2006/04/22

Miguel Sousa Tavares, a RTP-I e os novos campeões

Da crónica de Miguel Sousa Tavares no jornal A Bola:

«Desta vez não me preocupei muito, porque, tendo desde há vários anos deixado de frequentar Alvalade—que considero o pior ambiente para poder viver um jogo de futebol, com um público doente de facciosismo como em lado algum — era pacífica a decisão de ver o jogo através da televisão e, de passagem pelo Rio de Janeiro, tanto me fazia ver lá como à distância de meia dúzia de quilómetros de Alvalade. Assegurei--me previamente de que o hotel tinha RTP-Internacional e mais tranquilo fiquei quando, chegado de véspera, liguei para o canal português e vi a promoção «não perca o Sporting-FC Porto de amanhã, aqui na RTP-Internacional».

À hora do jogo, ligo o canal RTP e... nada. Nem jogo, nem uma explicação. Pior: a promoção à transmissão continuava, embora o jogo já tivesse começado e a transmissão não. Percebi então que a transmissão seria em diferido, se bem que não dissessem a que horas, e de novo me vi forçado a ir seguindo as incidências do jogo por telemóvel, directamente para um amigo portista, que estava clandestino entre os cativos do Sporting e que, bastante assustado, me ia sussurrando informações. Entretanto, continuava ligado à RTP-I, na esperança de que, a qualquer momento, iniciassem a transmissão em diferido. Nesse entretanto, foi-me dado ver uma vezmais a linha editorial da RTPI. E o que vi serviu para voltar a confirmar o que já sabia: aquilo envergonha Portugal. E agora, que este artigo de A BOLA já poderá ser lido pelas nossas comunidades emigrantes dos Estados Unidos, eu queria deixar-lhes aqui esta mensagem: não acreditem no Portugal que a RTP-I leva até vós — esse Portugal já não existe há muito e felizmente. Esse Portugal provinciano, atrasado, bafiento e salazarento, dos campanários em pôr do Sol, os pescadores a saírem para a faina em «fade out» com florzinhas em primeiro plano, os programas humorísticos e musicais rascas como na televisão do Ramiro Valadão, as entrevistas subservientes feitas por serventuários do jornalismo a «líderes» da comunidade emigrante, enfim, esse Portugal de antanho que vocês deixaram para trás há décadas já não existe, excepto nos brilhantes cérebros dos responsáveis da RTP-I. Numas coisas estará melhor, noutras pior, mas definitivamente está morto e enterrado. E é pena que o canal que os contribuintes portugueses pagam para levar a imagem de Portugal ao mundo não só não transmita em directo os jogos de futebol que interessam aos milhões de portugueses espalhados por aí, como ainda se dedique a levar- lhes uma imagem falsa e deprimente de umpaís que se calhar era assim que eles queriam que continuasse a ser. A RTP-Internacional é um canal antiportuguês, ao serviço da mediocridade, da preguiça e do antigamente.

Lá pelas onze da noite, no Rio, consegui finalmente ver o jogo em diferido, já mais do que digerido o resultado. Do que vi, confirmei, desculpem-me lá, a justeza da pré-análise que aqui tinha feito ao jogo: que era fácil vencer este Sporting ou, pelo menos, evitar que ele ganhasse. Bastava aplicar as mesmas armas que o Sporting vinha aplicando ao longo do Campeonato: jogar em contenção e esperar pelo erro alheio. Foi o que Co Adriaanse se dispôs finalmente a fazer e, por isso, ganhou o primeiro «clássico» e, com ele, o Campeonato. Ojogo teve assim nenhuma oportunidade para o Sporting e duas para o FC Porto e foi uma profunda chatice. Mas, sobre o mérito da vitória portista, ninguém teve dúvidas, excepção feita ao inevitável Ricardo. Já Paulo Bento, foi sério na hora da derrota.»


Tem toda a razão Miguel Sousa Tavares na sua apreciação à RTP-I. Quanto ao não ver o jogo em directo, faz parte do contrato com a SportTV. Não era nada que não se pudesse confirmar na internet (até porque a RTP-I pode ter uma programação confrangedora mas, tal como a generalidade dos canais pagos, cumpre os horários que anuncia). De qualquer maneira recomendo sempre nesta situação que se acompanhe o jogo num bar de portugueses (que no Rio é coisa que não falta - garantem-me; eu infelizmente nunca lá estive). Têm toda outra animação (mais nos EUA que em França, eu diria), e transmitem o jogo em directo, via SportTV. (Eu vi o jogo em directo. Não foi pela RTP-I.)
Também tem razão Miguel Sousa Tavares na apreciação ao jogo de há quinze dias.
No que não tem razão é na sua apreciação à época futebolística, e muito menos em dizer que o FC Porto nunca foi beneficiado pelas arbitragens. Na meia-final da taça foi-o, claramente. Ganhou o campeonato e é naturalmente favorito para ganhar a taça, dando a impressão de um domínio avassalador do futebol português nesta época, domínio esse que não existiu. Seria um melhor retrato da época (e mais justo) o FC Porto ganhar uma prova e o Sporting outra. Mas parabéns aos campeões.
Quanto à "doença de facciosismo" que caracteriza o público em Alvalade, será que o Miguel Sousa Tavares não se olha ao espelho?

PS: Noutra passagem do texto, Miguel Sousa Tavares queixa-se da "falta de penaltis" assinalados a favor do FC Porto: um, contra os seis do Sporting e os oito do Benfica. "Há estatísticas que não mentem." Pois não: mas haveria de ser um penalti no jogo contra o Penafiel a dar o título ao FC Porto. Há penaltis e penaltis; nem todos valem o mesmo.

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