2006/10/24

De volta o véu islâmico

A questão do véu islâmico volta a estar na ordem do dia, desta vez por causa das declarações do ex-ministro britânico Jack Straw e da decisão de uma escola suspender uma professora que insistia em dar aulas com a cara totalmente coberta, uma decisão mais tarde confirmada pelo tribunal.
Como bem afirmou Romano Prodi, primeiro-ministro italiano, quando falamos com uma pessoa queremos vê-la olhos nos olhos. Não queremos que ela se esconda. “É uma questão de bom senso.” Será assim tão complicado perceber?
Convém esclarecer que não considero que a proibição do véu islâmico nas escolas públicas seja uma discriminação de nenhuma espécie. A ostentação do véu é que é uma discriminação que a mulher islâmica se auto-impõe (ou, na maioria dos casos, lhe é imposto pela sua comunidade). Tal como o uso da kippah por parte dos judeus. Mas nas escolas públicas tais ostentações não são aceitáveis (tal como não são aceitáveis os símbolos católicos como o crucifixo). Uma das funções essenciais da escola pública é ensinar que a religião deve ser uma opção livre do cidadão, que não deve ser imposta pela sociedade e nem pela família. Diz-se que o véu islâmico faz parte da “identidade” destas mulheres. Nada mais perigoso e, isto sim, atentatório contra a liberdade individual. É um papel essencial da escola pública ensinar que a religião é uma escolha própria que deve ser livre e que não pode nunca e sob nenhuma circunstância servir para “definir” a identidade do indivíduo perante o Estado ou perante a sociedade. A escola pública não pode ser neutra nestas matérias; se fizer concessões neste aspecto, com que moral se rejeitará o ensino do criacionismo? Este é um assunto da maior importância.

3 comentários:

Miguel Madeira disse...

"Convém esclarecer que não considero que a proibição do véu islâmico nas escolas públicas seja uma discriminação de nenhuma espécie"

Proibição a quem? A alunos, professores ou todos?

Zèd disse...

A pergunta do Miguel Madeira é importante. Eu concordo que uma professora numa escola pública seja impedida de usar o véu islâmico, ou crucifixo, tal como não devem haver crucifixos na parede. O/A professor(a) é o representante do estado na saula de aula e sendo o estado laico o professor não pode evidenciar elementos religiosos. Mas atenção, quem é laico é o estado, não o cidadão, não o aluno, os alunos devem poder usar véus ou kippahs desde que isso não impeça o decorrer da aula (como por exemplo em aulas de educação física). Tal como quando um cidadão vai a um hospital público ou tribunal pode ostentar simbolos religiosos, ao contrário dos juízes ou dos médicos que são os representantes do estado, o aluno também deve poder fazê-lo.
Há que ter em atenção também a instrumentalização que estas questões podem ter. A tão falada "lei do véu" em França foi simplesmente uma instrumentalização da laicidade do estado para fazer passar uma lei hóstil aos muçulmanos. O objectivo da maioria parlamentar de direita foi o de agradar ao elitorado da extrema-direita, de Le Pen e outros que tais.
E já agora não concordo nada com a citação do Romano Prodi, querer olhar uma pessoa nos olhos é um desejo arbitrário, que faz provavelmente muito sentido na nossa cultura, mas provavelmente não faz noutras, é uma decisão individual de cada um mostrar ou não os olhos.
Já a no que diz respeito à discriminação pelo véu imposta à mulher, seja auto-imposição ou seja imposição pela sociedade, é uma questão importante mas é uma questão independente. Deve ser discutida abertamente por todos os que tenham uma opinião sobre o assunto, muçulmanos ou não, mas no final deve ser a própria mulher a decidir se usa ou não o véu, não deve ser decretado por lei. Eu pessoalmente acho que o véu islâmico é discriminatório para as mulheres, e que a emancipação da mulher no mundo muçulmano passa pelo abandono do véu, mas a decisão continua a ser da própria mulher.

Filipe Moura disse...

Bem, eu creio que com a proibição aos professores estamos todos de acordo. Ou pelo menos parece-me muito menos controversa do que a proibição dos alunos. Eu sou favorável à proibição (nas escolas) para todos, porque acho que a lei deve ser sempre para todos. Por exemplo, a proibição de fumar nas escolas deve ser válida para alunos e professores, ou não?
A comparação com os hospitais não me parece válida, pois a função de uma escola é ensinar. Num hospital qualquer pessoa deve ser atendida, venha como vier. Não sou favorável à proibição do uso do véu islâmico; deve ser usado por mulheres adultas que o façam numa decisão livre e consciente. Mas em algum sítio tem de se aprender desde tenra idade que tal deve ser uma decisão livre e consciente, e esse sítio só pode ser a escola pública.
O facto de a "lei do véu" ser vista em França como uma lei "anti-islâmica" resulta de a França ser um país avançado, pioneiro em questões de laicidade, e não estar (e muito bem) disposta a fazer regressões que poderiam ser gravíssimas para agradar à comunidade islâmica. Os avanços que a França fez no passado foram também vistos como "anti-católicos", mas não se recuou. Mas nunca foram aceites por muitos sectores e não devemos tomá-los por garantidos. Para transigir com os muçulmanos teria de se transigir a seguir com os católicos.
O facto de uma lei que trata de forma igual todas as religiões ser vista como anti-islâmica só demonstra a evolução que os islâmicos que se sentem atacados por esta lei terão que fazer para poderem integrar-se numa sociedade laica.
O agrado desta lei à extrema direita parece-me uma falsa questão. Para além de perseguir a comunidade islâmica, a extrema direita quereria restaurar os privilégios cristãos, algo que esta lei não prevê.