2009/08/06

O “caso Bonifácio”: muita liberdade e nenhuma responsabilidade

Na blogosfera que eu li - vários blogues, da esquerda à direita – é a unanimidade nacional: a liberdade de opinião de João Bonifácio, enquanto crítico musical, é absoluta e indiscutível. João Bonifácio é intocável. Mesmo que Bonifácio, para criticar um concerto de um grupo que não gostava e a que não lhe apetecia ter assistido, se refira de uma forma de gosto muito duvidoso a esse grupo e aos adeptos de um clube de futebol. Uma vez mais, a blogosfera parece reduzida a um grupo de amigos que fazem do João Bonifácio a nova causa. Falo de pessoas por quem tenho consideração: aqui, aqui. E também aqui.
Ora bem: João Bonifácio é crítico. Ou seja, é jornalista. Ser jornalista é bem diferente de assinar uma coluna de opinião. Um jornalista tem que fazer trabalhos de que não gosta, como toda a gente. E, embora uma crítica (musical, de futebol, seja do que for) seja sempre subjectiva, parece-me evidente que um crítico, enquanto jornalista, não pode ter a mesma liberdade criativa que um colunista de opinião. Apesar de em ambos os casos os textos virem assinados, o que um crítico escreve vincula muito mais o jornal do que o que é escrito por um colunista. Quanto mais não seja porque um crítico é (ou deve ser) um assalariado do jornal, com um contrato de trabalho. Um colunista em geral não tem um contrato de trabalho com o jornal.
Se João Bonifácio quer ter a liberdade de expressão, e sobretudo se não quer ter a responsabilidade associada ao cargo de jornalista, tem bom remédio: que passe de jornalista a colunista. Peça ao Público para lhe alterarem o contrato de trabalho. Se não perceber bem a diferença entre um colunista e um jornalista, pergunte ao João Miguel Tavares a diferença.

5 comentários:

FF disse...

Filipe, não tens razão.

Filipe Moura disse...

Obrigado pelo teu comentário, Francisco. Agradecia-te mais ainda se me explicasses, pelo menos de uma forma ligeira, por que é que eu não tenho razão.

FF disse...

Olá, Filipe. Já escrevi sobre este caso, tentando inseri-lo numa tendência mais alargada de acantonamento da crítica que me parece preocupante.
Mas no teu post cometes um erro de facto (o JB não foi criticar um concerto, mas sim vários, de várias bandas) e fazes uma análise caricaturalmente materialista da diferença entre um crítico e um colunista, reduzindo-a às condições de produção de base (o contrato de trabalho que seria desejável que um crítico tivesse - na verdade poucos têm).
Ao contrário do que dizes, uma crítica é uma opinião, embora seja uma opinião especial, ou especializada. Pode dizer-se que o crítico partilha do estatuto do jornalista e do colunista, e portanto acho que não tens razão quando o reduzes apenas ao primeiro. Se, como um jornalista, um crítico pode ter de falar do que não gosta, tem o direito (aliás o dever) de, como um colunista, dizer que não gosta. E tem a liberdade criativa (nomeadamente ao nível das figuras de estilo) que o seu estilo lhe ditar - se o jornal não gosta, que contrate outro. Aquilo a que está obrigado, parece-me, é ao rigor da argumentação; e à honestidade.
Não dizes que o JB foi desonesto nem pouco rigoroso na apreciação que fez, mas apenas que usou referências de "gosto muito duvidoso". É a tua apreciação (crítica) do trabalho do crítico, estás no teu direito, e está no direito dos leitores fazer precisamente este tipo de juízo, discordando, contra-argumentando. Mas não saímos do jogo, que é o do discurso público sobre os objectos artísticos. Quando o provedor dos leitores e a direcção do jornal criticam nos seus espaços próprios a actuação do crítico - que não quebrou nenhuma das regras da sua actividade -, ou quando tu lhe sugeres que mude de profissão, aí é que se está a tentar mudar as regras a meio do jogo - não as da liberdade de expressão em geral, mas as da liberdade da crítica. Isso é que é irresponsável.

Filipe Moura disse...

"E tem a liberdade criativa (nomeadamente ao nível das figuras de estilo) que o seu estilo lhe ditar"

A nossa grande discordância vem daqui. Eu já fui jornalista; garanto-te que um jornalista não tem essa liberdade criativa. Por que raio é que o João Bonifácio(que é um jornalista) haveria de a ter?

"Pode dizer-se que o crítico partilha do estatuto do jornalista e do colunista, e portanto acho que não tens razão quando o reduzes apenas ao primeiro."

A grande questão é: é o João Bonifácio um crítico free-lancer ou um jornalista? Pergunta-lhe como é que ele se define. Acho que é como jornalista. Posso estar errado.

- se o jornal não gosta, que contrate outro."

Bem, estás a sugerir então que o Público o despedisse?

Eu não concordo com a reacção do Público: a minha crítica tem a ver com só se falar da reacção do jornal e nunca do texto original (que considero muito infeliz). Mas nunca me passaria pela cabeça que o despedissem.

Vou para banhos. Se eu demorar a responder não estranhes. Um abraço.

FF disse...

Filipe, de forma muito resumida, acho que só vês a dicotomia jornalista/colunista, e tens à força de enfiar o crítico numa delas. Eu acho que ele tem sempre um bocadinho dos dois, seja freelancer ou assalariado do jornal (a questão não está aí, no Público julgo que há críticos com situações laborais diferentes e não consegues detectar essa diferença pelo que escrevem). Forçado a dar uma resposta diria que um crítico é um jornalista com licença para opinar, e que portanto os críticos formam um subconjunto com características particulares dentro da classe dos jornalistas.
Tu no Público fizeste trabalho de jornalista mas não de crítico, e o
JB faz no Público trabalho de crítico nuns casos (musical e por vezes literário) e de jornalista noutros. É para mim evidente que um crítico pode dizer coisas que um jornalista não pode. E foi para mim evidente também que, tratando-se de um festival de música, o JB estava a escrever na qualidade de crítico e portanto não disse nada que extravasasse das suas competências. Podes discordar do que ele disse (eu discordo de 70% das críticas que leio), mas acho que estás errado se disseres que ele fez alguma coisa de errado (no sentido forte, de ética profissional, e não no sentido fraco do "mau gosto", onde estás no teu direito).
Quanto a despedimentos, acho que um jornal pode contratar os críticos que bem entender, e despedir aqueles com que não está satisfeito. Eu reservo-me o direito de discordar de e combater essas opções editoriais enquanto leitor, mas são opções à partida legítimas. Mas o Público, parece-me, preza a colaboração do JB. Mais uma razão para não lhe coarctar a liberdade em editorial, que é um texto com um peso muito específico, e de uma forma que envia sinais preocupantes para todos os outros críticos do jornal - esta parece-me a questão central. Idem para o provedor, que nesta história só fez asneiras atrás de asneiras.
Bons banhos
Francisco