2006/09/17

Talvez a descoberta científica mais importante deste Verão

Descobertos os primeiros sinais de matéria escura

A matéria visível e a matéria escura foram separadas por uma grande colisão de dois enxames de galáxias. A descoberta foi feita utilizando o observatório de raios X Chandra, da Agência Espacial Norte-Americana (NASA), em conjunto com outros telescópios, e constitui a primeira observação directa deste fenómeno.
A matéria escura é um tipo de matéria que não emite nem absorve suficiente luz para ser detectada directamente, sendo a sua presença deduzida somente através dos seus efeitos na matéria visível. Esses efeitos podem ser a velocidade de rotação das galáxias e as velocidades orbitais das galáxias em enxames, ou os desvios de luz conhecidos por lentes gravitacionais.
A observação agora anunciada foi feita no enxame Bala, um dos mais quentes enxames de galáxias conhecido, situado na constelação Carina, a cerca de quatro milhares de milhões de anos-luz da Terra. Neste enxame, dois aglomerados de galáxias independentes colidiram recentemente, tendo sido observados pelo Chandra e ainda pelo telescópio Hubble e por outros telescópios do Observatório Europeu do Sul, no Chile. Cerca de 90 por cento da matéria destes aglomerados é constituída por gás quente intergaláctico emissor de raios X. Durante este processo o gás quente de cada um dos aglomerados colidiu com o do outro, enquanto as galáxias (individualmente) e a matéria escura não foram afectadas. Duas equipas de astrofísicos lideradas por Douglas Clowe (da Universidade do Arizona) e Maxim Markevitch (do Centro de Astrofísica Harvard-Smithsonian), dos EUA, compararam imagens do gás obtidas pelos telescópios com gráficos de campos gravitacionais deduzidos a partir de observações dos efeitos das lentes gravitacionais: distorções pequenas mas coerentes na forma das galáxias de fundo, a partir das quais se pode reconstruir a distribuição de massa nos aglomerados de galáxias. Esta reconstrução não deixa lugar para dúvidas – a matéria escura tem de existir nos aglomerados observados.
De acordo com as estimativas, a maior parte da matéria que constitui o Universo é, de longe, matéria escura: apenas cinco por cento da matéria seria visível, contra 20 por cento de matéria escura e 75 por cento de energia escura. A matéria escura propriamente dita é sensível somente ao nível das galáxias, afectando os campos gravitacionais por elas sentidos. Já a energia escura está espalhada pelo Universo inteiro, sendo os seus efeitos sentidos principalmente na aceleração do Universo. Existem teorias alternativas, baseadas em alterações das leis da gravidade, que eram sugeridas como explicações alternativas dos fenómenos dos quais se infere a existência da matéria escura e da energia escura. Os resultados agora divulgados não podem ser explicados por nenhuma alteração razoável da lei da gravidade, mas só dizem respeito à matéria escura. Estes efeitos ainda podem ser utilizados como uma explicação alternativa à existência da energia escura, que se conhece muito mal e para a qual há muito poucas explicações.
Um dos principais problemas em aberto na Física de Partículas e na Cosmologia é a constituição da matéria escura. Durante muito tempo teorizou-se que esta poderia ser constituída por neutrinos, partículas muito leves e que quase não interagem com as outras, sendo neutras relativamente às interacções electromagnéticas (à luz) e nucleares fortes. Por isso estas partículas são muito difíceis de detectar. Apesar de só desde 1998 estar confirmado que estas partículas têm massa, existiam modelos para matéria escura constituída por neutrinos com massa muitos anos antes. No entanto, os dados mais recentes apontam para não existirem no Universo neutrinos em número suficiente para constituírem toda a matéria escura existente.
Estudos da formação de núcleos atómicos durante o Big Bang indicam que a matéria escura terá de ser na sua grande maioria de natureza não-bariónica (ou seja, não pode ser constituída por quarks). A grande maioria das explicações para a constituição da matéria escura assenta em partículas não conhecidas, cuja existência é prevista por teorias de unificação de todas as interacções. Uma hipótese que se encontra muito frequentemente para a matéria escura é a dos “parceiros supersimétricos”, partículas cuja existência é postulada pela supersimetria, simetria que está na base de muitos desses modelos de unificação, incluindo as teorias de supercordas. Não existe ainda no entanto nenhum sinal desta simetria, podendo a sua existência vir a ser confirmada ou desmentida no próximo acelerador de partículas do CERN.


Adaptação de um artigo do Público de 23 de Agosto de 2006

Para saber mais: aqui e aqui.

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