Infelizmente não é só por isto que a telenovela Páginas da Vida deve ser falada. Na história o pai da criança sugere um aborto, mas a mãe quer prosseguir com a gravidez, mesmo tendo dificuldades financeiras e familiares. Ainda bem, se ela quer ter um filho. O aborto jamais deve ser feito contra a vontade da mãe. Cada capítulo da novela inclui ainda uns segmentos finais com depoimentos verídicos sobre histórias da vida real. Ora tem acontecido alguns destes depoimentos serem pequenos discursos contra o aborto. O que não é mau em si mas, neste presente contexto, é necessariamente visto como sendo contra a sua despenalização. É propaganda do “não” exibida a mais de um milhão de pessoas (neste fim de semana Maria Aurora Homem, locutora da RTP Madeira e apoiante do “sim”, queixava-se do mesmo no DN). Se a telenovela não faz esta distinção entre o aborto e a despenalização, e sendo esses segmentos suplementares totalmente desnecessários para seguir a história, talvez um segmento como o que eu destaquei não devesse ser exibido em época de campanha eleitoral. Pois é de campanha eleitoral que se trata.
Convém recordar – eu recordo-me – que, há exactamente oito anos, por altura do outro referendo, estava em exibição uma outra telenovela do mesmo autor, “Por Amor”, na qual o tema do aborto também era retratado, então de uma forma ainda mais forte. A personagem então decide fazer um aborto, e tem de ouvir a censura de todos os seus familiares, amigos e vizinhos, pois o que ela ia fazer era um “pecado”. Isto em horário nobre, exactamente no período da campanha. Convém estar atento a estes casos.
2007/01/24
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1 comentário:
Olá a todos,
O ideal cívico compele-me a deixar-vos a minha opinião, velha de quase dois anos, mas à qual não retiro ou acrescento uma vírgula.
Um abraço,
Afonso Gaiolas
Sexta-feira, Abril 22, 2005
Referendo sobre o aborto, ou um aborto de referendo?
Diz-se daqueles que, apesar de receberem contínuos sinais de recusa das fêmeas que tentam cortejar, apesar de engolirem mais sapos do que as margens da ribeira de Cobres albergam, se insinuam de tal forma insistentemente que a conquista do troféu se dá pelo cansaço, diz-se, dizia eu, que a façanha foi conseguida por "esmagamento".
Serve esta analogia para ilustrar o que me parece ser o pensamento de alguns sectores da nossa sociedade face à problemática do aborto em Portugal.
Merece o assunto as controvérsias de proporções bíblicas que proporcionou nos últimos tempos?
Tudo isso e muito mais.
Penso, contudo, que muito se tem rematado, mas continuamente ao poste, poucas vezes se discutindo o que realmente interessa debater.
Vou começar pela própria palavra ABORTO - Acto ou efeito de abortar. Nunca o dicionário refere a aniquilação de um ser como significado da palavra, mas ao invés, define-a como a expulsão do feto antes do fim da gestação, ou ainda "o que nasceu (começou a ter vida exterior) prematuramente".
Curiosa esta diferença conceptual de vida exterior e interior, tão curiosa que nalgumas comunidades que não a nossa, de desenvolvimento imaculado e mãos sempre limpas, se considera a contagem de ambos os períodos na idade das pessoas.
Todos consideramos como o mais hediondo dos crimes a eliminação de um ser recém-nascido. Pois bem, construamos uma simples fita de tempo. No intervalo temporal D+x (sendo D o momento do nascimento e x qualquer período que escolhamos (1 mês, 1 ano, 10 anos, 100 anos, ...), a palavra assassínio estará sempre presente, se decidirmos aniquilar um ser humano em qualquer destas idades. Mais complexa se torna a análise se trocarmos o sinal da adição pelo da subtracção. A partir de que momento consideramos estarem reunidas todas as condições para que, em consciência, possamos afirmar existir VIDA? Pensar demasiado sem conhecimento científico suficiente, torna angustiante a busca de respostas. Confesso que foi o que me aconteceu. Tanto mais que a proliferação de artigos sobre o tema em causa só torna ainda mais nebulosa a formação de uma opinião. Uma fracção de segundo, um dia, dez, doze, dezasseis semanas ou nove meses?
Defendo que as leis de um país se devem reger pelos valores morais que os seus cidadãos consideram ser os correctos, nunca se devendo ceder à tentação de resolver um problema com outro problema. Não me serve portanto o argumento da falta de informação, da má qualidade das instituições de solidariedade social que prestam a educação a quem não pôde ser acolhido por uma família, da inconveniência temporal, ou qualquer outro de cariz similar.
Em coerência devo portanto afirmar que, sendo o valor da vida o mais importante na escala das pertenças individuais, a partir do momento em que cientificamente me provarem que a centelha existe, devem ser repudiados todos os actos contrários ao seu desenvolvimento e maturação.
Pois, pois, centelha é muito vago...
Estava só a tentar ganhar tempo para que o meu cérebro me ajudasse...
Disse cérebro?
Se trocarmos um rim, continuamos a ser nós próprios?
Concordam que sim!
Se trocarmos de coração, continuamos a ser nós próprios?
Concordam que sim!
E se trocarmos de cérebro?
Eu convictamente penso que não. Acredito aliás que a verdadeira fonte de longevidade para os seres humanos reside na substituição de "componentes", preservando ao máximo o único insubstituível - o cérebro.
Reside aqui portanto a resposta à minha pergunta.
É verdade que no momento da concepção, potencialmente temos uma vida a ser gerada. Mas estamos ainda no domínio das células indiferenciadas, e a verdade é que, mexendo os cordelinhos certos, ou errados, conforme o ponto de vista, podemos gerar uma miríade de monstruosidades que com a vida nada têm em comum. Não considero portanto que os inúmeros bancos de embriões existentes pelo mundo sejam imorais, uma vez que a essência de cada ser individual ainda não existe - que o cérebro ainda não se formou.
Parece ser cientificamente aceite que todos os principais componentes do cérebro são claramente distinguíveis praticamente cinco semanas após a concepção. Assim sendo, em nome da coerência, até essa data (ou qualquer outra mais precisa que cientificamente seja acreditada) não deveria ser criminalizada, penalizada, ou sequer moralmente condenável a decisão de inviabilizar a evolução do embrião. Dentro deste período, englobar-se-iam os casos excepcionais já previstos na nossa legislação, exceptuando claro o risco de vida para a mãe. Para a análise de malformações, ter-se-ia que fazer um esforço, grande, é certo, mas realizável se bem direccionado no sentido de, por análise genética, se determinar o mais precocemente possível a sanidade de cada futuro ser humano.
Tendo tornado clara a minha posição, resta-me tecer um comentário, necessariamente cáustico ao slogan "A barriga é minha, faço dela o que quiser!", e outras idiotices do mesmo calibre, que só tornam ridícula a posição de algumas mulheres, que pensam ser este o cavalo de batalha final contra a opressão masculina. É verdade que é o indivíduo do sexo feminino o veículo hospedeiro do novo ser que está a ser gerado, e que provavelmente é o acto mais nobre a que alguém poderá em toda a sua vida aspirar, mas isso não tira o direito e simultaneamente a responsabilidade do homem perante o seu filho. Deveríamos pois ver ambos os progenitores condenados pelo acto abortivo, se existisse o conhecimento da acção, mas pela mesma ordem de ideias, negar a unilateralidade materna na decisão de continuar, ou não, com o processo de gestação.
Quanto aos direitos sobre a barriga, esses são inalienáveis (embora algumas devessem receber mais conselhos sobre estética), mas quando se trata da geração de um novo ser, ainda e sempre reaparece o velho, mas sábio conceito, que sumariamente nos lembra que a liberdade individual termina onde começa a liberdade de terceiros.
Decidam em consciência!
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