2009/02/08

Desidério Murcho, os "pobres", o metro e a escola pública

Na sua habitual linha de pensamento político liberal, Desidério Murcho pergunta quais as vantagens e desvantagens de um imposto único. Tal já havia sido objecto de debate entre o Luís Aguiar Conraria (que, aliás, já tinha apresentado a ideia, e responde a Desidério) e Vital Moreira (que havia respondido à altura por duas vezes). As respostas ao texto de Desidério nos comentários são boas (particularmente a do anónimo Artur), mostrando que, mais do que económica, esta é uma questão política. Mas, lendo os mesmos comentários, reparei num particularmente significativo do próprio Desidério:
Ter dois milhões de euros no banco e viver em Chelas num apartamento de 20 mil euros, sem carro e andando de metro é algo bizarro, não? Isto devia ser evidente.

Para eu ser “bizarro” para o Desidério, só me falta mesmo ter dois milhões de euros no banco. Mas, portanto, escolhas pessoais como não ter carro e opções cívicas como andar de transporte público são, para Desidério, para “pobres”. (Um rico que as tome é “bizarro”.)
Curiosamente o mesmo Desidério Murcho muito insiste na elevação de conteúdos ensinados na escola pública, insurgindo-se contra o preconceito de considerar que os pobres “não gostam” de ciência, filosofia ou literatura a sério como motivo para “aligeirar” os conteúdos dos programas de ensino. Desidério defende o ensino na escola pública da melhor ciência, da melhor filosofia, da melhor literatura. Para percebermos melhor o conceito de escola pública de Desidério Murcho, convinha que ele respondesse a uma ou duas perguntas, relacionadas com este seu comentário. Um “pobre” que se interesse por ciência ou literatura ou filosofia, é bizarro? Um rico que ande na escola pública, é bizarro? Se Desidério achar que sim, julga que a escola pública é “para pobres”. Se achar que não, não é bizarro, por que raio é que o haveria de ser o andar de metro?

5 comentários:

Desidério Murcho disse...

Um dos significados de bizarro é "estatisticamente irrelevante". Eu também não tenho carro, e sou de origens sociais muito humilde. Infelizmente, tanto num caso como no outro, não sou estatisticamente relevante.

Onde foi buscar a ideia de que sou um liberal político? Ah, já sei: é porque infelizmente não faz parte da (faux) gauche defender a liberdade de expressão nem de opinião.

Filipe Moura disse...

A esquerda não tem necessariamente a ver com a defesa da liberdade: visa somente o combate às desigualdades. Há esquerda e direita democráticas e totalitárias.

Um liberal de direita defende que nos devemos conformar com as "estatísticas" em lugar de tentar alterá-las.

Finalmente, não vejo para que foi buscar a liberdade de expressão. Ninguém pôs em causa a sua liberdade para exprimir a sua opinião, bem como a minha de não concordar. O filósofo Desidério Murcho, em lugar de responder directamente às questões que lhe são colocadas, prefere refugiar-se em chavões. Que decepção, Desidério.

Luís Aguiar-Conraria disse...

Filipe, já agora, sugiro que também links o meu último post sobre o assunto,
http://aguiarconraria.blogsome.com/2009/02/03/imposto-unico-mais-uma-vez/ , e que é a minha resposta ao repto de Desidério.

Vitor Guerreiro disse...

Interessante coisa: a esquerda não tem de ter a ver com a liberdade mas com o combate às desigualdades. Bem, algo está então mal neste aspecto: pelo menos os guardiães da igualdade têm de ter mais liberdade do que os outros, ou de decidir o que os outros podem ou não podem ler ou escrever, para não corrermos o risco de perverter a ordem revolucionária. Não era para isso que servia a censura nos países de leste? Era só mesmo mesmo para impedir que os malvados dos contra-revolucionários contaminassem a mente da população. Mas aparentemente a população tinha de ser menos livre do que os mandatários do estado, para ser assim tão protegida e infantilizada.

É tudo uma grande guerra suja não é? É preciso é "proteger" o povo com imposições revolucionárias, que são melhores do que as outras, censura revolucionária, que é melhor do que a outra. etc.

Vitor Guerreiro disse...

Por outras palavras: há uma certa esquerda que parece não se importar com as desigualdades em liberdade.

Acontece que numa maneira racional de ver as coisas, não pode haver igualdade que não comece pela liberdade, que é o nível mais fundamental de respeito pelos seres humanos: estarmos todos em paridade epistémica e moral, em vez de avassalados a aiatolas e "libertadores" que vêem mais do que os outros porque estão "aos ombros do gigante" da psicofoda e da demagogia.