionalismo. Durante as algumas décadas após a publicação de A Origem das Espécies, por exemplo, os americanos tinham boas razões para rejeitar a teoria da seleção natural e para tratar os intelectuais públicos com suspeita. Desde o começo, a teoria de Darwin foi misturada, nos EUA, com a filosofia brutal – agora conhecida como darwinismo social – do escritor britânico Herbert Spencer. A doutrina de Spencer, promovida na imprensa popular com o financiamento de Andrew Carnegie, John D. Rockefeller e Thomas Edison, sugeria que os milionários estavam no topo da escala estabelecida pela evolução. Ao impedir os desajustados de serem eliminados, a intervenção governamental enfraquecia a nação. A maioria das desigualdades econômicas eram tanto justificáveis como necessárias.

O darwinismo, em outras palavras, tornou-se indistinguível da forma mais bestial do laissez-faire econômico. Muitos cristãos responderam a isso com náusea. É profundamente irônico que a doutrina rejeitada um século atrás por proeminentes fundamentalistas como William Jennings Bryan seja agora determinante para o pensamento da direita cristã. Fundamentalistas modernos rejeitam a ciência darwinista da evolução e aceitam a pseudociência do darwinismo social.

Mas há outras razões, mais poderosas, que explicam o isolamento intelectual dos fundamentalistas. Os EUA são peculiares ao delegarem o controle da educação a autoridades locais. Ensinar nos estados do sul era ser dominado por uma elite aristocrática e ignorante de donos de terras, e um grande abismo educacional foi aberto. “No sul”, escreve Jacoby, “só o que pode ser descrito é que um bloqueio intelectual foi imposto para manter do lado de fora idéias que pudessem ameaçar a ordem social”.

A Convenção Batista do Sul, agora a maior congregação religiosa dos EUA, era para a escravidão e a segregação o que a Igreja Reformada Holandesa (Dutch Reformed Church) era para o apartheid na África do Sul. Ela fez mais do que qualquer força política para manter o sul estúpido. Nos anos 60 tentou disseminar a desagregação estabelecendo um sistema privado de escolas e universidades cristãs. Hoje, um estudante pode ir do jardim da infância até o mais alto grau de estudos sem qualquer exposição ao ensino secular. As crenças batistas do sul também passam imunes ao sistema de escola pública. Uma enquete feita por pesquisadores na Universidade do Texas em 1998 revelou que um em cada quatro professores de biologia das escolas do estado acreditavam que humanos e dinossauros viveram na Terra ao mesmo tempo.

Essa tragédia vem sendo assistida pela fetichização americana da auto-educação. Apesar de seu lamento por sua falta de educação formal, a carreira de Abraham Lincoln é repetidamente citada como evidência de que a boa educação fornecida pelo estado não é necessária: tudo de que se precisa para ter sucesso é determinação e individualismo vigoroso. Isso pode ter servido bem para as pessoas quando os genuínos movimentos de auto-educação, como o que se construiu em torno dos Little Blue Books na primeira metade do século XX estiveram em voga. Na era do info-entreternimento (1), esse tipo de coisa é receita para a confusão.

Além da religião fundamentalista, talvez a razão mais potente para o combate dos intelectuais na eleição seja que o intelectualismo tem sido equiparado à subversão. O breve flerte de alguns pensadores com o comunismo há muito tempo atrás tem sido usado para criar uma impressão na mente do público de que todos os intelectuais são comunistas. Quase todo dia homens como Rush Limbaugh e Bill O’Reilly vociferam contra as “elites liberais” que estão destruindo a América.

O espectro das grandes cabeças alienígenas subversivas foi crucial para a eleição de Reagan e de Bush. Uma elite intelectual genuína – como os neocons (alguns deles ex-comunistas) em torno de Bush – deu o tom dos conflitos políticos como uma batalha entre americanos comuns e bem sucedidos e super-educados pinkos (2). Qualquer tentativa de desafiar as idéias da elite intelectual da direita tem sido atacada, com sucesso, como sendo elitismo.

Obama tem muito a oferecer aos EUA, mas nada disso vai parar se ele vencer. Até que os grandes problemas do sistema educacional sejam revertidos ou que o fundamentalismo religioso perca sua força, haverá oportunidade política para que gente como Bush e Palin ostentem sua ignorância.

Publicado originalmente no Guardian, em 28 de outubro de 2008

O artigo também está publicado na página de George Monbiot

2008/11/11

Uma vitória à Porto

Jesualdo Ferreira tem toda a razão. Ele é que resumiu bem, na entrevista no final do jogo: a vitória de ontem em Alvalade, após desempate por penáltis e com Caneira incompreensivelmente expulso, numa repetição de 2006 no Dragão, foi "uma vitória à Porto". Jesualdo sabe o que diz e do que fala.

2008/11/07

Assim se passou um aniversário

Sentado no meu (antigo) gabinete do IST, a desocupá-lo e a transferir ficheiros de computador. A ouvir Chico Buarque, nem dei por ele. Foi bom.
(Refiro-me ao aniversário da Rvolução de Outubro. O meu aniversário foi gentilmente assinalado pelo Nuno, a quem agradeço.)

2008/11/06

"I am so proud to be an American"


É o título de um depoimento de Edna B., Boynton Beach, Florida. Cortesia MoveOn.
Remember back in 2001 and 2002, when so many of you joined MoveOn? When President Bush had an 80% approval rating, when you held candles to stop a war the media was cheering on, when there were few politicians with the courage to stand up for the truth? Back then, a victory like this seemed impossible.
But yesterday you proved that nothing is impossible. If we stand up together and if we fight together and if we believe together, we can change the course of history.
Today, a new day has dawned in America.
Thank you for making it happen.

Obrigado, digo eu também.

2008/11/04

Um vídeo que me foi dedicado

Uma cortesia MoveOn. Vejam aqui. As notícias adjacentes - "Neighbor: 'Filipe Always Seemed So Normal'", "Final Words Of Dying Child: 'I Hate Filipe'" são igualmente uma delícia. Democratas, vão votar!

Mulato democrático

2008/11/03

F1 2008


Não escondo por quem estava: há ano e meio anunciei o meu sonho de infância: "que um dia um piloto que falasse português, se chamasse Filipe, o seu apelido tivesse cinco letras, a primeira das quais “m” e a última “a”, viesse a ser campeão do mundo de Fórmula 1. Ao volante de um Ferrari, como é evidente." Há um ano, após uma jornada inesquecível, escrevi que Massa era "o melhor segundo piloto que a Ferrari teve em mais de dez anos, e merece sem dúvida voar mais alto." E não me enganei. Aliás, se houve algo que este ano se confirmou é que Massa merece ser muito mais do que um segundo piloto. Não conseguiu ser campeão este ano. Não tem problema: ainda é jovem. A sua oportunidade de ser campeão há-de surgir, espero. Assim como espero que a Ferrari o saiba manter.
E Massa perdeu para um grande piloto. O título fica muito bem entregue. Como adepto da Fórmula 1, congratulo-me por termos tido uma época fantástica, excepcionalmente competitiva. De certa forma foi ainda mais disputada que a (já de si disputadíssima) época anterior: até à última curva! Um piloto corta a meta como campeão do mundo, e perde o título nos segundos seguintes, quando já nada podia fazer. Não me lembro de nada assim. Creio que ninguém se lembra.
De parabéns está Lewis Hamilton, o mais jovem campeão da história da Fórmula 1. E o primeiro negro. Sempre achei que havia um paralelismo entre Hamilton e Obama. Eu preferia Massa e acho que preferia Hillary, mas fiquei contente por Hamilton. E ficarei ainda mais por Obama.

2008/10/31

"Trick or treat!"

No passado nesta data costumava colocar no blogue onde escrevesse um vídeo com uma passagem de um episódio de uma das séries da minha predilecção - talvez a série mais maluca que eu vi até hoje.
(A propósito: tal como há quatro anos também afirmo que, apesar da crise e das eleições, hoje à noite o americano médio só tem a cabeça no Halloween.)
Este ano já coloquei esse vídeo, há duas semanas, a propósito de outro assunto. Tive que procurar outro, da mesma personagem. Lembrei-me de um bem a propósito da discussão que aqui se tem vindo a ter. Espero que seja suficientemente assustador, especialmente para o Nuno Ramos de Almeida. Bom Halloween para todos!

O libertarianismo em poucas linhas

Eu, cá para mim, tenho uma outra solução: voto em quem defender que o pouco dinheiro que há deve ficar no bolso dos portugueses, para eles o gastarem como quiserem.

O que eu quero é dinheirinho no bolso dos portugueses.


O RAF não quer “dinheirinho no bolso dos portugueses”: o RAF quer que o dinheiro fique no bolso dos portugueses que já o têm. É uma grande diferença. É uma grande diferença para quem tem muito dinheiro, e teria ainda mais se não pagasse impostos (como é o caso do RAF). E é uma grande diferença para quem não tem dinheiro nenhum e, graças aos impostos que o RAF e os libertários pagam, tem acesso a um mínimo de protecção social. Já para as classes médias e trabalhadores por contra de outrem que acreditem na redistribuição de riqueza, por muitos Jorges Coelhos e Varas que haja, o “dinheirinho” fica sempre melhor no Estado que nos bolsos de um libertário.

2008/10/30

Acácio Barradas

É triste ver partir alguém que nos habituámos a ler. Sobre Acácio Barradas escreveram o Daniel Oliveira e o José Mário Silva, que o conheceram. Eu limito-me a transcrever um texto para o velhinho BdE:
Pedro Mexia dixit: «A esquerda adora a rua». Deverá ser por isso que, após o 25 de Abril, o esquerdista Manuel Múrias, anteriormente nomeado director da RTP pelo marxista-leninista Oliveira Salazar, editou e dirigiu um jornal que justamente intitulou «A Rua». E também deverá ser por isso que o ex-director do «Independente», após um longo tirocínio eleitoral por feiras e mercados como líder de um partido de esquerda, já na qualidade de ministro da Defesa convocou para o Caldas uma manifestação de desagravo contra as atoardas com que a direita vilipendiou a sua honra, acusando-o de fraude na Moderna e exigindo a sua demissão. Assim se faz a História...

2008/10/29

Cinco Dias alargados

O horário é de Inverno, os dias ficam mais curtos, e convidam mais à leitura. Por isso os "Cinco Dias" não encurtam, mas alargam. Novos colaboradores vão entrar no Cinco Dias. Aqui apresento três.

O João Branco é um engenheiro aeroespacial, e é (mais um) gajo do Técnico. Viveu alguns anos na Holanda e gosta muito desse estranho país onde as pessoas se preocupam mais com o que fumam do que com o que comem. É um ciclista e algarvio militante, para quem as desigualdades em Portugal são culpa dos "homens do norte" (classificação que obviamente inclui os lisboetas).

O Paulo Jorge Vieira é um bairradino cidadão do mundo. Geógrafo de formação pela Universidade de Coimbra, é um trabalhador precário representante da "Geração 500 euros", que nunca sabe como vai ser o seu dia de amanhã. É activista na área dos direitos sexuais - feminista e direitos LGBT -, sócio fundador e actual presidente da direcção da associação "Não Te Prives". Foi membro da Comissão Excutiva do Fórum Social Portugues e da Comissão Executiva dos "Jovens Pelo Sim". Casou-se noutro dia em frente à Assembleia da República. A cerimónia até foi transmitida pela televisão, mas não foi válida.

O Rui Curado Silva é físico nuclear/astrofísico. Fez estudos de doutoramento em Estrasburgo e de licenciatura em Coimbra, onde presentemente é investigador. É também um divulgador da astronomia junto do público. É europeísta, ecologista e interessa-se pelo problema do aquecimento global. É autor do excelente blogue Klepsýdra.

O João, o Paulo e o Rui são para mim três queridos amigos, com quem é um prazer partilhar este espaço. Muito bem vindos e boas postagens!

2008/10/28

Prémio "dardos"


Recebi o prémio "dardos" do simpático blogue "Homem ao mar!" de M. Ferrer, a quem agradeço a gentileza. É suposto eu indicar 15 (quinze) blogues! Para evitar um crescimento tão acentuadamente exponencial do número de blogues contemplados, vou só indicar dois: O Nadir dos Tempos e Klepsýdra. As razões da escolha? Passem pelo Cinco Dias e perceberão.

2008/10/27

1000

Postagem nº 1000 do Avesso do Avesso.

2008/10/24

A blogosfera agora tem o seu Carlos Castro

Há uma semana, escrevi que “a Fernanda tem não uma mas duas causas na vida: o casamento dos homossexuais e o aumento das rendas de casa.” Qualquer leitor do Cinco Dias sabia que se tratava de uma provocação à Fernanda Câncio, na sequência de uma polémica que aqui tivemos no verão e que agora não poderíamos retomar nos mesmos moldes. Qualquer leitor do Cinco Dias sabe, se tiver acompanhado essa polémica, que eu e a Fernanda estamos de lados opostos nessa questão (a do aluguer de casas – não a do casamento de homossexuais) e havemos de continuar a estar - tal é irreparável. Os leitores do Cinco Dias sabem que tal divergência (antiga) entre mim e a Fernanda não teve absolutamente nada a ver com as ocorrências recentes no blogue. Os leitores mais atentos do Cinco Dias sabem que eu gosto de dirigir este tipo de provocações à Fernanda, em postagens e em comentários. Os leitores do Cinco Dias, que obviamente conhecem a Fernanda, sabem ver aquela minha frase como uma provocação e não mais do que isso. O que nem mesmo os leitores do Cinco Dias saibam, mas eu acrescento, é que já o faço há mais de dois anos (aqui e aqui), quando nem eu nem a Fernanda sonhávamos que haveríamos de partilhar um blogue, e o Cinco Dias ainda nem existia. E que nunca deixei de fazer, mesmo quando ela já era membro residente e eu só comentava. E que nem por isso a Fernanda se opôs a que eu entrasse para o blogue. Não se pode por isso concluir desta minha provocação que existe alguma “ferida aberta”. Da minha parte – aqui falo em meu nome pessoal, e é só isso que posso fazer – não existe nenhuma ferida aberta (ou fechada) com os autores do Jugular, blogue de que serei leitor e comentador, e a quem desejo toda a felicidade.
Só que Paulo Pinto Mascarenhas conclui, na sua coluna semanal sobre blogues no Jornal de Negócios, que “as feridas da cisão à esquerda continuam longe de cicatrizadas”, baseado justamente naquelas minhas palavras. Não sei que interesse este tipo de fofocas da blogosfera terá seja para quem for: quem acompanha os blogues está a par do que se passa, e quem não acompanha, não é graças a elas que passará a acompanhar. Mas o Paulo Pinto Mascarenhas escreve-as no jornal, e está no seu direito – mesmo que sejam falsas, como é o caso, e dêem uma impressão errada do que se passa a quem não acompanha o caso na blogosfera. É para escrever as suas crónicas que lhe pagam. É esse o tipo de jornalismo que Paulo Pinto Mascarenhas estava habituado a fazer no semanário onde colaborou, antes de se tornar assessor no governo do fundador e figura tutorial desse mesmo semanário: um jornalismo que procura criar casos onde não há, e os envolvidos são sempre adversários políticos. É a isso que se resume a sua crónica – pelo menos a desta semana – no Jornal de Negócios. Seria interessante no entanto ver como tal crónica se referiria a um “caso” que ocorresse num blogue seu (ou que lhe fosse próximo politicamente). Já ocorreu pelo menos um caso no passado.

2008/10/23

Bem leve



Ontem ele foi mais uma vez decisivo (e entrou para a história do Sporting: o melhor marcador nas competições da UEFA). Mas eu nem falo do golo de ontem, que foi uma colaboração com o Derlei. Falo do impressionante golo de sábado, contra a União de Leiria, que marcou o regresso de Liedson. Mais uma vez o levezinho é um exemplo de preserverança, de nunca dar nada por perdido. Vejam bem o vídeo. O Liedson cai (em falta?), mas não perde tempo: está rodeado de três adversários, mas ainda assim levanta-se, recupera a bola e remata para golo. Se fosse um jogador português ficaria sentado no chão a pedir falta, mesmo que ninguém lhe tivesse tocado!
Recordo que este jogador único até aos vinte e poucos anos era desempacotador num supermercado. É um exemplo para todos os portugueses (e não só jogadores de futebol).

2008/10/22

O Luís Lavoura tem sempre alguma razão

...ou não fosse ele físico teórico. Aqui se confirma:

"Comentário de Luis Lavoura
Data: 27 Junho 2008, 12:44


O Filipe Moura ganha facilmente a aposta.

De facto acho que nao faz sentido nenhum a Fernanda (e nao so) estar neste blogue na companhia de comunistas mal reciclados como o Nuno Ramos de Almeida ou o Filipe Moura. E que, se o objetivo da Fernanda e defender os direitos e liberdade dos homossexuais, nao precisa de andar em tao mas companhias, nos no Movimento Liberal Social tambem o fazemos. A diferenca e que somos a favor da liberdade na sua totalidade. Nao somos apenas a favor da liberdade de uma pessoa namorar com quem quiser, somos tambem a favor de ela poder arrendar a sua casa a quem quiser e ao preco que quiserem combinar. Acho que faz sentido ser coerente.

A Fernanda pense bem."

Agora de facto o Luis nunca tem toda a razão. Neste caso, quando afirma que o objectivo da Fernanda Câncio é defender os direitos dos homossexuais, assim, como se fosse o único. São extremamente injustas as pessoas que afirmam que a única causa da Fernanda é o casamento dos homossexuais. Conforme se confirma pelo seu primeiro texto no novo blogue Jugular, a Fernanda tem não uma mas duas causas na vida: o casamento dos homossexuais e o aumento das rendas de casa.
(Fernanda, um dia gostaria de voltar a encontrar-te, e que então me explicasses como podes pôr no mesmo texto as palavras "igualdade", "senhorios" e "inquilinos". "Igualdade", "senhorios" e "inquilinos" são três coisas incompatíveis, pelo menos na minha limitada cabeça.)
Despeço-me dos meus companheiros do Cinco Dias: foi um grande prazer conhecer-vos e espero que a gente se continue a encontrar por aí. Saúdo os membros do novo Jugular. (Saravá companheiro Vasco. Ana e Maria João: acreditam que o café da Dona Maria foi trespassado? Vi isso quando passei por lá noutro dia.) Vou continuar a ler-vos com prazer, e com certeza que haveremos de partilhar outras lutas no futuro. Até lá, eu continuo do avesso do avesso. E quem vier atrás que feche a porta.

Tenho coligido aqui no Avesso do Avesso todos os meus textos publicados na blogosfera. Aqui ficou então um texto meu publicado no Cinco Dias na semana passada, por altura da crise que assolou o blogue.

2008/10/21

"Species-specific transcription in mice carrying human chromosome 21"

É o título do artigo da Science de que o meu querido amigo Nuno é coautor. Parabéns, pá!

2008/10/20

"Um descalabro chamado Queiroz"

Desde que o actual seleccionador entrouao serviço, praticamente não ligo à selecção. Não espero nada. Mesmo considerando o talento dos jogadores: se há coisa que eu vi, foi este treinador não obter resultados com os melhores jogadores. Deixo ainda assim aqu extractos de um artigo de João Marcelino.

Nunca esperei nada de muito significativo desta nova etapa da selecção nacional com Carlos Queiroz. Há demasiados anos que o vejo como um treinador banal de alta competição, bom programador ao que dizem, disciplinado e trabalhador, bem relacionado, que utiliza o servilismo de uma parte da imprensa portuguesa ("professor" para aqui, "professor" para ali) para esconder a falta dos atributos que mais devem habilitar um homem com as suas funções: carisma, capacidade de liderança e sagacidade nas opções técnicas, sobretudo a partir do banco.

A ausência destas qualidades, a que se soma a falta de experiência significativa como jogador, já fora anteriormente visada nas passagens pelo Sporting (onde não ganhou ao leme da melhor equipa dos últimos 20 anos do clube), pelo Real Madrid (onde foi despedido) e pela selecção (em que falhou o apuramento para o Mundial de 1994). Descontando o trabalho às ordens de Alex Fergusson, um verdadeiro líder cuja longevidade desesperou o actual seleccionador nacional e o fez agora abandonar Manchester, o resto foram experiências irrelevantes no futebol do terceiro mundo.

Queiroz continua a recolher ainda hoje os dividendos do investimento feito em 1989 e 1991 com os títulos mundiais de sub-20, quando levou ao limite a capacidade familiar de alguns jovens com qualidade futebolística para os manter perto de 250 dias em estágios sucessivos - coisa absolutamente anormal para o escalão e que alguns desses jovens pagaram de forma dura em termos académicos e culturais. (...)

A propósito do descalabro da selecção de futebol, que está já seriamente em risco de falhar o apuramento para o Mundial, pode e deve dizer-se algumas coisas concretas. Por exemplo estas (e poderiam ser muitas mais):

Ao contrário do que pretende uma mentira tantas vezes repetida, o jogo com a Dinamarca foi mau. Portugal sofreu três golos, perdeu, e poderia, até, ter sofrido outros dois golos logo nos primeiros momentos do jogo. Ou seja, começou mal e terminou pior.

Não se percebe que na preparação do jogo tenha alertado para o facto da Albânia poder atirar alguma equipa para fora do Mundial e depois, na conferência de imprensa, já tivesse sido capaz de assumir, com atraso, que este era um jogo de ganhar. Ou seja, não foi capaz de colocar essa pressão nos jogadores antes, e só depois disse - obviamente por dizer e para ganhar espaço para os cinco meses de férias que se seguem até Março - que a selecção se vai apurar ganhando onde tiver de ser. Conversa fiada. Neste momento poucos são os portugueses apreciadores de futebol que acreditam nisso.

Queiroz disse três vezes na mesma conferência de imprensa, em Braga, que não sabe o que mais pode ou deve fazer para ganhar um jogo de futebol! Não foi deslize. Tenho a certeza absoluta que ele estava a falar verdade.

É normal um treinador perder- -se nos elevadores do estádio (!!!) e (mandar) justificar assim a sua falta ao compromisso contratualmente assumido de falar à televisão (TVI) que tem os direitos do jogo?

Prova-se que é uma absoluta estupidez esperar de um seleccionador a disponibilidade para "reorganizar" o futebol jovem. Um seleccionador não é um director técnico. Como o velho Aragonés provou, desse homem só se espera uma visão, uma estratégia e resultados concretos da missão.

Pergunto de novo: quanto vai pagar a FPF de indemnização a Queiroz se tiver de rescindir o contrato de quatro anos? Scolari, recorde-se, para comparar, nunca teve direito a mais de dois... Madaíl está enganado se pensa que poderá resistir à pressão da opinião pública depois de um eventual fracasso nesta campanha para o Mundial. Quanto muito, promoverá mais um excêntrico, como o euromilhões, porque esperar que Queiroz vá embora agora, e pelo próprio pé, promovendo uma mudança que seria boa para a selecção, é esperar de mais para quem o conhece.

O pior de tudo é o seguinte: em três meses apenas, Queiroz cortou a relação da equipa nacional com o seu público. Como se vai reconstruir agora essa ligação?

2008/10/17

Ah se tivesse sido eu a escrever isto!

Pensará o Pedro Morgado: «Os outros não podem chamar "provinciana" a determinada atitude ou episódio. Só nós é que podemos. Faz lembrar aquela história: só os judeus é que podem contar anedotas sobre judeus (e rir-se delas). Caso contrário é-se anti-semita. Por isso é que nós até temos direito a destaque do CAA. Com referências ao "país do socratismo", como se a culpa fosse de Sócrates.»

2008/10/15

Das filhas da puta


Tal como à Fernanda Câncio, também a mim sempre me fez confusão insultar a mãe de alguém e não a pessoa em questão. No México, por exemplo, insultar a mãe é considerado um insulto pior do que insultar a pessoa. Deve ser característico das sociedades tradicionais com famílias mais matriarcais.
Outro aspecto que me faz muita confusão é, em inglês, não poder aplicar tal insulto a uma mulher. Se eu quiser dizer de uma americana ou inglesa que é uma “filha da puta” em inglês, não posso. Não se aplica. “Son of a bitch” é tão institucionalizado que até as suas iniciais SOB são usadas neste contexto (embora possam em Nova Iorque ter outro significado, por mim frequentado às vezes). “Daughter of a bitch” é coisa que ninguém diz. Será por cavalheirismo? Mas não será esta uma discriminação inaceitável de género? E será por isso que a Fernanda gosta tanto da língua inglesa?

2008/10/14

Confirma-se: o casamento gay distrai-nos de outros assuntos

No Blasfémias, por exemplo, nem uma palavra sobre o Krugman. O João Miranda só fala sobre o casamento gay. O mesmo se pode dizer do Insurgente, excepção feita a umas citações colocadas há uns minutos.

2008/10/13

Paul Krugman Nobel da Economia

E eu há cinco anos já o citava (num belo artigo - texto "Filipe Moura (2)"). Vale a pena lê-lo, agora e sempre.

2008/10/10

O Nobel de Nambu

Nambu foi galardoado pela aplicação da quebra espontânea de simetria à física teórica de partículas. Ora o melhor exemplo de aplicação da quebra espontânea de simetria neste campo reside no mecanismo de Higgs, em que as partículas adquirem massa através da presença do célebre bosão anónimo. Faria mais sentido atribuir-se o nobel a Nambu depois da descoberta do bosão de Higgs. Mas não “a propósito” do bosão de Higgs: se este for descoberto, há pelo menos seis físicos teóricos candidatos a receberem o nobel pelo mecanismo “de Higgs”, assim baptizado por ‘t Hooft: Higgs e mais cinco. Quando as regras do nobel só permitem três premiados em cada ano. Acrescentar-lhes Nambu aumentaria a confusão.
Isto se se descobrir o bosão de Higgs: se este nunca for descoberto, tal representa uma severa machadada na “quebra espontânea de simetria em física de partículas” (não noutros campos da física). A quebra espontânea de simetria é um fenómeno fascinante; porém, estritamente em física de partículas nunca foi observada em simetrias exactas, de gauge (no caso da simetria electrofraca tal constituiria o mecanismo de Higgs).
Desta forma, este prémio Nobel pode parecer um pouco prematuro. A não ser que se queira premiar a quebra espontânea de simetria nos casos em que esta é realmente verificada: em simetrias globais (que não são de gauge), aproximadas. Mas aí é também, naturalmente, um fenómeno aproximado. Se for este o caso (presumo que sim) parece-me óptimo, com dois reparos importantes.
É injusto premiar Nambu e não premiar Goldstone, que previu as partículas sem massa que se formam nesta situação (os justamente chamados bosões de Nambu-Goldstone, e que nas situações aproximadas de que eu falei correspondem a partículas de massa muito pequena, os piões). É portanto a segunda grande injustiça que se comete com este Nobel (em conjunto com Cabibbo). Este Nobel deveria, portanto, ter sido dividido em dois, um agora e outro noutro ano (até pela diferença nos temas).
Ao antecipar-se a atribuição deste prémio, está-se a reconhecer a importância desta ideia, mesmo que ela não se venha a verificar em toda a sua plenitude. Tal facto abre um precedente na história do Nobel da Física, e poderá dar origem a que venham a ser atribuídos prémios a ideias com origem nas teorias de supercordas (mesmo que estas não se venham a confirmar) e que tiveram aplicações para além destas teorias. Há vários exemplos: diversos tipos de dualidades, a holografia, a correspondência AdS/CFT... Nem de propósito, Nambu foi um dos grandes percursores da teoria de cordas (com a acção de Nambu-Goto). É o segundo prémio Nobel dado a um físico que trabalha ou trabalhou em teorias de cordas (depois de David Gross em 2004). A quem critica a teoria de cordas por criticar muitas vezes faria bem estudá-la um pouco...

Para ler mais: The Reference Frame e Cosmic Variance (aqui e aqui).

2008/10/09

O Nobel de Kobayashi e Maskawa

Cada um dos galardoados com o Prémio Nobel da Física em 2008 merece por si este reconhecimento. Dito isto, é bastante discutível a forma como foram agrupados. Uma das formas de ver isto, mesmo para um leigo, consiste em notar como o anúncio do prémio de Nambu aparece separado do de Kobayashi e Maskawa. São dois prémios de física teórica de partículas, particularmente do conhecido modelo padrão das interacções electrofracas. Mas pouco mais têm em comum.
Claro que Kobayashi e Maskawa tinham que receber o prémio juntos, mas estranha-se este não ter sido atribuído igualmente ao italiano Nicola Cabibbo. A descoberta destes cientistas é a universalidade das interacções nucleares fracas, generalizando-as para os casos em que há mais do que uma família de quarks. Kobayashi e Maskawa estabeleceram o resultado (através de uma matriz de massa, cujos vectores próprios são os estados físicos) na forma final, com três famílias de quarks. O trabalho de Cabibbo é anterior, e aplica-se somente a duas famílias. A matriz de massa escrita por Cabibbo só tem assim um parâmetro (o ângulo de Cabibbo) - actua num espaço bidimensional, das duas famílias de quarks, mudando-as de base. Mas a ideia física básica, a universalidade, está lá. Kobayashi e Maskawa introduziram (naquele que é o terceiro artigo mais citado da história da física) uma matriz para três famílias, contendo mais parâmetros que por sua vez dão origem ao fenómeno da violação de CP (cuja descoberta experimental foi premiada com o prémio Nobel em 1980, e que deverá estar na origem da assimetria bariónica do universo), e que não seria possível somente com duas famílias. Esta matriz chama-se CKM (Cabibbo-Kobayashi-Maskawa), ilustrando bem o facto de ser uma generalização (fisicamente mais rica, é verdade) do trabalho original de Cabibbo. Por isso mesmo considero uma injustiça que este prémio Nobel não seja partilhado igualmente entre os três autores da matriz CKM (que vai continuar a ser conhecida assim, apesar de só dois deles terem sido galardoados). Isto não quer dizer de maneira nenhuma que eu considere que Nambu não merece um prémio Nobel. Mas isso discutirei noutro texto.

2008/10/08

Da tradução para o acordo ortográfico

Não sei se seria essa a intenção original do autor, mas como comentário (assinado por "Antónimo") a este texto da Fernanda Câncio encontra-se um excelente argumento a favor do acordo ortográfico da língua portuguesa. Passo a transcrevê-lo (ligeiramente adaptado para este contexto):
Embora as editoras mais do que abusem (por exemplo, é raro pagarem direitos de autor - só o fazem a consagrados -, escondem as vendas a sete chaves e os livros que saem aí com jornais e revistas - tiragens de 30 mil exemplares - têm um custo de produção de 90 cêntimos) é um bocado complicado os livros em português ficarem ao preço de um da Penguin, não é?
Uma Guerra e Paz da Penguin, em inglês tem centenas de milhões de leitores. Até podiam dar os livros que não se sentia. Não há direitos de autor e imagino que as traduções foram pagas há décadas. Se os nossos leitores ainda preferem ir comprá-los em vez dos desgraçados três mil exemplares que a exemplar tradução portuguesa não esgota, mesmo se publicada desde 2005, a coisa piora.
No fundo, paga 15 euros por uma coisa que não custou nada a produzir em vez de pagar 60 euros por algo que custou consideravelmente mais.

Pois é, Fernanda, o que falta para termos livros baratos em português é um verdadeiro mercado global do livro em língua portuguesa!

(Já agora: à entrada da livraria do Instituto Superior Técnico está um anúncio desta editora onde ela se gaba de publicar "autores nacionais", e recomenda aos estudantes que escolham os livros por ela publicados em detrimento das "traduções brasileiras" (inclui mesmo a frase "Não estudes por traduções brasileiras!"). Esta editora tem desenvolvido um trabalho meritório na publicação de bons livros técnicos de autores portugueses. Mas precisava de os "promover" utilizando um "argumento" tão mesquinho e rasteiro?)