Quando eu vivia nos EUA, à noite durante a semana sintonizava o canal de televisão "Telemundo", produzido e dirigido para a crescente comunidade hispânica. Eu procurava séries e telenovelas que eram produzidas no Brasil e que em Portugal também se viam, só que lá eram dobradas em espanhol e chamavam-se "La Muralla", "Lazos de Família", "El Clon", "Esperanza" ou outros nomes semelhantes. Durante os intervalos, era impossível passar despercebida a publicidade à telenovela colombiana que dava antes da brasileira. A mais popular dessas telenovelas era a que deu a uma certa altura e que se chamava "Betty La Fea". Mesmo sem nunca a ter seguido, pude-me aperceber do verdadeiro fenómeno de que se tratava. O enredo era muito simples, um tradicional conto de fadas: uma rapariga fisicamente muito feia e de muito bom coração, a quem ninguém liga, mas que nutre uma paixão pelo seu patrão rico. Do que via, sempre de passagem, parecia-me uma história bem contada e um bom entretenimento. E pelos vistos era: a "Betty La Fea" já foi adaptada em várias línguas e países diferentes. A atenta Salma Hayek, que representa para a cultura hispânica nos EUA tudo o que Sónia Braga não soube, não conseguiu ou não procurou ser para a brasileira, envolveu-se em mais um dos seus projectos e co-produziu o ano passado uma versão em inglês de "Betty La Fea", a "Ugly Betty", destinada a todos os públicos. Não sei se a série terá sido o mesmo fenómeno de audiências do original, mas a sua qualidade foi reconhecida esta semana com a atribuição de dois globos de ouro, de melhor actriz para a protagonista e de melhor comédia televisiva. E assim temos uma telenovela colombiana (mesmo sendo uma versão) a ganhar os Globos de Ouro. Espero que se sigam muitas brasileiras. Aos nossos críticos televisivos que desdenham de tudo o que é latino e gostam de tudo o que é em inglês: não se esqueçam que a "Ugly Betty" no original era em espanhol, "Betty La Fea". Se alguma vez for transmitida em Portugal, será que vamos assistir ao original, numa língua muito mais próxima da nossa, ou a uma tradução, numa língua mais distante?
Na mesma semana em que o senador democrata afro-americano Barack Obama anunciou a sua candidatura às eleições presidenciais de 2008, uma produção de origem sul-americana conquista os Globos de Ouro. Indícios de uma América mais atenta às suas minorias, que no futuro próximo não serão minoritárias. De uma América necessariamente com uma menor preponderância branca, anglo-saxónica e protestante. De uma América melhor.
Publicado originalmente no Cinco Dias.
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