2008/01/30

Sobre a remodelação governamental

Sobre a substituição do ministro da saúde, faço minhas as palavras do João Miguel Tavares:
O que é chato em política é mesmo a política. Quer dizer: a um governante não basta delinear uma estratégia e agir em conformidade. Não chegam estudos, mapas e relatórios. É preciso explicar as mudanças, resistir aos interesses instalados, ouvir toda a gente, voltar a explicar, nunca amuar, saber onde ceder, saber onde não ceder, fincar o pé. Numa frase: é preciso enfrentar pessoas. E é por isso, por a política ser coisa mais de gente do que de PowerPoint, que um ministro desastrado pode perfeitamente dar cabo de uma reforma razoável. Correia de Campos é disso um bom exemplo.

Entre aparecimentos na televisão e telefonemas irados para autarcas contestatários, Correia de Campos manifesta evidentes dificuldades em se relacionar com o género humano. E é uma pena. Porque no seu frenesim de justificações atabalhoadas, ele faz com que uma reflexão séria sobre o serviço nacional de saúde seja substituída pela contagem de partos em ambulâncias. E, no entanto, só quem desconhece a tragédia de muitos hospitais do interior é que pode negar a necessidade de uma maior concentração de unidades e de especialistas. A medicina é uma arte que necessita de companhia: sem vigilância, actualização e confronto com os seus pares, um médico corre o risco de se tornar mais um problema do que uma solução.

Mas ponham Correia de Campos a explicar isto na televisão e parece sempre que ele nos anda a enganar. E, assim, o ministro da Saúde torna-se o alvo fácil de todos os disparos, sejam eles demagógicos (caso do bebé de Anadia, cuja intervenção do INEM os próprios pais não contestam) ou justos (caso do homem de Alijó, que ainda assim é mais revelador do amadorismo dos bombeiros que temos do que das falhas do INEM). Correia de Campos é o típico técnico que adoraria mudar o mundo a partir do seu gabinete. Ele acredita, com sinceridade, ter grandes planos para as pessoas deste país. As pessoas deste país é que não param de o atrapalhar.

No caso do ministério da Cultura, sim, entendo ser bem necessária uma mudança de política, menos centrada na "fachada" e em "obras de regime".

3 comentários:

Tárique disse...

Parece haver um consenso entre os entendidos de que o fim dos bombeiros voluntários, a profissionalização, traria benefícios. Porque não se traduz em medidas, não sei.

Tárique disse...

O Rui Pereira seria o meu eleito para a chicotada psicológica - Desautorizou toda a IGAI ao menorizar/desprezar o relatório grave sobre a actuação das polícias, aproveitando para dar graxa às forças em todas as ocasiões possíveis.
Dá graxa porque não tem mais para lhes dar - no dia mundial da música marcharam centenas em protesto. Entretanto, sob administração interna do ex-chefe do sis proliferam as escutas ilegais e tudo o que fazemos na net é registado e guardado durante um ano ... legalmente.

JV disse...

Concordo com o João Miguel Tavares. Mas também concordo com Pedro Sales quando escreve isto:

"Agora, como já se viu ontem no Expresso, multiplicam-se os comentadores a exigir que a oposição apresente alternativas. Não se sabe bem porquê, visto que o SNS é uma das raros matérias em que os portugueses não têm razões para temer a comparação com os indicadores internacionais de referência. Em 30 anos, o SNS catapultou um país com números do terceiro mundo para indicadores de referência que nos colocam à frente de alguns países escandinavos. Em que área da economia, ciência ou investigação é que isso acontece? Mesmo no privado? Que empresa portuguesa é que pode dizer que está entre a elite mundial na sua área?

Mas, querem uma alternativa? Não é muito difícil. O OE para 2008 consagra 380 milhões de euros para empresas de consultoria técnica e de comunicação. Uma absurda duplicação de recursos de um Governo que conta com centenas de assessores e técnicos nos ministérios, institutos, serviços centrais ou regionais. O Estado paga a assessores cuja única tarefa é adjudicar serviços a empresas externas. Podiam começar por aí e cortar mais de 90% nessa despesa de propaganda e auto-justificação das decisões políticas do Governo. Ficava mais barato do que desertificar o país e deixar as populações a mais de uma hora de um serviço de pré-emergência hospitalar. E podiam ter a certeza que os portugueses percebiam a política."

Eu sei que são opiniões contraditórias. Mas concordo com as duas.