2006/12/03

“E no entanto, ela move-se”

Galileu - um bom espectáculo no Teatro Aberto. Não é propriamente uma recomendação da peça de Bertold Brecht, pois a última representação foi no passado domingo (e eu só a assisti no sábado). Fica o louvor e o reconhecimento.
O jovem actor Afonso Pimentel era óptimo no papel de Andrea, o jovem pupilo de Galileu que fica desapontado com a “traição” do mestre (interpretado por Rui Mendes), que renega a sua teoria heliocêntrica perante a inquisição. Afinal, seria melhor Galileu ter sido queimado, como Bruno, ou permanecer vivo e terminar secretamente a sua obra, deixando-a para a posteridade, mesmo sendo entretanto obrigado a renegá-la?
Paralelamente à peça Galileu, Afonso Pimentel participa na tão criticada telenovela Floribella. O mesmo actor é assim capaz de participar em produções “de qualidade” e “menores”, sendo que é destas últimas que provém a maior parte da sua fama e da sua subsistência. Curiosamente a peça aborda esta mesma questão, mostrando-nos Galileu a “vender” o seu talento a governos, para fins militares e outros, sendo mesmo capaz de comercializar e divulgar o telescópio (que não inventara) para poder ganhar dinheiro e pagar as suas dívidas (devidas à investigação, mas também ao seu estilo de vida), que o salário de professor não permitia. A atitude de Galileu não foi bem aceite por Brecht que, no fim, nos apresenta um cientista arrependido por ver o resultado das suas pesquisas utilizado por governos. Não creio que Brecht gostasse de ver um actor de telenovelas num dos principais papéis de uma das suas peças. Mas a lição de Galileu – e de Afonso Pimentel – é essa: um cientista, tal como um actor, precisa de comer.

Texto originalmente publicado no Cinco Dias.

1 comentário:

Xantipa disse...

Muito bem!
Custa-me ouvir as críticas a quem se recusa a passar fome em nome da arte. Antes um bom actor na Floribella que um mau actor a fazer Brecht.