Leio hoje em título, na primeira página do DN, a notícia de que 40 médicos cubanos vão ser contratados para cobrir a falta de médicos em Portugal.
É sabido que Cuba tem dado no campo da saúde uma significativa ajuda a países que estão ainda hoje numa situação de atraso, mas que começam, muito rapidamente, a deixar para trás a situação de países em via de desenvolvimento.
A decisão de contratar médicos cubanos é, possivelmente, neste momento, uma decisão acertada, mas a população portuguesa tem o direito de ser informada dos antecedentes que fazem com que hoje sejamos, provavelmente, o único país da Europa a precisar do auxílio cubano.
Em 1973, numa altura em que não havia números clausus no acesso ao Ensino Superior, entraram nas Faculdades de Medicina portuguesas cerca de 4000 estudantes. Este número tinha vindo a crescer vertiginosamente desde 1970. O regime, que precisava de médicos para a guerra em África, não se preocupou muito com o assunto porque é relativamente simples assegurar nas faculdades o ensino dos três primeiros anos de medicina. O problema é depois, com o ensino hospitalar no 4º ano. À medida que aumentava o número de alunos nos primeiros anos, o número de chumbos em Anatomia diminuía e, assim, o número de alunos no 4º ano de medicina em Outubro de 1974 aproximava-se dos 4000.
Este foi o problema de mais difícil e que nos exigiu mais trabalho, ao Secretário de Estado do Ensino Superior, Avelãs Nunes, que me antecedeu em 1974-75, e a mim próprio em 1975-76. Mas havia, sobretudo, que cuidar do futuro. Avelãs Nunes tomou a decisão de que em 1975 não haveria inscrições no primeiro ano de Medicina, mas num
tronco comum a vários cursos, entre eles o de Medicina, com a duração de um ou dois anos consoante a vontade das faculdades.
Assim, em Outubro de 1975, inscreveram-se neste tronco comum 4.500 estudantes, dos quais cerca de 1.200 na Universidade do Porto. A Faculdade de Medicina do Porto fez-me saber que queria um tronco comum só com um ano, e que no ano seguinte só aceitaria 300 alunos em medicina. A Secretaria de Estado do Ensino Superior teve, assim, no curto espaço de 10 meses, de activar a entrada em funcionamento de uma nova escola de medicina, o Instituto Abel Salazar, de criar de raiz uma Escola de Medicina Dentária, de criar um curso de Nutricionismo e de reorganizar o ensino da Educação Física no Porto. No ano seguinte, dos 1.200 inicialmente inscritos no Porto tronco comum, entraram em medicina, após negociação com a faculdade, 350. Em Lisboa, a faculdade preferiu um tronco comum com dois anos, e no ano seguinte deixou entrar todos em medicina.
Mas havia que pensar no futuro. Se eu não tomasse não tomasse nenhuma decisão, em Outubro de 1976, inscreviam-se de novo 4.500 estudantes no tronco comum. Fixei por isso, por despacho, no final do meu mandato como Secretário de Estado, creio que em Julho, em 1600 o número de estudantes a admitir em Outubro no tronco comum repartidos pelas várias Universidades. Pensei que destes, cerca de 800 viriam a seguir medicina.
O que sucedeu foi que, nas duas décadas seguintes, as faculdades de medicina desceram este número a cerca de 400. É este cavado entre o número de 800, que deveria subir lentamente, e os 400 efectivamente entrados, que nos obriga hoje a recorrer aos médicos cubanos.
Hoje, vejo os Reitores de muitas Universidades acordar para este problema e todos a exigir a sua faculdadezinha de medicina. Quando fui Secretário de Estado do Ensino Superior, reunia-me uma vez por mês, em diferentes cidades do país, com todos as escolas. Sempre pensei que, depois, seriam criados órgãos horizontais, que reunissem todas as escolas de Medicina, todas as escolas de Agricultura, todas as Escolas de Engenharia.... Seriam estes órgãos que dariam ao Ministério uma visão de conjunto e o aconselhariam sobre o que haveria a fazer. Agora, obviamente, com o concurso dos Partidos e da Assembleia da República.
Para terminar desejo dizer que o tronco comum instituído pelo Avelãs Nunes, em 1975, é o que hoje usa a França. É muito, provavelmente, o que permite uma melhor escolha dos futuros médicos, pois permite às faculdades influenciarem esta escolha e não ficarem unicamente obrigadas a receber os alunos seleccionados pelas notas altas
obtidas no Secundário.
Penso que a população portuguesa tem o direito de ser informada destes assuntos que dizem respeito não unicamente ao seu passado, mas também ao seu futuro.
António Brotas
2009/08/19
António Brotas sobre o ensino da medicina
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