2010/01/03

Fuga para a vitória


A sensacional fuga do forte de Peniche por parte de Álvaro Cunhal e outros dirigentes comunistas faz hoje 50 anos. A ler a evocação no Diário de Notícias de hoje (inclui também uma entrevista a Eugénia Cunhal). Tal como eu, o jornalista sonha com o dia em que este episódio passe ao grande ecrã. Através de um estúdio de Hollywood? Não me admiraria nada.





A evasão que fragilizou Salazar e devolveu a liderança ao PCP

por JOÃO CÉU E SILVA



Era dada como impossível uma fuga que, afinal, libertou dez comunistas.


A fuga de dez presos políticos do Forte de Peniche em 1960, a prisão mais vigiada de Portugal, dava um bom argumento para um filme de Hollywood. Se fosse Steven Spielber o realizador, o argumento privilegiaria a arriscada aventura do grupo de dez fugitivos, mas se Clint Eastwood dirigisse o filme, o foco seria em Álvaro Cunhal.

Realizadores à parte, com visões colectivas ou de heróis, o que aconteceu nessa noite de há cinco décadas exactas é um filme cujo argumento ainda não terminou de ser escrito, porque os participantes que estão vivos vão atrasando com novas revelações a versão final. Não será por essa razão que esta escapada à Steve McQueen, de uma prisão também virada para o mar, passou despercebida à época e ainda hoje, com a evocação em Peniche pelo secretário- -geral do PCP, desperta curiosidade, por ser daquelas cenas impossíveis de acontecer, inverosímeis mesmo num filme de acção.

Aliás, se fosse preciso fazer uma sequela destas aventuras de comunistas a fugir à PIDE, não faltariam episódios igualmente inspiradores. Como o de Dias Lourenço, que saiu da solitária da mesma fortaleza num acto de magia, ou de António Gervásio a deixar a prisão de Caxias ao volante do automóvel de Salazar, aí estacionado.

Em Peniche, o argumento foi fácil de conceber porque havia um final já decidido como sendo o melhor: uma fuga que libertasse dez dos mais importantes dirigentes comunistas. Antes de aparecer a palavra "fim" neste filme, ainda se veriam imagens de duas consequências desta fuga: a ida para a luta clandestina dos dez fugitivos e o rolar de cabeças dos responsáveis por esta acção ter sido bem sucedida.

Em 1960, a última coisa que Salazar precisava para animar a eterna contestação do Partido Comunista Português ao, também, eterno regime ditatorial do Estado Novo era esta fuga. A prisão, na casa do Luso, de Álvaro Cunhal, Militão Ribeiro e Sofia Ferreira em 1949 fora uma glória para a actividade da polícia política, que reforçara os seus poderes e actuação a qualquer preço. A fuga, por seu lado, era uma glória para a máquina partidária que sobrevivia na clandestinidade mesmo com constantes quedas de militantes.

O dia 3 de Janeiro de 1960 não era o marcado para a evasão do forte de Peniche, mas uma mudança de guardas obrigou a antecipar em uma semana a "operação". Pelas 16.00, no largo frente à prisão, o actor Rogério Paulo deu o sinal de início: abrir e fechar o porta-bagagens do carro de modo a que os presos das celas do lado norte o vissem. A seguir ao jantar, pela 19.00, os guardas apitaram a dar ordem para os presos voltarem às celas. Começa aqui o primeiro ponto crítico, quando Álvaro Cunhal regressa ao Pavilhão C sob a escolta de um guarda prisional. O fugitivo Guilherme Carvalho aproxima-se e adormece com uma toalha embebida em clorofórmio o guarda, que desmaia. Os dez detidos que vão fugir dirigem--se, então, para a porta do refeitório que dá para o exterior do forte. É o segundo momento crítico, para o qual contam com a conivência de um dos guardas, Jorge Alves, a quem o PCP pagou uma avultada soma (150 contos) para utilizar a sua posição de vigilância e o seu capote para fazer atravessar os detidos até ao muro que os separa da liberdade. O terceiro momento crítico dá-se quando o GNR se apercebe que em vez de cinco ou seis presos tem dez e foge ele mesmo pelos lençóis que permitiam aos detidos escorregar parede abaixo. Mesmo assim, conseguem realizar a fuga espectacular que abalou o regime e marcou a agenda da contestação.

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