2006/10/04

O “humanismo” liberal

Para o André Abrantes Amaral os socialistas não são “humanos” e nem vêm a “essência da pessoa”. Será por contraponto aos liberais? Comparemos então com o seu texto mais recente, “Eles” sabem cada vez menos. Qual é então o “humanismo” liberal? O André primeiro garante que o dinheiro das reformas “não vai chegar para todos”. E encontra rapidamente a solução – para ele, claro: manifesta-se disposto a “pagar a reforma” do seu pai (mas que bom filho!). Ele e o pai “saberiam resolver o assunto na perfeição”.
A diferença entre o “humanismo socialista” e o “humanismo liberal” consiste nisto: mal ou bem, melhor ou pior, o primeiro procura que todo o cidadão que trabalhou toda uma vida tenha uma reforma digna; o segundo está preocupado consigo mesmo, com a sua própria reforma (e eventualmente a da família) e com a de mais ninguém. Não se preocupa nomeadamente com as reformas daqueles cujos filhos não lhas podem pagar (isto se adoptarmos o ponto de vista – discutível – de que as reformas são para serem pagas pelos filhos aos pais).

Sobre este assunto, deixo aqui um extracto de um artigo de José Vítor Malheiros no Público de ontem.

As reformas dos outros
José Vitor Malheiros

Existem, relativamente à Segurança Social, duas grandes posições de princípio. De um lado, os que consideram que a Segurança Social é um mecanismo estrutural de solidariedade social e que os seus descontos de hoje se destinam a assegurar as necessidades dos seus concidadãos mais frágeis (idosos, doentes, desempregados), na certeza de que, quando eles próprios se encontrarem em situação de fragilidade, os seus concidadãos estarão disponíveis para os ajudar financeiramente. De outro lado, os que consideram que os seus descontos para a Segurança Social são uma espécie de poupança pessoal, que estão dispostos a desembolsar mensalmente apenas devido à certeza de que, quando necessitarem, poderão utilizar essa reserva que constituíram e que esperam que o Estado tenha gerido sabiamente de forma a ter aumentado o seu pecúlio.
Os primeiros preocupam-se com a garantia de que, no momento em que dela necessitarem, a Segurança Social terá receitas suficientes (o que significa, entre outras coisas, contribuintes suficientes) para prover às suas necessidades.
Os segundos são os que costumam comparar a "performance financeira" dos seus descontos com o rendimento de fundos de investimento privados e que sonham com o dia em que possam deixar de pagar a "reforma dos outros", para confiar exclusivamente na sua capacidade de investimento para se sustentarem na velhice e na doença. (...)
Neste momento, a investida da direita neoliberal e das empresas que exploram o ramo consiste em tentar convencer os mais ricos a investir em esquemas privados com apelos ao egoísmo e ataques ao estado social (os "ciganos do rendimento mínimo"). E, enquanto esse ataque se faz por todos os meios do marketing empresarial, o Estado social responde apenas no pouco glamoroso plano político.
Há fortes razões (solidárias e egoístas, religiosas e económicas, políticas e éticas, humanitárias e pragmáticas) para defender o Estado social. Mas é preciso que o Estado e os cidadãos para quem a solidariedade é um valor central o façam pelo menos com a mesma convicção dos seus inimigos.

1 comentário:

JSA disse...

Tive um pensamento semelhante quando, há dias, vi um tetraplégico na rua. Levava uma daquelas cadeiras eléctricas conduzidas por instruções dadas com a língua (creio). Pensei que tal pessoa poderia, muito provavelmente, não dar qualquer tipo de contributo à sociedade. Ainda assim, a sociedade financiava-lhe os meios para se deslocar e para viver tão condignamente quanto possível. Perguntei-me as razões de o fazer (em termos práticos, não apenas humanos). E cheguei à conclusão mais simples possível. As pessoas aceitam pagar para os cuidados dos outros porque, um dia, e com muito azar, podem ser elas a estar nessa posição.

Fora a atitude humana de querer ajudar o próximo, poderíamos sempre lembrar a alguns liberais que os nossos gastos em saúde e cuidados poderão um dia ser-lhes úteis.

Isto vai um pouco no que sublinhas do artigo do José Vitor Malheiros.