2008/06/16

Quod erat demonstrandum

"O latinzinho é a basezinha", repetia o abade em Santa Olávia enquanto se servia dos melhores pedaços de frango sobre o fricassé. Pode ser a "basezinha", mas ninguém pensa em aprender latim hoje em dia se não for linguista ou estudante de letras (isto é, se o seu objectivo for só falar uma língua nova). Ninguém precisa de aprender latim se o seu objectivo for comunicar em francês, espanhol ou italiano. Ou português. A estrutura destas línguas tem origem no latim, mas aprende-se aprendendo muito bem uma. Para a maior parte das pessoas, o latinzinho é uma perdazinha de tempo. Julgo que isto é evidente para a maior parte das pessoas, exceptuando os casos perdidos de reaccionarismo atávico. Por isso costumo dizer, em mais uma das minhas generalizações, que "o latim é uma língua de fachos e padrecos". Sabia que já tinha escrito esta expressão nalgum sítio (que, repito, costumo dizer oralmente): só a encontrei aqui, no comentário da 1:10 de 4 de Maio de 2006. Vale a pena repeti-lo, dedicado aos senhores jornalistas que tanto falavam no "momentum", por exemplo, de Barack Obama (sem fazerem ideia do que é o tal "momentum"):
Se houver algum linguista que me saiba explicar o “momento”, agradeço.
Notem que em inglês há o “moment” e o “momentum”! “Moment” é p.e. o momento de uma força; “momentum” é o momento linear (que na excelente edição em português do Brasil da saudosa MIR da Mecânica do Landau e Lifshitz é o “impulso”). Em inglês um sinónimo de “momento angular” é “moment of momentum” (no Landau e Lifshitz, “momento do impulso”!).
Fernando, explica aí à malta o “moment” e o “momentum”, se puderes. Deve vir do latim, mas eu sempre achei que o latim era uma língua de fachos e padrecos.

Mas voltando ao latim: eu nem levava excessivamente a sério aquela minha generalização, assim como não levo as minhas generalizações em geral. Mas que fazer depois de ler este texto? Bem me queria parecer. Não se deve levar as generalizações à letra (que é como quem diz: não estou a chamar "facho" nem "padreco" ao André Azevedo Alves). Mas que as generalizações têm sempre algo de verdade, lá isso têm.

6 comentários:

Tárique disse...

Mas ele não é admitidamente um dos mais jovens membros da opus dei, e não admitiu também já ser facho, desde que "ser facho" seja entendido como algo politicamente correcto para a direita (tipo salazarista) e que não fique mal sê-lo?

Quanto ao "Moment" e o "Momentum" e o "Torque", suponho que imagines a confusão que se cria em ambientes de engenharia multilingues como a ESA.

Tárique disse...

Eu traduziria o "momentum" do Obama por "embalagem" ou "embalo". É sempre assim que explico aos leigos o que é o momento linear ou angular.

JSA disse...

Tinah de vir um dia em que eu discordaria completamente de ti Filipe.

O primeiro ponto é o simples: pode-se aprender latim porque aumenta a tua cultura. É o mesmo que aprender quem foi o primeiro rei de Portugal ou saber que a cidade de Aachen também é chamada de Aix-la-Chapelle e foi a "sede" do império de Carlos Magno. Não adianta nada mas aumenta a cultura e a sensação de satisfação individual.

Por outro lado, melhora os processos mentais. O latim é muito mais complexo que o português, o espanhol o italiano ou o romeno (esqueceste-te desta). Aprender latim dá uma base muito mais forte para aprender essas línguas (comprovo isso com a minha namorada, que vai compreendendo português escrito à custa dos conhecimentos de latim) além de ajudar a desenvolver o raciocínio (latim dá mais jeito que o inglês ou holandês para aprender as declinações alemãs, por exemplo).

O latim faz parte dos currículos escolares de muitos países, quanto mais não seja uma introdução ao latim. Serve para ajudar a compreender de onde vêm as nossas línguas (inclusive as germânicas) e para ajudar na aprendizagem de outras línguas modernas (além de poder despertar o interesse a quem não saiba o que estudar). Latim é uma língua que deveria estar nos currículos das escolas portuguesas, mesmo que seguissem ciências. É uma questão de formação do indivíduo, se nada mais.

Xantipa disse...

Subscrevo o comentário de jsa.
:)

Filipe Moura disse...

"O latinzinho é a basezinha", dizia o padre n'"Os Maias"...

Nuno D. Mendes disse...

Subscrevo inteiramente o comentário de jsa.

Devo acrescentar que ao estudo do latim enquanto língua (e não confudamos este com o sucedâneo do latim falado por padres e fachos) importa estudar também a cultura greco-romana que é, em grande medida, a base da nossa civilização.