2007/05/22

Lisboa bem amada que mal me quis, que me quer bem

Devo começar por esclarecer que eu sou um alfacinha de gema: nasci e vivi em Lisboa até acabar o curso. Saí depois por nove anos e regressei recentemente. Conhecia muito bem a cidade quando parti, e continuo a conhecer, no que diz respeito a pontos de referência. Mas estive fora muito tempo: o tempo suficiente para não conhecer muitos dos locais da cidade que pessoas da minha idade, que cá ficaram, conhecem.
Um exemplo paradigmático é o “Lux”, onde de resto nunca estive. A primeira vez que ouvi falar no “Lux”, sem o saber, foi quando li, num artigo do Miguel Sousa Tavares
no Público, a expressão “esquerda Lux”. Percebi a quem é que o Miguel se referia, mas associei o “Lux” à conhecida marca de sabonetes. Julguei que, por alguma razão (talvez um anúncio...) o sabonete “Lux” estivesse associado à “esquerda Lux”. Ou então talvez, por algum motivo para mim obscuro, o Miguel Sousa Tavares conhecesse os hábitos de higiene pessoal de Ana Drago ou Miguel Portas.
Tudo isto para dizer que por vezes sinto-me um estranho em Lisboa, a cidade onde cresci. Em particular, não conheço praticamente nenhum dos locais que a Marta Rebelo referiu no seu texto da semana passada. O único lugar que eu conheço, simplesmente de nome, é o “Eleven”, do relato da minha irmã, cujo trabalho é ligado à Medicina, e que por pura coincidência ainda na semana passada teve um jantar de uma conferência nesse restaurante. (Os médicos adoram fazer as suas conferências nos locais mais luxuosos;dizem-me que é dos patrocínios da indústria farmacêutica. Só por comparação - e desculpem se estou a falar muito de mim - eu sou físico, e o meu orientador costuma dizer que, num banquete de físicos, as pessoas mais bem vestidas são os empregados de mesa.)
Quis o destino que eu, enquanto estive fora, vivesse nas duas “capitais do mundo”, Nova Iorque e Paris. E que eu tenha o enorme privilégio de, graças a isso, me sentir em casa nessas duas cidades. “Sentir-me em casa”, numa cidade, é saber fugir aos locais destinados aos turistas endinheirados. Paris não é só os Grands Boulevards ou o Bd. Saint Germain: também é Montparnasse (para um canard) ou a Butte Aux Cailles (para um boudin noir). Nova Iorque não é só o Rockefeller Center. Na Grande Maçã encontrar locais que não se destinem a turistas endinheirados não é fácil à partida, mas é possível. E nos arredores, como referi a semana passada, é possível comer “lagosta com todos” por menos de dez dólares. Ambas as cidades têm muitos locais principalmente destinados a fazer dinheiro com os turistas, mas recebem um volume de turistas que Lisboa não recebe e nem receberá. Apesar disso, mantêm uma vida própria: não dependem dos turistas. O comércio, a restauração, a cultura são para todos os habitantes (salve as desigualdades sociais, que principalmente em Nova Iorque são muitas), e não só para os turistas.
Posso estar a ser algo injusto, não conhecendo muitos desses locais (por não me atraírem), mas o que me deixa mais apreensivo em Lisboa é que, nestes últimos anos, parece ser uma cidade mais preocupada com os turistas do que com os seus habitantes. E, por isso, uma cidade muito pouco acolhedora. Principalmente para quem, como eu, aqui cresceu e sabe o que deveria esperar. E isto é um erro crasso: não são os turistas que vão dar vida ao centro da cidade e às zonas históricas todos os dias, todo o ano. Em Nova Iorque ou Paris há zonas que sobrevivem assim (só graças aos turistas), mas Lisboa não tem esse potencial. Por isso Lisboa tem de pensar mais sobretudo em quem cá trabalha e mora em casa alugada ou nos arredores. Nos jovens trabalhadores precários, a maior parte licenciados e doutorados. Nesse aspecto Lisboa teria muito a aprender com o Porto e com cidades portuguesas mais pequenas, com menos atractivos culturais mas uma qualidade de vida melhor.
Uma vez mais, não conheço a «Wallpaper», a revista que a Marta Rebelo refere. Mas creio que faríamos melhor se em alternativa prestássemos mais atenção a guias como o “Time Out”, ou o “Let’s Go!”, ou o “Lonely Planet”.

Publicado também no Cinco Dias.

6 comentários:

Nelson disse...

"Nos jovens trabalhadores precários, a maior parte licenciados e doutorados"

Dificilmente me convences que a _maior_parte_ dos jovens com emprego precário tem tais pergaminhos académicos...

Se dissesses, por outro lado que a maior parte dos jovens licenciados e doutorados na Grande Lisboa tem emprego precário, aí já era outra conversa.

Filipe Moura disse...

OK, o "doutorados" é tendencioso, por razões óbvias. Mas estou convencido de que a maioria são mesmo "licenciados". Se não é anda lá perto!
Os meus colegas de secundário que não se licenciaram têm empregos mais estáveis que os licenciados.

Filipe Moura disse...

Por falar nisso, quando é que és mestre? :)

Nelson disse...

quando marcarem a defesa da tese. falta dar uns retoques, mas ainda não sei que retoques são, aguardo instruções...

em relação aos licenciados e doutorados: ó Filipe, em que mundo vives, pá? Achas mesmo que mais de 50% da população portuguesa com 22 (idade normal) a 35 anos concluiu uma licenciatura? Mesmo um bacharelato? Tu que vens de uma faculdade em que cerca de metade dos alunos não termina o curso ou se o termina demora 10 anos a fazê-lo? No máximo 50% dos que entraram na universidade terão saído com um canudo. E no máximo 50% das pessoas desta geração entraram na universidade. Ou vais-me dizer que os números do abandono escolar são falsos e a maioria das pessoas na verdade concluiu o ensino secundário com aproveitamento?

A maior parte das pessoas entre os 18 e os 35 anos terá habilitações académicas entre o 9º ano e o 12º ano. Além destes, uma percentagem considerável terá entrado na universidade mas nunca chegou a concluir nenhum curso.

Uma percentagem razoável (mas eu arriscaria inferior a 20%) terá concluido um bacharelato ou licenciatura.

E uns quantos, muito poucos, terão uma pós-graduação.

"os meus colegas do secundário". Esta frase mostra logo a pobreza da tua estatística. A maior parte das pessoas nem sequer chega ao secundário.

No escritório somos 5 (mais o chefe, mas esse é de outra geração). As idades estão entre os 22 e os 42 anos. Temos 2 pessoas com o 9º ano, uma com o 12º, uma com frequência universitária mas que não chegou a concluir o curso e eu, o único licenciado da empresa.

Hoje vou jantar aqui em casa com amigos. Somos 6. Uma das pessoas tem formação universitária estrangeira com equivalência a um bacharelato; eu sou licenciado; uma outra não tenho a certeza mas penso que não terá entrado na faculdade; duas entraram na faculdade mas nunca acabaram os respectivos cursos e uma última cujas habilitações académicas desconheço mas arriscaria que são ao nível do ensino secundário ou frequência do superior (mas sem a respectiva conclusão).

Nota-se que o teu círculo de conhecimentos é algo limitado e pouco abrangente.

Filipe Moura disse...

Olá Nelson.
Reconheço que conheço muito mais licenciados do que não licenciados, mas o que afirmei no meu comentário anterior é verdade nos meus conhecimentos (que não são um universo estatístico, compreendo). Mas reconheço que essa frase, completamente marginal, é provocatória. Não vale a pena passares-te :).
Bom jantar.

Nelson disse...

eu sei, sou um gajo picuinhas. MAs às vezes as tuas generalizações dão azo a isto... ;)