2006/09/20

A definição de planeta e os “limites da ciência”

Pedro Correia é um jornalista e blóguer que costumo gostar muito de ler. Escreveu no mês passado no seu blogue um texto (que poderia ser subscrito por muitas outras pessoas) sobre a pífia questão do estatuto de Plutão. Já andava para o comentar há algum tempo, mas só agora pude.
O que é curioso no caso do Pedro Correia é que alguns dos comentários no seu texto revelam que ele ironicamente em certos aspectos está mais próximo das teses do Prof. Boaventura de Sousa Santos do que à partida poderia julgar.
Convém prestar um esclarecimento: a “definição” de planeta não passa disso: uma definição. Uma convenção. Nada mais que isso. Saber se Plutão é ou não um “planeta” é completamente irrelevante para entender a estrutura do Universo. Para entender isto melhor, nada como mais um dos deliciosos textos “para educar o povo” do João Miranda. É pura e simplesmente uma questão de semântica. Nem sequer é ciência.
Em que é que a nova definição de planeta é “uma clara demonstração dos limites da ciência contemporânea na interpretação e catalogação da realidade - incluindo a própria realidade "física", que muitos pensavam ser facilmente traduzível por fórmulas, equações e etiquetas”? Eu tenho a certeza de que Plutão era um planeta de acordo com a definição antiga, e não o é com a nova... E daí? Em que é que isso altera a nossa visão do Universo? Pode quanto muito ter de levar à alteração de muitos manuais escolares. O que é uma questão importante. Mas não é uma questão científica.
Muito mais importantes são acontecimentos como a descoberta da matéria escura, de que falei atrás. Só tenho a lamentar que esse facto (ele, sim, importante para a compreensão do Universo) tenha sido praticamente omitido das páginas da maioria dos jornais portugueses, em detrimento de mais não sei quantas críticas literárias, musicais ou cinematográficas ou da pífia questão do estatuto de Plutão.
(Esta é uma opinião pessoal e que não vincula o jornal onde escrevo até ao fim deste mês.)

Para ler mais: The Cash Value of Astronomical Ideas, no Cosmic Variance.

4 comentários:

Zèd disse...

Ora aí está uma questão que pelos vistos só preocupa os cientistas: Porque é que se deu tão pouca atenção à descoberta de matéria escura e tanta atenção ao estatuto de planeta de Plutão (que provavelmente pouca gente sabe, tem dimensções ridículas)?
Porque é questões científicas "sensacionais" têm tanta importância, e verdadeiras descobertas científicas não têm?

Filipe Moura disse...

Epá há mesmo um privilégio da Astronomia. Creio que tem a ver com a Astrologia ou outras questões mais esotéricas. E eu não consegui lutar contra ele durante o meu estágio. Ainda hoje a última página do Público prova isso.
Vale mesmo a pena ler o texto que sugiro, The Cash Value of Astronomical Ideas.

JSA disse...

Não Filipe, creio que tem simplesmente a ver com aquilo que se consegue entender. Plutão ser ou não planeta é fácil de entender. Foi aprendido na lengalenga dos nomes dos planetas do sistema solar. Já a Matéria Escura (ou pior, a Energia Escura) são conceitos muito mais esotéricos e pouco palpáveis. Às pessoas interessa pouco que se possa ou não observar a matéria escura. Já se Plutão pode ou não ser um planeta é outro assunto muito diferente (mesmo que quase toda a gente ignore o interesse que Plutão poderá suscitar na Astronomia devido às suas características intrínsecas, seja ou não planeta).

Seria o mesmo que perguntares porque é que um programa de ciência (daqueles bons) tem menos audiência que uma telenovela. A resposta andará perto de ser a mesma.

Filipe Moura disse...

João, é uma questão muito interessante essa que levantas. Pessoalmente eu acho que o jornalismo científico nunca é usado para vender jornais. E que por isso no jornalismo científico não se deve ter como preocupação fundamental dar ao leitor aquilo que ele "quer" ler (o leitor nunca "quer" ler ciência), mas sim aquilo que é importante e relevante. Há que saber despertar a curiosidade, mas há que ser selectivo e ambicioso. Não há que cair no fait-divers. Penso eu de que.
Os comentários como o do Pedro Correia mostram como só se sensacionalizou esta questão, quando afinal se se consultasse um especialista via-se que ela nem é assim tão relevante (apesar de ter dado que falar).