2006/09/15

Debater o evolucionismo: com quem e para quê?

Curioso o repto do João Miranda (rapidamente secundado pela comissão obreira) para se iniciar um “debate” sobre a questão do criacionismo versus evolucionismo. Curioso vindo de quem vem, que escreve textos de Economia que nos tentam convencer de que o ultraliberalismo é uma “lei da Natureza”, que “não admite discussão”. “Discutir” o quê, e com quem? O João deveria saber – e sabe, apesar de não lhe dar jeito admitir – que a ciência não é (felizmente) democrática. Não se “discute” como se fosse futebol ou política. Democráticas são as condições-fronteira (conceito matemático) que impomos no mercado (escolhidas pelo Governo, escolhido por nós). Discutíveis são os textos do João Miranda.
Ainda mais curioso é o critério do João para nos convencer de que um professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e defensor do criacionismo “não tem nada de ignorante” no que diz respeito à teoria da Evolução de Darwin: o professor Jónatas Machado tem um currículo notável... a comentar livros que leu, na Amazon! Algo comparável a escrever um blogue ou comentar nele, que qualquer pessoa sem nenhum tipo de preparação científica pode fazer. Pelos vistos o João Miranda avaliaria o meu conhecimento em supersimetria e supergravidade por este comentário que escrevi enquanto principiante.
Embora tal não diga respeito à minha área política, é com tristeza que verifico que a pior direita encontra aqui um aliado, justamente quem mais a deveria renovar.
Sobre o assunto vale a pena ler quem sabe o que escreve: o Memória Inventada e o Conta Natura. Deste último texto destaco a frase
Eu, que sou cientista, digo-lhe de caras exactamente o oposto: "É um erro pensar que é preciso ensinar filosofia para ensinar ciência".

É curioso que uma opinião contrária parta do João Miranda, um defensor do sistema económico norte-americano, mas pelos vistos não do sistema educativo. Nos EUA estuda-se ciência a sério, e pouca gente que estuda ciência estuda ao mesmo tempo filosofia.

10 comentários:

Luís Aguiar-Conraria disse...

"Sobre o assunto vale a pena ler quem sabe o que escreve: o Memória Inventada"

Pelos vistos la' nao concordam contigo! O Vasco M. Barreto, da Memoria Inventada disponibilizou-se para o debate.

Ja' agora uma questao, e isto apesar de achar que o ciacionismo e' uma treta cientifica, se negas a um leigo o direito de discutir Evolucionismo, tambem negas a ti proprio o direito de discutir economia?

Filipe Moura disse...

Luís, obrigado pelo teu comentário. O evolucionismo é discutível como qualquer teoria científica. Uma das características da ciência é a possibilidade de se rever e de se autocriticar. O que não se pode discutir é o criacionismo, que é um mito irracional. É claro que não sou contra que se discuta o evolucionismo, de uma perspectiva científica. É isso que o Vasco quer fazer e fá-lo-á muito bem. Assim tenha ele interlocutores à altura.

Filipe Moura disse...

Por "interlocutores à altura" eu quero dizer pessoas que, mesmo sendo religiosas, não achem que a fonte de sabedoria e conhecimento absoluto é a Bíblia. Não é o caso dos criacionistas.

Filipe Moura disse...

De qualquer maneira mantenho que a ciência não é democrática, no sentido em que só pode ser discutida de uma forma científica (o que não quer dizer que só os cientistas a possam discutir). A Economia, sim, é mais democrática - enquanto se puderem discutir as condições fronteira, não é?
Por falta de tempo não tenho acompanhado o teu debate com o dos Santos, desculpa. Mas ele interessa-me. Fica para outra altura.

Luís Aguiar-Conraria disse...

“enquanto se puderem discutir as condições fronteira, não é?”

Se quanto às condições de fronteira te estás a referir a condições iniciais (ou terminais) não me parece que elas sejam assim tão importantes em Economia como julgas. Num problema de optimização económico, quer em tempo discreto quer contínuo, geralmente há ‘jump variables’ suficientes para que as condições de fronteira não sejam assim tão limitativas. Mas, enfim, teríamos de conversar algum tempo para eu ter a certeza do que estás a falar. É muito provável que estejamos a falar linguagens diferentes.

zazie disse...

Sabes o que mais me espanta nisto?

É que foi preciso chegar à pós modernidade para aparecerem de novo uns "crentes" com medo que se deixe de acreditar em Deus só pelo facto de existir Ciência.

Coisas que me ultrapassam. E ainda me ultrapassa mais considerarem o caso um "direito" ou uma liberdade.
Há-de ser tanta liberdade fora da Ciência como esta o é fora da Religião.

Zèd disse...

Numa coisa o João Miranda tem razão, os defensores do evolucionismo (é o meu caso até por "obrigação" profissional) deviam estar contentes com este debate, pela "coça" - nas palavras dele - que vão dar aos criacionistas. Mas para isso o Evolucionismo defende-se com argumentos científicos, e há mais que muitos, há séculos de dados empíricos e experimentais que o sustentam )e, passo a publicidade, é o que tento fazer no meu último post). Do mesmo modo, o Intelligent Design - a face pseudo-científica do criacionismo - combate-se expondo-se as suas fraquezas e incoerências de argumentação ao nível científico. É muito fácil levar o debate para outros terrenos, e dar a impressão que os criacionistas marcam pontos na sua argumentação. É uma questão científica e deve ser debatida como tal.

No entanto concordo em absoluto com o Luís Aguiar-Conraria, não se deve impedir o leígo de debater este assunto, pelo contrário. Este debate tem que a certa altura passar para fora da comunidade científica, mas sem deixar por isso de ser científico. Nós cientistas temos de ser capazes de explicar os nossos argumentos numa linguagem que os não-cientistas percebam, e se conseguirmos o Inteligent Design está condenado. Já agora, isso não quer dizer que o criacionismo esteja condenado, nem é esse o objectivo, mas tão somente que ele não entre no terreno da ciência. Precisamente por não ser ciência, a religião pode sempre evocar uma entidade superior por trás das leis da natureza. Aliás, ao que parece é o que a Igreja Católica se prepara para fazer em relação ao Evolucionismo, aceitá-lo mas sobre uma prespectiva teísta.

Rui Curado Silva disse...

Partilho do teu desespero Filipe, a ignorância é tanta que mete dó. Este país engole tudo.
O Blasfémias tornou-se definitivamente num blogue pimba, já nem tem cura.

JSA disse...

Luís Aguiar-Conraria, creio que as condições fronteira do Filipe são mais do tipo físico, digamos os limites do modelo (em economia eu, sem saber muito da coisa, diria que será o país ou a área económica ou algo do género). As do tipo de condições iniciais relacionam-se com o tempo em si mesmo, com as condições fornecidas no início da experiência/modelo. Bom, se calhar não é nada disto, mas é assim que eu, engenheiro, interpreto isso.

Quanto ao debate em si, o problema é a existência destes pseudo-movimentos como o Intelligent Design. As tais incoerências do evolucionismo são resultado de não mais que uma enorme juventude da teoria, que já nem sequer é muito vista sob o ponto de vista do Darwinismo em si mesmo. Mas é como se diz aqui em cima: é preciso discutir o assunto com uma ferramenta que seja objectiva. A Ciência é-o (pelo menos de forma geral), enquanto que a Religião não o é (e nisso quase podemos dizer nunca). Isso inquina a discussão.

Filipe Moura disse...

Epá ó zèd, o que eu quero dizer é que não se pode discutir o evolucionismo com quem argumenta com a Bíblia. É uma não discussão. Para isso discute-se o heliocentrismo, o Giordano Bruno e o Galileu - não se precisa do Darwin.
Rui, a desonestidade intelectual que às vezes o João Miranda revela desaponta-me muito, porque eu gosto muito de o ler. Mas às vezes ele não está interessado em esclarecer nada - só em alimentar a confusão. Este é um desses casos.