2007/04/05
“Those people can be so touchy!”
É claro que não se pode criticar a Bomba Inteligente sem aparecerem logo os fãs. E é mais claro ainda que não se pode associar a palavra “judeu” a um adjectivo depreciativo sem aparecerem logo acusações de “anti-semita”. Há três anos que ninguém me chamava “anti-semita”. Já tinha saudades. Devo este insulto, desta vez, ao leitor Júlio Silva Cunha, nos comentários, que aparentemente se incomodou por eu ter explicitado a religião de Sarah Silverman quando lhe chamei racista.
Há uns meses a actriz Daniela Ruah era a capa da revista Notícias Sábado. Daniela, para quem não a conhece, é protagonista de uma telenovela actualmente em exibição na TVI. O título de capa da revista era “a bela judia”. E, de facto, correspondia à verdade: Daniela é bela e consta que é judia. Mas também corresponderia totalmente à verdade um título como “a judia da voz esganiçada”. Eu que o diga, que todas as quintas feiras (como hoje) apanho uma bem sefardita dor de cabeça graças aos gritos daquela actriz na referida novela, que tenho que ver (e mais a ligação diária ao programa As Bombas e os Inteligentes. O que um tipo tem que aturar se quer ver do princípio o Dr. House!
Não vi Júlio Silva Cunha nem nenhum leitor da revista chamar “anti-semita” àquela capa, apesar de o “judia” ser bem explícito. Porquê? Porque vinha acompanhado de um elogio. Já um título como “a judia da voz esganiçada” seria rapidamente considerado ofensivo para toda a comunidade judaica. Indignações selectivas... que nem têm a ver com tratar-se de judeus. Se se substituísse “judia” por “negra”, ou “católica” ou “portuguesa” a indignação seria a mesma. E porquê? Porque a etnia (neste caso, “judia”) não tem nada a ver com a voz esganiçada. Mas também não tem nada a ver com a beleza...
No caso de Sarah Silverman incluí uma referência à sua etnia, associada ao seu racismo. Não porque, evidentemente, o racismo seja associável aos judeus. Bem pelo contrário: devido ao racismo de que sempre forma vítimas, parece-me ainda mais chocante encontrar um judeu (ou um negro) racista. Daí a minha referência.
Sarah Silverman é uma boa representante daquilo a que se chama uma “princesa judia”, um conceito bem definido nos EUA e com direito a entrada na wikipédia (será que Júlio Silva Cunha também vê anti-semitismo na wikipédia?). O melhor exemplo de uma “princesa judia” na blogosfera portuguesa é, justamente, a bomba inteligente Carla Quevedo (demonstra-o quotidianamente no seu blogue). Bem mais do que a saudosa Ana Albergaria, com quem eu tive algumas altercações (mas de quem tenho sinceras saudades). A Ana Albergaria manifestava alguma preocupação com o mundo que a rodeava (mesmo que eu nunca concordasse com ela), nunca escondia o que era e tinha um grande sentido de humor (até ensinava a malta a fazer croquetes!). A aburguesada blogosfera portuguesa (de esquerda e de direita) gosta muito da escrita da “princesa judia” portuguesa. Eu, que sou culturalmente proletário, não gosto de príncipes nem de princesas, judeus ou de qualquer outra etnia. Mas desejo a todos (de qualquer crença ou não-crença) uma Páscoa feliz e cheia de coisas boas.
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11 comentários:
Independentemente de tudo o resto, no qual não tenho vontade nenhuma de me meter: percebemos todos que a Sarah Silverman não é "uma boa representante daquilo que se chama uma princesa judia", mas sim uma caricatura daquilo que se chama uma princesa judia, certo? Certo?
Chamar à Sarah Silverman uma racista judia não faz de ninguém um anti-semita (eu, pelo menos, não me senti insultado), mas lança algumas dúvidas sobre a capacidade para perceber a diferença entre um comediante e a sua personalidade de palco. Que, aliás, o próprio artigo citado da wikipedia até explica. A Sarah Silverman não é a "Sarah Silverman". Ou tu és daqueles que vê a stand-up do Ricky Gervais e acha que ele é um hooligan racista?
Inteiramente de acordo com Filipe Moura, é evidente que, se há judeus, há judeus bons e maus, isto e aquilo (podemos meter aqui todos os adjectivos do dicionário). E quem diz judeus diz qualquer outra etnia ou «raça». Por que haveriam de ter os judeus um tratamento privilegiado? Ser anti-semita é outra coisa, mas também não é discordar-se da política do Estado israelita. Uma curiosidade: a mim já chamaram de anti-semita por gostar de Amos Oz!
Mas o que mais me irrita é que em Portugal esta discussão é aberrante porque não há judeus, ou antes, somos todos judeus. Por exemplo, no Norte há duas ou três familórias burguesas que fazem gala em ser judias. Pois bem, na aldeia originária de uma dessas famílias (não vou citar nomes nem localidades) TODA a gente descende de marranos que lá se esconderam e formaram uma comunidade não sei bem em que século. E toda a gente dessa aldeia se diz portuguesa e nem sabe o que é um judeu (um exemplo notável de integração e de miscigenação natural)... A avó de um amigo meu era judia e nem ela própria o sabia (foi preciso esse meu amigo ter consultado por acaso uns documentos que um «judeu» lhe indicou). Esse meu amigo vai, a partir d agora, exigir uma medalha e chamar anti-semitas a todos os que lhe ganham ao bilhar?
Eu comentei o post, mas não sou leitor da Bomba e o que me deixou mais perplexo até foi a questão da Lei da Televisão. Comentando a Silverman, escrevi isto:
"Outro caso sério. Onde é que já se viu, fazer humor com etnias, raças e religiões? Utilizar estereótipos para fazer piadinhas? A segunda ementa está sob o ataque dos humoristas. Outra lei a mudar brevemente, esperemos."
Depois de ler este post, fiquei esclarecido: o Filipe Moura não tinha percebido que a Sarah Silverman é uma humorista.
A propos: antes do início do episódio do House de ontem houve, no mínimo, uns 10 minutos de publicidade. E até começou muito perto do horário anunciado. Se há alguma lei que obrigue a ver essa novela e a ligação diária, tenho estado em absoluto incumprimento.
"Há três anos que ninguém me chamava “anti-semita”."
Brevíssimo comentário: lol!pusedm
Ainda não respondeu à minha pergunta!
ZSe ela fosse católica vc adicionava a religião à descrição da pessoa?
Por outro lado, fico com a impressão que o Filipe considera a categoria "judeu" oposta à de portuguesa!Ser judeu sobrepõe-se ao facto da Daniela Ruah ser portuguesa? O Filipe não tratas as danielas católicas, como católicas? São simplesmente portuguesas, certo?
Assim posso culcuir que para o Filipe, "judeu" é raça e não apenas religião?
Já agora, eu não escrevi sobre a capa porque não tenho que fazer de vigilante do anti-semitismo, mas parece-me que pelos seus comentários reforçados pelo ligeiro toque de culpa colectiva que vc atribui a esta posta falam mais do seu anti-semitismo do que a minha adjectivação.
É claro que a adjectivação depreciativa é a que choca mais. Que eu saiba, vc nunca chamou uma católicia de voz esganiçada...mas curiosamente judeu e negro...judeu é raça, deve ser uma minoria étnica!!!
No fundo o Filipe acha que a condição d ejudeu sobrepõe-se á de português "tout court", ao contráriod os católicos portugueses que são tratados pelo estimado Filipe simplesente por Portugueses!Isto é anti-semitismo!
Rogério, essa questão é muito antiga... Se for eu (que não sou judeu) a fazer uma piada sobre judeus sou "anti-semita". Se for judeu, já é autorizado. A Ana Albergaria (que eu referi) defende isso explicitamente. Eu acho que isso pode ser verdade (para judeus, para negros, para gays) até certo ponto, dependendo do contexto. Não há regra geral. A ironia com estes assuntos por vezes é um território perigoso. Mas pelo que pude ouvir dela, a Silverman pareceu-me racista.
Quizzer, por acaso o House começou ANTES da hora que vinha no jornal (noutros dias começa depois). Os responsáveis das TVs fazem uma estimativa da duração dos directos e da publicidade, e mandam uma programação provisória uns dias antes. Mas o que importa é que desde que começaram os reality shows (talvez até antes, mas desde então acentuou-se) o horário dos programas a seguir ao telejornal dos canais generalistas é uma variável aleatória...
Eu vou continuar a escrever sobre este assunto e teria muito gosto em ter os teus comentários, aqui ou no teu blogue. Será um prazer discutir isto com alguém que vê televisão (para variar).
Júlio, vou dar de barato essa sua confusão entre "portugueses" e "católicos" (como se Portugal não fosse um estado laico). Adiante.
Por razões históricas, espera-se que quando se classifica alguém como "racista" essa pessoa seja branca e de ascendência cristã (católica ou não). É claro que Hitler não era cristão mas isso não invalida o que eu disse.
Não é de esperar que um negro ou um judeu, supostamente vítimas do racismo, sejam afinal racistas. Se é esse o caso, parece relevante referir a etnia ou religião. Foi por isso, e só por isso, que eu referi o "judia" associado à Sarah Silverman. (Faria exactamente o mesmo se fosse negra ou cigana.) Expliquei isso muito bem no meu texto. Se você vê aqui antisemitismo, azar o seu... Diz muito sobre si.
Curiosamente você não refere que no seu blogue tem pelo menos um texto muito interessantes sobre ciganos, referindo-se a esta etnia com uma linguagem muito significativa... Este texto foi logicamente referido e elogiado pelo André Azevedo Alves no Insurgente (olhe quem!). Talvez eu deva recordar-lhe que, embora os judeus tenham sido sem dúvida o grupo vítima preferencial do Holocausto, não foram o único. Também foram vítimas homossexuais, comunistas e... ciganos.
Pela linguagem daquele seu texto, parece-me que afinal o judeu racista é você.
O AA do A Arte da Fuga também linkou a posta...outro racista!
J.
é por estas e por outras que devia haver uma palavra pejorativa para "judeu".
Um gajo pode sempre dizer "preto" para ofender e se disser "negro" ninguém leva a mal. Diz "bicha" e ofende, diz "gay" e tá tudo bem. Diz "monhé" e os gajos desatam a berrar, diz "indiano" e ninguém se chateia. Já para "judeu" (e para "muçulmano" também), não há sinónimos de jeito. O que causa sempre mal-entendidos.
A língua portuguesa tá muito mal pensada, lá isso está. Faltam termos em calão para ofender grupos inteiros de pessoas para livrar os outros termos do seu significado pejorativo.
(caso não tenha dado para reparar, todo este comentário está escrito em tom irónico; não quero ofender ninguém)
«"judeu" é raça e não apenas religião?»
O problema é que os próprios judeus cultivam essa ambiguidade. Tão depressa dizem que é uma religião, como «pode ser-se judeu e ateu», como «judeu é qualquer filho de mãe judia». A trapalhada é grande.
Só para ter uma ideia, leia aqui:
http://esquerda-republicana.blogspot.com/2006/07/o-cmulo-da-incoerncia.html
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