2010/05/13

Maria Amélia Cesário Alvim (1910-2010)


Do JBonline:

Matriarca da família Buarque de Holanda morre aos 100 anos

RIO - Aos 100 anos, Maria Amélia Cesário Alvim Buarque de Hollanda morreu de maneira discreta, na madrugada de quinta-feira: dormindo e de causas naturais. Estava no apartamento do sétimo andar do Edifício Alcazar, construído na década de 30, na pequena Rua Almirante Gonçalves, nº 4, em Copacabana, quase ao lado do botequim Bip Bip, um dos redutos da boêmia carioca que, aliás, Memélia – apelido de família dado pela neta Bebel Gilberto – ajudou a abrir. Mas nunca gostou de que se falasse nisso. A discrição foi uma de suas marcas.

Como boa matriarca, Maria Amélia atuava à sombra e à moda antiga. Ajudou nas pesquisas e datilografou os originais do clássico Raízes do Brasil, de 1936, escrito pelo marido, o historiador e crítico Sérgio Buarque de Hollanda (1902-1982). Enquanto Sérgio mergulhava nos estudos e pedia sossego para poder trabalhar, ela cuidava da parte prática, administrando a casa da Rua Buri, no Pacaembu, São Paulo, e educando os sete filhos: Sérgio, Álvaro, Maria do Carmo, as cantoras Ana, Cristina e Miúcha e o compositor Chico Buarque. Mais tarde, também não descuidou dos 13 netos e 12 bisnetos.

O bom gosto musical dos Buarque de Hollanda deve-se aos ouvidos de Maria Amélia. Ensinou os filhos a cantar samba, gênero de sua preferência, e a torcer pela Mangueira. Até participou de gravações: a voz dela está ao fundo de O meu guri, no registro de Cristina Buarque para a canção do irmão. No futebol, era Fluminense.

O Partido dos Trabalhadores, que ajudou a fundar, foi a paixão política de Maria Amélia. Foi ela a primeira pessoa a contribuir com a campanha presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva, em 1989, com um cheque da pensão de viúva a que tinha direito. A gratidão fez com que o atual presidente, em vindas ao Rio, sempre passasse no apartamento de Copacabana para cumprimentá-la.

Quinta-feira, em nota, o presidente Lula disse que “Maria Amélia era uma pessoa que aliava ternura a firmeza, inteligência e preocupações sociais. Mesmo sendo filha de família tradicional, durante toda a vida lutou e apoiou as lutas pela liberdade e por uma sociedade mais igualitária”.

O governador Sérgio Cabral lembrou que “Maria Amélia foi uma grande mulher, matriarca de uma família que, na música e na literatura, simboliza o talento brasileiro”.

No Twitter, Dilma Rousseff, candidata do PT à Presidência, lamentou “a perda da grande mulher”.

Presidente da Academia Brasileira de Letras, Marcos Vilaça, disse que a ABL se entristeceu:

– Ela foi casada com uma figura eminente da cultura brasileira e tem filhos igualmente ilustres, figuras singulares em diversas manifestações culturais do país.

O acadêmico Antonio Torres disse que Maria Amélia “foi um exemplo de pessoa generosa e desinteressada”.

– A festa de aniversário de 100 anos foi muito bonita, mas sentíamos que não se repetiria. Ela morreu sem sofrer. Seu coraçãozinho cansou e parou de bater.

O corpo de Maria Amélia será cremado sábado, no Memorial do Carmo, no Caju.

Dia de tristeza e lembranças para amigos e vizinhos

Alfredo Melo, dono do bar Bip Bip em Copacabana, de cuja criação Maria Amélia foi grande entusiasta, lamentou a morte de uma amiga:

– Vai ficar um vazio muito grande.

Segundo o comerciante Maria Amélia tinha um “coração lindo”, estava sempre bem humorada e preocupada com o bem estar alheio.

A cabeleireira Tânia Alves conta que atendeu Maria Amélia por nove anos no Karoline Coiffeur, localizado na Almirante Gonçalves. Tânia contou que, por vezes, era chamada à residência da mãe de Chico Buarque e Miúcha para fazer-lhe o cabelo e as unhas.

Ao longo desta última quinta-feira, os familiares de Maria Amélia estiveram no prédio onde ela morava. A neta Sílvia Buarque foi acompanhada da mãe, a também atriz Marieta Severo. O produtor cinematográfico Pedro Buarque compareceu ao local com um amigo.

Por volta das 19h, o corpo foi levado para retirada do marca-passo, que não pode ser cremado.

O que teria sido de Sérgio Buarque de Holanda sem esta mulher, que preferiu refugiar-se na discrição? (Chico tem bem a quem sair.) Acrescento uma história deliciosa, pelo escritor Mário Prata:

MARIA AMÉLIA CESÁRIO ALVIM BUARQUE DE HOLLANDA, do lar da Buri (São Paulo, 1972)
Foi na festa de 70 anos do marido, o professor Sérgio, que ela me achou na cozinha, atrás de gelo. Sempre me chamou de Mario Prata.
-- Mario Prata, eu tenho percebido que o Chico tem andado muito com você e então eu queria te pedir um favor. Uma ajuda.
Fiquei curiosíssimo em que ajuda poderia ser essa. Na época, o Chico estava no auge da carreira e eu me orgulhava daquele papo com a mãe dele na cozinha.
-- Pois não, dona Maria Amélia.
Ela balançou o corpinha de cachaça e me falou, séria:
-- Fala pra ele terminar a faculdade de Arquitetura, fala. Ele era tão bom aluno de hidráulica.
Dois anos antes, o Chico havia feito "Apesar de você" que tinha passado pela censura, até que um gênio da Folha insinuou que a música tinha sido feita para o Médici. Foi proibida.
As rádios não podiam mais tocar, o Chico não podia mais cantar em show. Mas o público cantava.
Aí, os militares proibiram o público de cantar. O Chico não podia nem solar no violão.
E, num show, o público começa a pedir, a implorar. O Chico nada. Fazia que não era com ele.
Foi quando a dona Maria Amélia se levantou no meio da plateia:
- Meu filho, seja homem! Canta!
No dia seguinte ele estava na polícia dando explicações, apesar de você:
O militar:
-- Quem é o VOCÊ?
-- É uma mulher mandona, muito autoritária!
Agora, outro dia, depois de anos, encontro com a dona Maria Amélia. Queria falar deste livro e pedir a sua autorização para este verbete:
-- Dona Maria Amélia, estou escrevendo um livro que se chama "Minhas mulheres e meus homens" e...
-- Eu sei. É sobre seus filhos e suas filhas.
-- Não, dona Maria Amélia, é...
Ela riu da minha cara:
-- É uma caçoada, Mario Prata...
Eu tinha me esquecido do pique dela.

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