2006/12/31

Bom ano novo!

Espero um bom ano de 2007. É preciso manter o optimismo.
São estes os meus votos para os meus amigos e leitores. Até 2007.

2006/12/30

BCP: banco do não?

O Nuno Ramos de Almeida e o Ricardo Alves lançaram a suspeita; a pronta resposta do amigo de Jardim Gonçalves e Paulo Teixeira Pinto (do BCP e conhecidos membros do Opus Dei) confirmou. Os meus votos para 2007 para o André Azevedo Alves são que continue assim, primário e previsível.

2006/12/28

Já tive melhores Natais...

Problemas familiares têm-me impedido de actualizar esta página com a regularidade habitual. Depois do Ano Novo espero voltar a escrever diariamente (ou quase).

2006/12/27

Páginas da Vida

Ainda não vi a nova novela da SIC, e já sei muito. Já sei que a personagem principal é uma senhora de meia idade, da classe média-alta, invariavelmente chamada Helena. Já sei que o cenário é o Rio de Janeiro, mais precisamente o Leblon. Já sei que a história vai andar à volta de pessoas como ela, envolvidas em circunstâncias extremas (bebés trocados, leucemia...) mas verosímeis. Já sei que as personagens são concebidas com o maior cuidado, até ao mais ínfimo pormenor. Já sei que estou na presença de uma novela muito bem escrita. Já sei que o genérico vai ser com uma música do Tom Jobim, e que a banda sonora vai estar impregnada de bossa nova. Já sei que estou na presença do melhor retrato de um certo Rio de Janeiro, o dos dias de hoje mas que ainda é o de Vinicius e Jobim, que nos pode ser oferecido. Já sei que estou na presença de uma novela do Manoel Carlos, o mesmo autor de Por Amor e Laços de Família. Ainda não vi, e já sei que vou gostar.

2006/12/22

Boas festas

Começo por discordar na argumentação deste texto do Tiago Barbosa Ribeiro: conforme lá escrevi algo provocatoriamente, antes uns burgueses terem os seus carros queimados à porta do que ter-se um “In God we trust” impresso nas notas! Ou um “God bless America” nas contas do supermercado, como eu tinha depois do 11 de Setembro. A relação dos Estados Unidos com a religião está longe de ser modelo para algum país desenvolvido. Ao contrário do que o Tiago Ribeiro provavelmente julga, não é só no Irão que existem fundamentalistas religiosos. Eles existem também nos EUA e têm mais influência do que ele possa julgar, incluindo a administração Bush filho (mais do que qualquer outra). Pode haver respeito de umas religiões relativamente às outras, mas há um predomínio da religião (de Deus) traduzido no “In God We Trust” nas notas bancárias, que pelos vistos tanto lhe agrada. A América é uma nação temente a Deus, seja este qual for. Pouco lugar há para agnósticos e ateus: são uns excêntricos que vivem no mundo académico e pouco mais.
Dito isto, não posso concordar com as ridículas manifestações de “politicamente correcto” que constituem a supressão de algumas celebrações de Natal em empresas europeias. Queira-se ou não, o Natal é celebrado, por razões históricas e culturais, pela esmagadora maioria das pessoas, crentes e não crentes. Já era celebrado o solestício de Inverno muito antes de Cristo! Por isso é feriado nacional. Tem de se respeitar os feriados celebrados historicamente nos diferentes locais. Em Nova Iorque observavam-se todos os feriados judeus, e eu dei aulas numa sexta-feira santa. No instituto onde me doutorei, entre os docentes a maioria era judaica. Os enfeites de Natal conviviam com as velas de Hannukah. Nunca deixou de haver uma festa na segunda ou terceira semana de Dezembro!
O final de cada ano é sempre um motivo para celebrar. Toda a gente o sente. As festas numa empresa ou numa escola não devem ter um carácter proselitista. Desde que esta condição se verifique, deve prevalecer o princípio de que uma festa, desde que desejada por um número significativo de pessoas, não pode ofender ninguém.

Concluo tudo isto desejando, muito laicamente, boas festas a todos os meus leitores e amigos.


"Tendências fascistas"...

... no Insurgente: "Com liberais assim..." no Blogue Liberal Social (via Esquerda Republicana).

A universidade portuguesa, mais uma vez

Fale-se do relatório OCED, de Bolonha... Mas leiam-se experiências como as do Nélson.

2006/12/21

Antes do jantar anual da LEFT

Um rapaz que eu conheço há uns dez anos escrevia num blogue colectivo, tendo dele saído aparentemente por culpa de um erro de ortografia!
Quando eu tinha chegado aos EUA para o meu doutoramento, ele ainda andava pelo Técnico a licenciar-se em Física. E mandava aos amigos emails com passagens como esta, que transcrevo textualmente:

Caros amigos espero que com vosco esteja tudo O.K.
Venho por este meio comunicarvos que com sorte (se o papa deichar, se
me aceitarem e se houver bolsa) sou mais um a ir para a diaspora, mais
precisamente para a polytechnique.

Filipe Moura:
Confeco que nao tenho lido os teus mails com a assiduidade habitual


E mais, que eu não pude ir pesquisar. Mas em vez de Paris ele acabou por ir doutorar-se para Londres; lembro-me de me mandar outro email a dar a notícia de que tinha sido aceite no Empirial College (sic).

Portanto, afianço que este rapaz é perfeitamente capaz de escrever que o Paulo Portas foi “cunivente” (assim, com “u”) com o Santana Lopes. E escreveu-o, de facto, nos comentários no dito blogue colectivo. O administrador do respectivo blogue, dono de uma mente perversa e pelos vistos admirador do ex-líder do PP, é que viu no “cunivente” uma insinuação torpe. Vai daí envolveram-se numa discussão, que envolveu comentários apagados, tendo ao que consta o simpatizante de Paulo Portas feito ver ao nosso rapaz que certo tipo de assuntos, pessoas e comentários políticos (não necessariamente o do "cunivente") não eram “próprios" para serem abordados naquele blogue. O meu amigo resolveu então em boa hora abandonar um blogue tão rasca e passar a escrever com mais regularidade no seu próprio, que se passou a designar Homem à beira de um ataque de nervos. E tudo isto valeu a pena, porque como eu referi conheço este meu colega há uns dez anos e creio que foi a primeira atitude de adulto que alguma vez o vi tomar.
Estou a referir-me, como já se aperceberam, ao Luís Oliveira, que punha a cabeça em água aos autores e comentadores do Blogue de Esquerda (e do Aspirina B), que numa mesma postagem assinava diversos comentários contraditórios com identidades diferentes. Ao D. João e a Máscara. Ao Cona Verbosa, comentador compulsivo que "precisa dos blogues como do oxigénio para respirar", como lhe chamou o Bombatómica. Luís: vê lá se dás menos pontapés na gramática. E ilumina-nos. Make our days.

2006/12/20

Blogomaratona sobre Carl Sagan

Passados dez anos sobre a morte do distinto professor de Astronomia e divulgador da ciência. Aqui.

2006/12/19

Divergências e insurgências sobre Pinochet

Valha a verdade, há que não confundir o timoneiro com o barco, embora textos como este passem despercebidos no meio do mar de propaganda de extrema-direita que é a imagem de marca do blogue. Surgem assim naturalmente associações como esta, esta ou esta. Como diria Salazar que, para o André Azevedo Alves é o português do século XX, em política o que parece é...

2006/12/18

Economistas vs. Físicos

Para quem achou a sugestão de leitura anterior demasiado técnica, aqui fica outra mais leve: Economics vs. Physics Love-Off, ainda no Cosmic Variance.
Economists have a huge amount of influence over actual public policy, while admiration for physicists doesn’t get you too much beyond the “Isn’t that cool!” level, and occasional appearances on late-night radio. (...) These three sentences point to a definite failure on the part of physicists to successfully get their message across. (...) Unfortunately — and to a signficant extent this is our own fault — it’s not always clear to the person on the street which ideas are speculative and which have come to be accepted, nor is it clear that we have good reasons even for the wildest speculations.
Esta vai com dedicatória ao Luís Aguiar Conraria, ao Sérgio dos Santos e ao João Miranda.

2006/12/15

Joe Polchinski escreve no Cosmic Variance

Joseph Polchinski, o reputado físico teórico da Universidade da Califórnia em Santa Barbara, dá uma visão crítica da teoria das supercordas, resumindo a sua história, os seus principais resultados, e comparando-a com as eventuais teorias concorrentes. Uma opinião a não perder, por um dos principais protagonistas dos desenvolvimentos deste tema. No Cosmic Variance.

2006/12/14

20 anos



Foi perante cerca de 60 mil espectadores, no velho Estádio Alvalade, que os leões fizeram história com aqueles 7-1 ao rival Benfica. (...) O Benfica, de John Mortimore, era líder do campeonato, sem derrotas, estava em grande forma, enquanto o Sporting, de Manuel José, irregular, em crise, estava em quarto lugar, atrás do Vitória de Guimarães. Quem ia adivinhar um resultado destes? Aquela segunda parte foi um delírio para os apaniguados leoninos e o desespero para os indefectíveis da Luz. (...) O Sporting passou bem o Natal mas não venceu nas seis jornadas seguintes e no final só conseguiu o quarto lugar, enquanto o Benfica (...) no fim sagrou-se campeão nacional. Já passaram 20 anos.
(Vítor Cândido, A Bola de hoje)

2006/12/13

Retalho natalício

Nos dois últimos textos fiz, sem que ele o merecesse, duas maldades ao João Pedro Henriques: acabei por comparar (mesmo se implicitamente) uma análise política dele às minhas, e ainda lhe descobri (literalmente) a careca. Está na altura de recordar que eu o considero “a maior autoridade blogosférica no comércio a retalho”.
Por falar nisso, e como vamos de bolo-rei? Para o Natal eu gosto de comprar um decente (até pode ser no supermercado, mas desde que seja de fabrico próprio, feito no dia). Enquanto o Natal não vem, nem me importo de os ir comprando pré-feitos. Os do Minipreço este ano são supimpas (da mesma fábrica, em Tondela, de onde vinham os folares que eu comprava em Paris!). Já o Pingo Doce (pelo menos nas lojas menores) tem um pré-feito de longa duração que deixa muito a desejar quando comparado com o que costumava ter.

Resposta atrasada (II)

Cara Fernanda Câncio: 1,82 m de altura, 68 kg de peso, cabelo e olhos castanhos, pele clara, óculos... Borbulhas, tive muitas na adolescência. Dentes de coelho é que nem por isso. Chega-lhe? Só não ponho fotografia porque, conforme talvez se recorde se era leitora do Blogue de Esquerda, eu só coloco fotografias minhas no blogue a tomar banho.
Esta questão do aspecto físico dos blógueres faz-me lembrar um outro blóguer que tive o prazer de conhecer, na Rua Viriato, quando ele entrei (estava ele a poucos dias de sair para a Av. Liberdade): justamente o João Pedro Henriques, colega da Fernanda. O JPH é uma excepção: ele é alto. Mas também devo dizer que é um pouco mais barrigudo e com menos cabelo do que o que estava à espera.
O mistério do aspecto físico dos blógueres que não são figuras públicas é uma das graças da blogosfera. A proposta da Fernanda parece-me um pouco radical.

2006/12/12

Resposta atrasada (I)

Por absoluta falta de tempo, ainda não pude agradecer ao Luís M. Jorge as simpáticas distinções com que me presenteou, quer ao nível da divulgação científica quer do comentário político. Eu faço o blogue em grande parte para me divertir, umas vezes mais a sério (a divulgação científica é um desses casos) e outras mais pelo juvenil prazer de ser do contra (incluem-se nesta categoria, a que se deve aliás o titulo do blogue, os comentários políticos). Fico satisfeito por ambas as nomeações, e fico satisfeito pela nomeação do João Pedro Henriques (que é um jornalista político, muito mais habilitado do que eu para escrever sobre política, e que é quem realmente faz comentários políticos no Glória Fácil). Não quero aqui comparar-me com ele (embora o considere, tal como me considero a mim, um tipo que pensa pela sua cabeça, e que tal se reflecte na sua escrita). Apesar disto tudo, gostaria que o Luís me explicasse as diferenças significativas, no conteúdo ou na forma, por exemplo entre isto e isto.

2006/12/11

O ditador chileno morreu...

Já o líder cubano continua vivo, embora não deva durar muito mais tempo.

Música do dia: Yo pisaré las calles nuevamente, de Pablo Milanés. E o traidor não pagou a sua culpa. Que a terra lhe seja pesada.

2006/12/09

Os perigos do maus jornalismo científico

Já que temos vindo a falar nisso, recomendo este texto do Cosmic Variance. A ler com atenção por quem se interessar pelo assunto.

2006/12/08

Reflexão (após não ter conseguido entrar no supermercado por um minuto)

Todos os meus falhanços são assim, por pouco. Quando falho estou sempre próximo, estou sempre quase. O que me deixa sempre a pensar que com mais um pouquinho de esforço, com mais um pouquinho de sorte, talvez conseguisse o objectivo a que me propunha. Como além disso sou teimoso como uma mula, continuo a tentar. Talvez fosse melhor para mim (talvez eu aprendesse mais) se os meus falhanços fossem mais espectaculares, se falhasse por muito.

2006/12/07

Resposta a "Para o Diário de Notícias, Rómulo de Carvalho não existe"

Enviei o meu texto Para o Diário de Notícias, Rómulo de Carvalho não existe ao provedor dos leitores do Diário de Notícias. A resposta foi publicada na sua coluna semanal, na passada terça feira. Inclui um depoimento de Carlos Fiolhais, professor na Universidade de Coimbra. E é nesse ponto (e só nesse ponto) que eu reconheço que posso ter sido algo injusto, ao afirmar que "Rómulo de Carvalho não deixou sucessores em Portugal". Deveria ter feito a ressalva de que Portugal tem, hoje, excelentes divulgadores da ciência (Carlos Fiolhais é um deles). Porém, nenhum se dirige ao homem comum como público-base como Rómulo de Carvalho (é nesse sentido que eu escrevi que "não deixou sucessores"). Mas os tempos são outros, e espera-se que esse público, apesar de desinteressado pela ciência, seja um pouco mais educado do que era o público-base de Rómulo de Carvalho. O nível conceptual da divulgação científica subiu, e ainda bem. Mas ainda nos faz muita falta algo como a "Física do Dia a Dia" (é justo referir que o mais parecido com tal que eu conheço, da autoria de um português, é o livro "Física Divertida", do mesmo Carlos Fiolhais).

Destaco o depoimento do director do jornal, António José Teixeira:
"Todos os dias chegamos à conclusão de que poderíamos fazer melhor o nosso trabalho. Acontece em todos os ofícios. Recentemente, abordámos por duas vezes o centenário de Rómulo de Carvalho. Fizemo-lo com profissionalismo e qualidade, porventura sem nos determos com suficiência na sua obra científica. Pedimos depoimentos, nomeadamente de Marcelo Rebelo de Sousa, sobre a sua faceta pedagógica. Recebemos, aliás, um elogio da família de Rómulo de Carvalho pelo trabalho divulgado. Concordo com o leitor quanto ao interesse em dar mais espaço à ciência."
Era mesmo esta última frase que eu queria "ler". Agradeço ao Provedor dos Leitores por ter concedido tanto espaço (uma página inteira no jornal, incluindo uma caricatura que, felizmente, não era da autoria do André Carrilho), o que mostra que deu importância a esta questão. E espero que o Director não se fique só pelas intenções.

PS: Apesar de vir identificado como tal, eu não sou "professor" (quem dera!). O erro deve-se provavelmente a eu ter enviado o texto do meu email profissional (e que é, de resto, o meu email pessoal há muitos anos).
PPS: O próprio "Diário de Notícias" noticiou a atribuição do Prémio Rómulo de Carvalho a Carlos Fiolhais, na secção "Pessoas", na penúltima página (indisponível na rede). O que não me parece mal. Gostei de ver um físico misturado com actores, cantores e políticos. E o texto estava muito bom.

2006/12/06

Almoço em Alvalade

Caro André:
O almoço foi óptimo. A mão-de-vaca estava boa e as tuas costeletas tinham bom aspecto. Gostei do restaurantezinho, embora naquelas redondezas a melhor escolha tivesse sido o Antigo Retiro Quebra Bilhas. Mas agora, para irmos ao Quebra-Bilhas, só se tu tivesses pedido uma cunha ao Grande Timoneiro Insurgente. É que, desde há pouco tempo, o Quebra-Bilhas é dos amigos dele. (Soube desta triste notícia sobre um dos meus restaurantes favoritos de Lisboa via Esquerda Republicana.)
Quem sabe no futuro o Quebra Bilhas volta a ser o que era? Até lá havemos de continuar a almoçar de vez em quando. Foi um prazer finalmente conhecer-te.

Mais outra constatação

Sucede-me todas as vezes que eu conheço um blóguer: fisicamente são sempre mais baixos do que eu esperava. Julgava que era assim com os blógueres de esquerda, mas afinal também é com os de direita. Ou afinal talvez este nem seja assim tanto de direita. Eu sempre lhe disse.

Cosmo Kramer met Alex P. Keaton



Foi hoje ao almoço, num restaurante em Alvalade.

Já esperava outra desgraça russa

Só foi surpresa para quem não viu o dérbi. E não conhece a história.
Caro Paulo Bento:
  • sei que deves admirar o Moutinho (um jogador parecido com o que tu foste), mas está na altura de o deixares descansar um pouco;
  • está também na hora de pores cobro ao vedetismo de alguns meninos como o Nani e o Djaló, que nesta altura não devem ser titulares;
  • está na altura de apostares mais vezes no Carlos Martins e no Miguel Veloso;
  • está na altura de parares de ter azar com as lesões (três laterais direitos!).
Finalmente: pede um avançado novo no sapatinho.

2006/12/05

O grande circo da Física – as respostas

Os textos deram bastante discussão – e ainda bem.
Sobre a velocidade do pontapé do Ronny, já o Nelson tinha falado. No seu blogue e nos comentários ele questiona como terá sido possível medir aquele tempo só com uma câmara, só de um ângulo (com várias câmaras seria impossível obter sincronização). E ao considerar o número de frames per second – um conceito que qualquer utilizador do Subtitle Workshop conhece... – demonstra-nos como o erro no tempo de vôo da bola é da mesma ordem de grandeza desse mesmo tempo, resultando assim numa grande imprecisão. Não concordo totalmente com a estimativa de erro que ele apresenta (para mim são duas fps e não quatro), mas os excelentes argumentos são válidos.
Quanto ao bolor do pão de forma, também originou uma discussão interessante. Como bem apontou o João André, essencial para criar bolor é a humidade. Embora não o tenha referido explicitamente (o objectivo era que fosse deduzido pelo leitor), o que eu notei foi que a fatia de fora estava seca, enquanto as interiores estavam húmidas, diria mesmo molhadas. O que me surpreendeu (e me levou a escrever sobre isso aqui no blogue) foi: como duas fatias adjacentes podem apresentar aspectos tão dísparos, somente devido ao maior contacto com o ar! A fatia de fora estava dura, rija e seca. Não havia bolor que lá pudesse crescer. As de dentro eram o meio de cultura ideal.É este a meu ver o factor essencial. Nos comentários a discussão ficou muito enriquecida com os comentários do João, do Manuel Anastácio e do zèd, sem esquecer o Miguel Madeira. A todos agradeço. E agora até ao próximo “circo da Física”.

2006/12/04

Utilidades de um pão de forma

Estando ela só de passagem, e de partida, a simpática australiana ofereceu-me o resto do pão de forma. Se eu não o aceitasse, ela deitá-lo-ia fora de qualquer maneira. Sendo eu absolutamente contra o desperdício de qualquer tipo de recursos (a começar pela comida), é claro que aceitei. Só que depois acabei por não o comer em tempo útil. Acabei por não fazer nada com ele. O pobre pão acabou por não ter serventia nenhuma. Não fazer nada, não ter serventia, vírgula. O pão serviu para alguma coisa. Eu fiz alguma coisa com ele. Fiz duas belas entradas para o blogue. Espero que tenham gostado.

2006/12/03

“E no entanto, ela move-se”

Galileu - um bom espectáculo no Teatro Aberto. Não é propriamente uma recomendação da peça de Bertold Brecht, pois a última representação foi no passado domingo (e eu só a assisti no sábado). Fica o louvor e o reconhecimento.
O jovem actor Afonso Pimentel era óptimo no papel de Andrea, o jovem pupilo de Galileu que fica desapontado com a “traição” do mestre (interpretado por Rui Mendes), que renega a sua teoria heliocêntrica perante a inquisição. Afinal, seria melhor Galileu ter sido queimado, como Bruno, ou permanecer vivo e terminar secretamente a sua obra, deixando-a para a posteridade, mesmo sendo entretanto obrigado a renegá-la?
Paralelamente à peça Galileu, Afonso Pimentel participa na tão criticada telenovela Floribella. O mesmo actor é assim capaz de participar em produções “de qualidade” e “menores”, sendo que é destas últimas que provém a maior parte da sua fama e da sua subsistência. Curiosamente a peça aborda esta mesma questão, mostrando-nos Galileu a “vender” o seu talento a governos, para fins militares e outros, sendo mesmo capaz de comercializar e divulgar o telescópio (que não inventara) para poder ganhar dinheiro e pagar as suas dívidas (devidas à investigação, mas também ao seu estilo de vida), que o salário de professor não permitia. A atitude de Galileu não foi bem aceite por Brecht que, no fim, nos apresenta um cientista arrependido por ver o resultado das suas pesquisas utilizado por governos. Não creio que Brecht gostasse de ver um actor de telenovelas num dos principais papéis de uma das suas peças. Mas a lição de Galileu – e de Afonso Pimentel – é essa: um cientista, tal como um actor, precisa de comer.

Texto originalmente publicado no Cinco Dias.

2006/12/01

Foda-se


Não há nada que mais me indisponha do que isto. Ainda por cima (e principalmente) quando não nos podemos queixar da arbitragem. Prefiro perder com o Estrela da Amadora ou a Naval 1º de Maio.

2006/11/30

O grande circo da Física – o pão que não ganhou bolor

Por altura do centenário de Rómulo de Carvalho, regresso esta semana a uma série que teve início no extinto (fez agora um ano) Blogue de Esquerda. Para tal relato aqui alguns fenómenos naturais (nem sempre estritamente físicos, como é o caso deste que trago hoje) que me surpreenderam e que me fizeram pensar, mesmo que sejam extremamente simples de explicar. O objectivo é pôr a malta a pensar um bocadinho. Começou ontem com o chuto do Ronny. Hoje regresso às fatias de pão.
Reparem bem nelas. Duas estão bem bolorentas. Mas… só duas! Por que não todas?
Se um alimento estiver hermeticamente fechado não ganha bolor, certo? Portanto o bolor aparece devido ao “contacto com o ar”. Mas sendo assim por que razão foram fatias interiores que ganharam bolor? A fatia exterior manteve-se intacta (e enganou-me, pois por eu não lhe detectar bolor julgava que o pão estivesse bom). Só ficou mais dura (o que é normal no pão após alguns dias), mas sem bolor nenhum.
Como explicar este comportamento? Será mesmo o “contacto com o ar” que causa o bolor?

2006/11/29

O grande circo da Física - a velocidade do chuto do Ronny

Parece que é essa a questão com que se debatem os dois principais diários desportivos. A Bola consultou especialistas, e fala em 120 km/h. Já o Record faz ele próprio o cálculo simples e apresenta o resultado na primeira página: 222 km/h! Poucas vezes a Física do ensino scundário tem honras de primeira página de um jornal.
Dado o curto intervalo de tempo entre o chuto e a bola entrar na baliza, a aproximação que consiste em considerar a sua trajectória rectilínea (e não parabólica, desprezando a influência da gravidade) parece-me razoável. A aproximação para a distância percorrida também não me parece mal de todo, embora pudesse ser melhorada sem dificuldade (aqui o texto está mal: embora a trajectória seja "diagonal", também é "rectilínea").
O que me parece afectar o resultado é mesmo o valor do intervalo de tempo, que o Record apresenta como 28 centésimos de segundo. Não sei o rigor desta medição, mas não deve ser muito alto. Deve ser esta a origem da discrepância entre os valores dos dois jornais. Discrepância que levou A Bola, na edição de hoje, a reiterar a sua estimativa, consultando um especialista. Eu inclino-me mais o valor deste jornal. Se fosse o do Record (cerca do dobro), implicaria uma energia quatro vezes superior, algo nunca registado antes. E eu não acredito que o Ronny tenha uma energia de remate quatro vezes superior à do Roberto Carlos! A matéria de A Bola é mais completa, apresentando uma discussão comparativa. Mas a do Record apresenta números, embora se limite a fazer um cálculo elementar. Qual é que vocês preferem?
Fica entretanto a lição - os jornalistas devem consultar os especialistas, principalmente antes de fazerem manchetes de primeira página! Mas não me parece que, no Record, haja gente muito preocupada com isso.

2006/11/28

Os ortodoxos de hoje serão os renovadores de amanhã

Com o “caso” da recusa de Luísa Mesquita em abandonar o Parlamento, confirma-se uma vez mais: um membro do PCP só é “bom” se entrar em conflito com o partido. João Amaral em 1991 polemizava na imprensa com os então saídos para a efémera “Plataforma de Esquerda”. Edgar Correia e Carlos Brito estiveram convictamente ao lado de Álvaro Cunhal no apoio à tentativa de golpe na União Soviética. Na altura, ainda não eram os “grandes renovadores”. Luísa Mesquita há muitos anos é uma valorosíssima deputada; o reconhecimento só surge com este conflito. Sucediam-se e sucedem-se as críticas aos membros do PCP, sem nunca enaltecer o trabalho dos seus deputados. Mesmo agora, as atenções voltam-se só para Luísa Mesquita: ninguém fala em Odete Santos (que aceitou afastar-se após uma longa carreira de deputada). Sugiro por isso a jornalistas como o Pedro Correia que comecem a escrever o seu elogio a Jerónimo de Sousa – há de chegar a altura em que o actual secretário geral do PCP o merecerá.
Sobre a substituição dos deputados propriamente dita, a sua legalidade parece inquestionável, uma vez que estes mesmo antes de serem eleitos assinaram um documento nesse sentido com o partido. A grande questão que se põe, neste caso como na câmara de Setúbal (ou nos deputados “rotativos” do Bloco de Esquerda) é em que medida é que quem votou nos “afastados” não sabia (nem podia saber) da possibilidade de estes serem afastados, tendo votado nos candidatos e não nos partidos e sentindo-se por isso defraudado. Só nas próximas eleições tal se poderá saber.

Algumas notas:
Marcelo Rebelo de Sousa (texto na edição escrita do DN, sem ligação) fala como se o PCP entendesse substituir os deputados por completos desconhecidos, e não por quem lhes segue na lista. Os novos nomes já constavam nas listas eleitorais, e quem votou no PCP poderia tê-los eleito, caso se reunissem votos suficientes. A argumentação de Marcelo aplicar-se-ia a listas uninominais.
Joana Amaral Dias deveria recordar-se que, da primeira vez que foi deputada, também não foi eleita. Quem votou no Bloco de Esquerda também desconhecia, na altura, a “rotatividade”.
Ler também os dois comentários de João Pedro Henriques e o de Vital Moreira.

2006/11/27

Para o Diário de Notícias, Rómulo de Carvalho não existe

Passaram cem anos sobre o nascimento de Rómulo de Carvalho, e quem mais se evidenciou nas comemorações foram entidades sob a tutela do Ministério da Ciência, como o Pavilhão do Conhecimento. Quem em sua homenagem instituiu o dia do seu nascimento como o Dia Nacional da Cultura Científica foi o Ministério da Ciência. Rómulo de Carvalho foi um notável humanista, com obras publicadas em diversos domínios. A sua poesia, que assinou com o pseudónimo de António Gedeão, é só uma componente (notável, é certo) da sua obra. Mas o que verdadeiramente o distingue e o torna único é a sua actividade enquanto pedagogo e (sobretudo) divulgador científico. O autor de livros como “Física do Dia a Dia” não deixou, em Portugal, sucessor. Por tudo isto é muito lamentável (e verdadeiramente redutor) que o Diário de Notícias, tendo tido a iniciativa de evocar a sua obra, passe completamente ao lado desta sua faceta. Daí a evocação vir na secção de “Artes” e não na da Educação, na ausência de uma secção de Ciência. Neste jornal, de resto, é mais fácil ler-se uma crítica às exposições patentes no Centro Pompidou ou no Museu Guggenheim de Bilbau do que no Pavilhão do Conhecimento, onde podemos encontrar módulos semelhantes aos da Cité des Sciences de Paris e exposições itinerantes das melhores da Europa. Por onde passam, estas exposições despertam a atenção da imprensa de referência. Menos do Diário de Notícias. Não quero com isto responsabilizar os jornalistas ou quem tem a missão de escrever sobre ciência neste jornal (que acredito que faça o seu trabalho da melhor maneira que pode). A questão é mesmo de critérios editoriais. Para o Diário de Notícias, Rómulo de Carvalho não interessa. Só interessa o António Gedeão.

2006/11/26

Computador roubado

É difícil, mas sem se tentar é que fica mesmo impossível. O meu amigo Nelson anda numa maré de azar… Se por um improvável acaso alguém der com o seu computador, é favor avisarem-no. Faz-lhe muita falta, pelo valor e pelo conteúdo.

2006/11/25

2006/11/24

Física para o povo


Assinala-se hoje a passagem dos cem anos do nascimento de Rómulo de Carvalho, o mais notável divulgador da ciência português, mas que infelizmente é praticamente só conhecido como poeta (não que não mereça também tal reconhecimento). Convido os leitores residentes na área de Lisboa a passarem pelo Pavilhão do Conhecimento e visitarem, entre outras exposições interessantes, a dedicada às experiências simples por ele propostas no livro "Física Para o Povo", posteriormente republicado com o título "Física do Dia a Dia". Em sua homenagem, e também porque estamos na Semana da Ciência e da Tecnologia, talvez venhamos a ter aqui um pouco de Física simples.

Acontece quando nos esquecemos do pão



O resto do pão de forma ficou uns dias esquecido. Mesmo estando dentro do saco aberto, como é óbvio apanhou bolor.

2006/11/23

Uma boa medida: a regulação dos horários das televisões

Não quero com isto julgar ou dar a entender que sou de alguma forma “autor” do recém apresentado projecto de Lei da Televisão, mas não me lembro de alguma vez ter lido alguém defender uma ideia semelhante antes de mim. Foi em Fevereiro de 2003, no então recém-formado Blogue de Esquerda. Eu encontrava-me nos EUA a concluir o meu doutoramento. A propósito de um artigo no Público do Daniel Oliveira, que então ainda era o “prolixo” (para verem há quanto tempo isto foi), decidi comparar a televisão norte-americana com a portuguesa. Em termos de conteúdo eram bastante semelhantes (vivia-se a época de ouro dos reality-shows), por vezes a norte-americana conseguia ser bastante pior, mas eu preferia-a de longe. Porquê? Por uma razão muito simples: quando eu queria ver um determinado programa, via-o ou gravava-o. Ao contrário da televisão portuguesa, eu nunca me senti defraudado pela norte americana. O melhor é mesmo eu repetir aqui o que então escrevi. Leiam por favor com atenção.

Gostaria de apresentar uma proposta sobre a regulação da televisão. Para quem vive nos EUA, a principal diferença na televisão relativamente a Portugal reside no facto de os horários dos programas serem sempre cumpridos. Não importa se durante o dia se tem programas tipo "O Juiz Decide" em praticamente todos os canais; se se tem o "Jerry Springer" e outros shows tais que me levem a recear que em Portugal se esteja apenas na Idade da Pedra do telelixo; se se tem intervalos comerciais a cada dez minutos. A verdade é que também se tem todos os dias episódios (antigos, é certo) do "Seinfeld", dos "Amigos" e dos "Simpsons", novelas brasileiras (dobradas em espanhol) como "O Clone" e a "Esperança", sempre à hora marcada. E tudo isto, refira-se, nos canais de acesso gratuito (acessíveis a quem tenha antena); não estou a falar de canais por cabo. A grande diferença é que nos EUA um espectador só vê o telelixo se quer, pois sabe que a programação que foi anunciada (nos jornais, nas revistas, na internet e na própria televisão) é a que é transmitida. A "contra-programação", o prolongamento de novelas por horas enquanto no outro canal está a dar desporto, aqui seriam impensáveis. Muito menos a interrupção de telejornais com directos do "Big Brother"! A verdade é que as estações de televisão, aqui, têm muito mais respeito pelos espectadores! A principal restrição que as emissoras de televisão em Portugal deveriam ter - e isto teria de ser o Estado, a tal "entidade reguladora", a fazer, mais do que propriamente interferir nos conteúdos - era a obrigação de cumprir os horários. Só isto alteraria substancialmente - para melhor - o panorama audiovisual em Portugal.
É só isto e não mais do que isto que eu defendo. O que invalida por completo os argumentos pseudo-liberais do Blasfémias, onde Carlos Abreu Amorim começa logo a acenar com “critérios específicos de programação” ou “definição de alinhamentos”. Nada disto está em jogo no presente diploma, que visa somente um respeito pelo tempo perdido pelo espectador a ver o que não quer ver.
É curioso que este argumento venha de quem vem: justamente um dos maiores queixosos dos atrasos da TAP, a transportadora aérea estatal. Também já usei a TAP com regularidade e, embora não ponha em causa o testemunho do CAA, da minha parte só uma única vez (em muitos vôos) tive problemas com atrasos. Mas o CAA que tanto se preocupa com a perda de tempo por causa da TAP (quando os atrasos são muito mais justificáveis numa transportadora aérea do que numa estação de televisão), não quer saber do mesmo tempo perdido pelos telespectadores. Talvez porque a TAP é... estatal? Se a TAP fosse privatizada, talvez os atrasos fossem justificáveis? Talvez o presente diploma fosse aceitável se só se aplicasse à RTP? Ah, como é difícil ser liberal em Portugal, com um governo que se imiscui nas estações privadas... É isso?
Nos comentários ao meu texto de ontem, o Luís Rainha e o Luís Aguiar Conraria questionam-me sobre se “o governo tem mais do que se preocupar do que andar a brincar aos horários das televisões?” O Luís Rainha afirma mesmo que são textos como o meu (e portanto, presumo, medidas destas) que “dão mau nome à Esquerda; e razões a quem diz que somos um bando de palonços.” A mim não me interessa minimamente se esta é uma medida “de esquerda”, ou “de direita”, ou se é “pouco ou nada liberal”. Parece-me uma medida justíssima, e defende-la-ia qualquer que fosse o governo que a aplicasse. Um bom governo vê-se (também) por medidas destas, que melhorem a qualidade de vida de cidadãos (neste caso) indefesos. Quando o Luís Rainha ainda por cima me pergunta “e a contraprogramação é má porquê?” eu nem sei o que responder. Se o Luís Rainha, o Luís Aguiar Conraria ou o CAA não vêem televisão (ou só vêem canais por cabo) é um direito que eles têm. Mas deveriam compreender que há pessoas que querem ver os canais generalistas e que como tal devem ser por estes respeitados.

2006/11/22

Um bom passo

Obrigar os operadores de televisão concessionados pelo governo a divulgarem uma grelha de programação com antecedência e a respeitarem-na é uma exigência mínima de respeito pelo consumidor/utente. É um primeiro passo, mas o diploma deveria ser explícito na obrigatoriedade do cumprimento de horários. Para acabar de vez com o estratagema da “contraprogramação”, tristemente instituído em Portugal desde que há televisão privada. A verdadeira (e saudável) concorrência não precisa desses golpes baixos. Nos EUA (onde a concorrência é a sério) as programações e os horários são estritamente cumpridos.
É claro que os nossos liberais (na verdade são mais libertários) são contra: são contra qualquer tipo de regulamentação feita pelo governo. Argumentam que se queremos horários cumpridos, pois vejamos a TV Cabo. Da mesma forma que argumentam que se queremos boa saúde, pois vamos aos hospitais privados. Ou se queremos boa educação, que a paguemos em escolas privadas.
Está de parabéns o governo por esta medida, que há muito defendo.

2006/11/21

Sobre o blackout de ontem

Já que também é a Semana da Tecnologia, um pouco de informática: não esquecer que os computadores têm uma memória cache! Que, pelos vistos, no Internet Explorer da Microsoft se torna um problema. Ponto a favor do Firefox. Ou será que o problema é mesmo do Windows, e portanto também poderia ter sucedido mesmo com o Internet Explorer? Quem souber que me esclareça por favor.

Telescópio Hubble mostra que o Universo jovem já tinha energia negra

Porque estamos na Semana da Ciência, e há descobertas recentes relevantes: ler no Público e no excelente Cosmic Variance.

2006/11/20

Lição para o futuro

Passei o dia a tentar entrar no blogger e não consegui. O Frangos conseguia, o Nélson conseguia (coragem, pá - o teu primeiro clube até vai à frente do teu segundo clube!), o Leonardo conseguia. E o Luís e o Ricardo. Até o irregular Pedro Lomba. Toda a gente menos eu... Só consegui discutir a definição de "mentira" nos comentários.
Mudei de browser. Entrei logo sem problemas.
Volto amanhã. Boa noite.

2006/11/19

Com tranquilidade...


...defendem-se mesmo os penaltis falsos.

2006/11/18

Eu, órfão de Jospin, me confesso

Texto originalmente publicado no Cinco Dias.

Vêm aí as primárias do Partido Socialista francês para decidir quem será o candidato às eleições presidenciais. Embora havendo de certeza outros candidatos à esquerda (para já está confirmada Marie-George Buffet e fala-se em Jean-Pierre Chevènement), para um observador externo o que mais importa é o candidato do PSF, em princípio o único de esquerda com possibilidades de chegar ao Eliseu. Mesmo não sendo eu agora um observador próximo, tenho procurado seguir o processo com atenção. E o cenário não se apresenta particularmente estimulante.

Embora tenha vindo a cair nas sondagens, tudo indica que a candidata escolhida será Ségolène Royal. Pelo que tenho visto esta escolha está longe de me deixar sorridente. E com grande pena minha, pois bem gostaria de ver uma mulher a presidir aos destinos de uma sociedade tão patriarcal como ainda é a francesa. Só que – lamento ter que o dizer – parece-me que quem acusa Ségolène Royal de não ter ideias bem definidas e nem um projecto concreto tem razão. Pelas suas declarações, Ségolène tanto deve agradar a Francisco Louçã (quando fala em endurecer restrições ao capitalismo ultraliberal) como a Paulo Portas (quando fala num endurecimento das leis da imigração). Pelo meio, declara-se admiradora de Tony Blair. É obra!

A meu ver Ségolène tem o mérito de não fugir aos problemas e de os saber colocar sem tabus ideológicos, algo que é frequentemente muito difícil para a esquerda. Onde tem falhado, pelo menos no que eu tenho notado, é em propor soluções e alternativas para esses mesmos problemas, parecendo sempre querer agradar a toda a gente. Espero que, se for eleita presidente, se revele melhor na prática política do que na campanha (e tal não seria a primeira vez). É que as alternativas dentro do seu partido, para além de perdedoras face ao provável candidato da direita Sarkozy (ao contrário de Ségolène - dizem as sondagens), são ainda menos animadoras.

Dominique Strauss-Kahn é um barão, um cinzento homem do aparelho, sem grande capacidade para mobilizar o seu partido, muito menos a França e a Europa. Quanto a Laurent Fabius, é um populista oportunista (e de baixo nível, como atesta a sua pergunta sobre como seria ter Ségolène presidente: "E quem vai tomar conta dos filhos?"). A sua eventual escolha como candidato só serviria para descredibilizar e desmoralizar o PSF, lançando a esquerda francesa numa crise de resultados imprevisíveis (quiçá piores do que os de 2002).

Durante muito tempo, mesmo quando já se dava como garantido o duelo Ségo-Sarko, tive a esperança de um regresso de Lionel Jospin. Mesmo depois de, após a forma totalmente inglória e imerecida como falhou a passagem à segunda volta das eleições de 2002, ter dado por finda a sua carreira política. Pelos sinais que deu durante este ano é óbvio que pretendia voltar. Teria sido melhor ter-se mantido como reserva, sem nunca ter fechado a porta. Optou por uma "estratégia do tabu", sem dar indicações claras se pretendia avançar ou não. E quando é assim, os apoios não surgem: dirigem-se mais facilmente para quem avança sem reservas. Por vezes os calculismos pagam-se caro: quando Jospin foi à procura de apoios, já não os tinha e teve de recuar. Para a história fica um grande político, protagonista de uma era de paz e progresso no mundo como poucas outras.

Sendo assim, agora é indispensável encontrar-se um candidato de esquerda capaz de vencer a eleição. Mas, primeiro – e se calhar mais difícil do que isso – é garantir que esse candidato chegue à segunda volta.

2006/11/17

Com o Beaujolais novo veio Ségolène

Quando escrevi a minha contribuição desta semana para o Cinco Dias, estava convencido de que as eleições primárias no PS francês seriam hoje. Mas não: já foram ontem. Se soubesse teria ajustado um pouco os tempos verbais. Mas a ideia principal, a minha opinião sobre os candidatos e a minha orfandade de Jospin, mantém-se.
Ségolène Royal foi portanto escolhida pelos militantes do PS como candidata à presidência da República no mesmo dia em que é provada (e vendida) a nova colheita do vinho Beaujolais. Que grande bebedeira deve ter sido na Rue de Solférino!

O meu texto Eu, órfão de Jospin, me confesso pode ser lido aqui.

2006/11/16

A América segundo Miguel Sousa Tavares

Tudo acontecia como nos filmes, era tudo rigorosamente verdade: aquela era verdadeiramente “ the land of the free”, um país onde a liberdade individual, a sensação de que se é absolutamente dono de si, do seu tempo, da sua vontade e do seu destino, era tal forma inebriante que era preciso um esforço de contenção diário para não se deixar ir atrás do fluxo, aparentemente sem nexo, das coisas e do tempo.


Um excelente artigo no Expresso, que eu encontrei aqui via Aspirina B. Está recheado de imprecisões históricas diligentemente colectadas por Joaquim Vieira, mas que em nada afectam a ideia principal do texto, como sempre muito bem transmitida. Que alguém se dê ao trabalho de expor estas imprecisões (algumas bem óbvias, outras nem tanto) sem ao mesmo tempo comentar sequer o conteúdo do (repito, óptimo) artigo só revela como o Miguel Sousa Tavares é objecto de inveja para muito boa gente. No caso de Joaquim Vieira, deve ter a ver com a extinta “Grande Reportagem”.

2006/11/15

A ciência de qualidade é “inconstitucional”?

Refiro-me a um lamentável artigo de António Fidalgo publicado no último domingo no “Diário de Notícias”. Sobre este assunto há alguns pequenos esclarecimentos a fazer.
Talvez não seja tanto assim com ciências sociais, mas em ciências naturais há uma grande diferença entre a divulgação científica e o fazer ciência a sério. A primeira deve ser, em Portugal, feita em português sempre que possível. A segunda, pelo contrário, presentemente só pode ser feita em inglês. Há uma questão essencial, que eu já aqui foquei várias vezes: a ciência de qualidade não tem (não pode ter) nacionalidade. Deve interessar (e, por isso, poder ser entendida) por qualquer especialista em qualquer lugar do mundo. Por isso inevitavelmente a ciência de qualidade tem de ser comunicada, entendida e avaliada (todas as três) numa “língua franca”, que hoje em dia só pode ser o inglês. Na eventualidade de mais ninguém no mundo entender a ciência do Prof. António Fidalgo que não uns lusófonos (ou espanhóis), só posso lamentá-lo. Mas o Prof. António Fidalgo tem de entender que é ele que tem de se adaptar aos padrões da ciência de qualidade (uma actividade global no sentido mais completo do termo), e não o contrário. A sua proposta é ainda mais anacrónica no contexto de Bolonha. Presentemente as melhores universidades europeias (incluindo supostamente “chauvinistas” universidades francesas) organizam-se para fornecerem formação avançada em parcerias. Obviamente em inglês.
O artigo chega ao ponto de utilizar argumentos que seriam inacreditáveis se não estivessem escritos e pudessem ser lidos, como de “constitucionalidade”. Cito ainda esta passagem:
“os falantes nativos têm acesso ao substrato de uma língua de uma forma que não têm os que a falam como segunda língua. O inglês enquanto língua franca não é o inglês das literaturas inglesa e americana, antes um inglês de superfície, onde as palavras e as expressões são despidas da sua profundidade histórica, do seu sentido múltiplo. É um inglês à Forrest Gump, de uma dimensão simplista e por vezes idiota. A síndrome de Asperger, de que essa conhecida personagem fílmica sofre, encontra o seu espelho na forma como o inglês é falado pela grande maioria dos que o falam como segunda língua: repetem os mesmos termos e expressões, ignoram segundos, terceiros e ulteriores sentidos, adquirem tiques estranhos, e é-lhes inacessível o humor e a ironia.”

Num artigo científico não há “humor” ou “ironia”. Há comunicação científica objectiva e rigorosa, que pode ser feita mesmo por quem nunca tenha lido Shakespeare e só tenha da língua conhecimentos técnicos (uma noção que pelos vistos escapa ao Prof. Fidalgo). Quem frequentemente parece o “Forrest Gump” a falar inglês nas conferências são cientistas de países onde certas concepções do Prof. Fidalgo prevalecem, nomeadamente havendo dobragens e não legendagem de filmes e séries na televisão, como a Itália ou a Espanha.
Esta posição de António Fidalgo pelos vistos não é de agora. Recomendo a leitura de uma resposta de António Granado a uma outra tomada de posição deste autor.

2006/11/14

Era bom que trocássemos umas ideias...

Exactamente no mesmo dia em que fui ver a peça do Mário de Carvalho ao Instituto Franco Português (entre os espectadores estava o próprio autor), a passada sexta feira, Pedro Correia no Diário de Notícias recolhe uma série de depoimentos sobre "o que é ser de esquerda". De todos o que mais gostei foi o de Carlos Brito:
É lutar pela igualdade tendo sempre presente que um valor essencial para isso é a liberdade.

A diferença entre um quiosque e a blogosfera

Indispensável igualmente o artigo de Pacheco Pereira no Público na passada quinta feira. Fica aqui um extracto.

Ah! Diz-me uma voz, mas estás a misturar tudo! Pois estou, é como fazem os que falam dos blogues misturando tudo, como Miguel Sousa Tavares e Eduardo Prado Coelho fizeram recentemente para se defenderem (o que é legítimo) de acusações e falsificações anónimas. É verdade que os jornais e revistas têm responsáveis e não são como as cartas anónimas, ou os blogues que funcionam como cartas anónimas, mas quando os primeiros transcrevem os segundos ficam iguais. No caso do Miguel Sousa Tavares, o que falhou foi a imprensa tradicional, que aceitou citar fontes anónimas, sem um julgamento de mérito. A notícia não é que um blogue anónimo acuse Miguel Sousa Tavares de plágio, a notícia é que Miguel Sousa Tavares cometeu plágio, se o tivesse cometido, e aí o autor da notícia devia fazer o seu próprio julgamento e só publicar caso esse julgamento fosse que sim. Não sendo, o blogue é como uma carta anónima, incitável e inaceitável. Foi isso que falhou e hoje em dia falha cada vez mais, porque a comunicação social escrita precisa de pretextos para violar as regras de que se gaba como sendo distintivas e, na Internet, encontra-os com facilidade, entrando depois facilmente na selvajaria. Está lá no computador, para milhões verem, por isso está "publicado", logo posso citar e levar a sério, sem ter responsabilidade.
O mal não está nos blogues em si, está na nossa incapacidade para ler e escrever blogues, como para ler e escrever jornais com uma decência mínima. O problema é mais comum do que se pensa, embora seja verdade que as pessoas se sentem mais impotentes para se defenderem da Internet do que no mundo da comunicação social tradicional, mas o que é crime cá fora é crime lá dentro.
Mas a reacção aos blogues, selvagens, inúteis, desviadores da atenção, perdulários do nosso tempo, oculta-nos muita coisa de interessante que está a passar-se diante dos nossos olhos e que não percebemos porque os vemos tão misturados como o Jornal do Crime está com o PÚBLICO no quiosque de jornais, ou como se o PÚBLICO para falar de ciência citasse o Guia Astrológico como fonte. Os blogues são apenas uma das pontas do mundo novo em que já estamos, uma pequena ponta, mas tão reveladora que mesmo estes episódios lesivos de Miguel Sousa Tavares (acusado de plágio) e de Eduardo Prado Coelho (que tem um texto falso a circular na Rede) são dele sinal. Ora nunca ninguém disse que era o Admirável Mundo Novo, a não ser os utopistas que pensam que as tecnologias mudam o mundo sem o pano de fundo das sociedades onde elas existem.

2006/11/13

Tão boas séries, tão má televisão

Tanto elogio os artigos do João Miguel Tavares que há-de chegar sempre um dia com um contraexemplo. Esse ocorreu na semana passada, com o artigo Tão boas séries, tão má televisão, onde contrapõe a (falta de) qualidade das séries do horário nobre dos nossos canais de sinal aberto com a excelência das do canal americano HBO. Mas antes de entrar em comparações infundadas, convém perguntar ao João Miguel duas coisas. Saberá ele que o canal HBO é de subscrição paga (e bem paga)? Conhecerá ele a programação dos canais americanos de sinal aberto durante o horário nobre? Só esta pode ser comparada, e não fica muito longe da portuguesa. Lá como cá, quem quer boa televisão paga-a.
A única coisa que a televisão portuguesa tem má (muito má) é o total incumprimento de horários, directamente relacionado com a extensão absurda dos telejornais. Tudo estratégias de contraprogramação. Aí, sim, temos um bom retrato do país que somos.
Fossem os horários cumpridos e eu não me importaria nada que as boas séries (como as da HBO) dessem às três ou quatro da manhã. Hoje em dia um videogravador já não se pode considerar um luxo.

2006/11/12

Uma viagem à Palestina

Passada a fase ultra-buarqueana, é altura de ler o que ficou por ler. Do mais recomendável que ficou por referir foi o relato da viagem à Palestina do Daniel Oliveira. A ler de uma ponta à outra. Deixo aqui dois extractos.

Jerusalém é um bom retrato (exagerado) do que está a acontecer à sociedade israelita (e à árabe, e à americana...). Os ortodoxos tomaram conta da cidade. Reproduzem-se a um ritmo alucinante, compram ruas inteiras, fecham ruas ao sábado, apedrejam quem se atreve a conduzir naquele dia e, paulatinamente, vão comprando todas as casas numa guerra de posições. (...) Alguns ortodoxos limitam-se a receber dinheiro do Estado para não fazer nada a não ser ler os textos sagrados. As mulheres de outros são obrigadas a rapar o cabelo depois de casar e usam peruca no seu lugar. Recentemente, um representante dos ortodoxos na municipalidade quis proibir homens e mulheres de viajarem no mesmo lugares dos transportes públicos. Se alguém tomasse esta gente por legítimos representantes dos judeus, toda a gente se indignaria. Com justiça. Só que quando se toma a minoria fanática islâmica pela voz dos muçulmanos, toda a gente acha normal. (...)

[Em Gaza] Com o encerramento das fronteiras, a maquinaria para fábricas não entra e não há investimento possível. Quando chegam ao mercado os custos de transporte representam o dobro dos custos de produção. Depois de verificados ao milímetro, e esperarem durante dias no porto israelita de Ashdod (os palestinianos têm de pagar a espera), os produtos só podem ser transportados por empresas israelitas certificadas. Elas aproveitam o monopólio e inflacionam os preços. Depois, em princípio, ficam semanas ou meses à espera na fronteira, ao sabor dos humores do oficial de serviço. Se forem perecíveis, já nem vale a pena saírem de lá. Os produtos de consumo de produção israelita entram, claro. Há que fazer negócio. Os preços são muito mais altos do que em Israel e os salários infinitamente mais baixos. O pouco que os palestinianos ainda conseguem produzir para exportação só sai depois de apodrecer. O funcionamento do porto em Gaza seria uma grande ajuda para os palestinianos. Mas os israelitas não permitem que ele reabra. Entre as duas partes dos territórios (Gaza e Cisjordânia) praticamente não existem movimentos comerciais possíveis.
Como ninguém entra ou sai, o investimento externo é uma miragem. Ninguém quer empatar dinheiro com tanto risco se nem pode ter contacto com o seu negócio. Os empresários de Gaza não podem ir a reuniões no estrangeiro, tratar de negócios. Estão presos. Um gestor explica-me: «Israel retirou mas continuamos ocupados, muito pior do que antes, estamos aqui presos e condenados à miséria. Somos pessoas educadas, preparadas para os nossos negócios. Não precisamos de caridade. Apenas queremos que nos deixem trabalhar.»
Há sete meses que os funcionários públicos de Gaza e da Cisjordânia não recebem um tostão. É Israel que colecta os impostos dos palestinianos. Desde que o Hamas ganhou as eleições que fica com eles. São dois terços do Orçamento da Autoridade Palestiniana que Israel rouba e usa para seu proveito. Só os médicos recebem: 300 dólares por mês. O resto, de professores a polícias, nada. Num território com mais de 3500 pessoas por quilómetro quadrado, o poder está na rua. Não há dinheiro mas não faltam armas. Estão três mil para entrar. E os EUA fazem pressão junto de Israel para que autorize. Quer armar a Fatah para uma provável guerra civil que se avizinha. Assim como quer que entrem mais homens para engrossar a guarda pretoriana do Presidente Abbas. A Europa (que paga tudo, das infra-estruturas que os israelitas se divertem a desfazer às ajudas ao governo) descobriu o ovo do Colombo. Vai criar um regime extraordinário em que o dinheiro é entregue directamente aos funcionários, através de bancos, sem passarpelo governo. Outra parte do dinheiro irá directamente para pagar a electricidade e água que Israel fornece à Palestina. Fica-lhes com os impostos e cobra-lhes pela energia.

2006/11/11

O concerto - conclusão

É mesmo verdade que Chico não parece sentir-se muito à vontade num concerto. Está sempre retraído, não se mexe. Mas comunicou com o público.Infelizmente o Chico do século XXI não consegue escrever clássicos como os de entre os anos 60 e 80. Chico nunca se enganaria a cantar um clássico, mas esqueceu-se da letra da “Ode aos Ratos”. Mais vale Chico concentrar-se nos clássicos. O público que esgotou o Coliseu seis noites em Lisboa fica à espera de um regresso.

2006/11/10

Algumas estatísticas do concerto

Todos os temas têm a assinatura do Chico Buarque, excepto Sem Compromisso.
O concerto baseou-se em canções do mais recente álbum Carioca e dos anos 80.
Clássicos dos anos 60, só Quem Te Viu, Quem Te Vê. Dos anos 70, Mambembe, Tanto Mar e João e Maria. Os clássicos ficaram ou para a introdução, ou para o encore. Os anos 90 também ficaram reduzidos a Futuros Amantes.
Exceptuando Carioca, o álbum de originais mais representado no concerto foi Vida, com quatro temas. Do Grande Circo Místico saíram três temas. De Uma Palavra saíram cinco canções, mas este é um álbum de versões (com arranjos semelhantes às que foram cantadas). Do álbum ao vivo em Paris também saíram cinco canções.

Para a posteridade

Fica aqui o registo de uma noite inesquecível.

Mambembe
Dura na Queda
O Futebol
Morena de Angola
Renata Maria
Outros Sonhos
Imagina
Porque Era Ela, Porque Era Eu
Sempre
Mil Perdões
A História de Lily Braun
A Bela e a Fera
Ela É Dançarina
As Atrizes
Ela Faz Cinema
Eu Te Amo
Palavra de Mulher
Leve
Bolero Blues
As Vitrines
Subúrbio
Morro Dois Irmãos
Futuros Amantes
Bye Bye Brasil
Cantando no Toró
Grande Hotel
Ode aos Ratos
Na Carreira

Encore:

Tanto Mar
Quem Te Viu, Quem Te Vê
João e Maria
Sem Compromisso
Deixa a Menina

2006/11/09

Encore

Aqui o meu show de karaoke foi completo, do princípio ao fim. Começou com Tanto Mar, segundo Chico uma “música antiga que marca a minha relação com Portugal”. A versão cantada foi a de 1975, a do “Sei que estás em festa, pá”. Não sei se já não disse isto, mas Chico não muda mesmo. E é muito bom. Foi por mim entoada em plenos pulmões.
Quem Te Viu, Quem Te Vê foi cantada com a delicadeza que a sublime letra exige:
Hoje eu vou sambar na pista, você vai de galeria
Quero que você assista na mais fina companhia
Se você sentir saudade, por favor não dê na vista
Bate palmas com vontade, faz de conta que é turista
João e Maria é presença habitual no final dos concertos de Chico. E quando tudo parecia que ia acabar, eis que regressa ao palco para acabar em beleza com Sem compromisso e Deixa a menina. Por trás de um homem triste há sempre uma mulher feliz. Era meia noite e o samba estava quente. Ficámos por ali, à espera de mais.

Na carreira

Uma boa escolha para o final de espectáculo.

Ode aos ratos

Uma das melhores músicas recentes de Chico e Edu Lobo. A letra, porém, nem sempre é muito natural, e não entra logo no ouvido, uma característica do Chico século XXI. Isso mesmo foi confirmado pelo próprio Chico. A certa altura era suposto ouvir-se qualquer coisa como

Rato de rua
Aborígene do lodo
Fuça gelada
Couraça de sabão
Quase risonho
Profanador de tumba
Sobrevivente
À chacina e à lei do cão


Mas não se ouvia cantar nada: só a música. Chico encolheu os ombros e só largou um “esqueci”, sem se desmanchar. A música continuou e Chico retomou no refrão. Mesmo assim considero este episódio bastante significativo.

Grande hotel

Uma parceria com o baterista Wilson das Neves que, apesar da idade, ainda deu um passinho de dança e mostrou estar bem em forma. O desengonçado Chico nem tentou acompanhá-lo: mal se mexia. Pouco antes ocorrera um remoque ao João Miguel Tavares: “li nos jornais que eu não falo com o público, que eu nem me mexo”… Chico justificou-se com os fones, que poderiam cair.

Futuros amantes

Uma bela canção de amor, melhor que o “Eu Te Amo”. Mais simples, mais directa, mais convincente. Claro que a cantei toda: “Não se afobe não que nada é para já, amores serão sempre amáveis…” De 1993. Carioquíssima, tal como as anteriores, “Subúrbio” (de 2006) e “Morro Dois Irmãos” (de 1989).

As vitrines

Uma presença habitual nos concertos de Chico (ou pelo menos nos discos ao vivo). Umas vezes ele canta “captando a poesia que entornas no chão”; outras, como ontem, “catando”. Eu sei que se a poesia é entornada no chão, é mais lógico ser “catada”. Mas eu prefiro o “captando”. Catar não é nada poético!

2006/11/08

Eu te amo

Conheço várias pessoas que consideram esta a mais bela canção de amor alguma vez escrita. Não concordo. Quando muito, é talvez a mais carnal das canções de amor, com versos como “se nos amamos feito dois pagãos/teus seios ainda estão nas minhas mãos” ou “se na desordem do armário embutido/meu paletó enlaça o teu vestido/e o meu sapato ainda pisa no meu”. Chamem-me lírico, mas nesta canção o meu verso preferido é mesmo o “meu sangue errou de veia e se perdeu”. É uma canção para relações bem maduras; não é a canção ideal para começar uma relação. Eu deveria ter-me apercebido disso naquele recital de poesia na Casa de Portugal da Cite Universitaire de Paris, quando a recitei do princípio ao fim. Ontem, obviamente, voltei a cantá-la sem me enganar.
Seguiu-se Palavra de Mulher, a única canção da Ópera do Malandro neste espectáculo. Também a cantei toda.

O relato continua amanhã.

Ela É Dançarina

Regresso ao álbum Uma Palavra, de 1995. Também estava particularmente curioso com esta música, escrita em 1981 e que se refere ao ano 2001 no futuro. Sempre julguei que o Chico Buarque nunca mais a cantasse e que ela passasse à história. Afinal enganei-me: na sua primeira digressão no século XXI, Chico não perdeu a ocasião de a cantar. E com a letra inalterável: "no ano 2001, se juntar algum, eu peço uma licença...". Confirma-se: Chico não muda. E é muito bom.
Começou com esta canção o meu karaoke particular. A letra não mudou, como disse, e esta foi a primeira canção que eu cantei do princípio ao fim. Não errei.

A história de Lily Braun

O concerto entrava na sua melhor fase, com uma incursão no reportório do Grande Circo Místico, parceria entre Buarque e Edu Lobo. Esta Lily Braun foi a canção mais dançante. Seguia-se A Bela e a Fera. Antes, a excelente Mil Perdões.

Imagina

A homenagem a Tom Jobim. Imagina foi a primeira composição do “maestro soberano”. Só várias décadas mais tarde Chico viria a escrever a letra. Jobim brincava com a letra: em vez de “abre a porta para a noite passar”, cantava “abre as pernas para eu entrar”. Não pude deixar de me recordar desse facto durante o concerto.

Morena de Angola

Esta era uma daquelas canções que eu aguardava com mais curiosidade. Será que o verso final se mantinha como o original de 1980? Mantinha-se, sim senhor: “Morena bichinha danada, minha camarada do MPLA”. Ah, esse coração encarnado, Chico…
Em resposta a esta canção Caetano Veloso canta em “Língua”: “…e que o Chico Buarque de Holanda nos resgate e – xeque-mate! – explique-nos Luanda!” Luanda continuou por explicar por parte do Chico Buarque. O Chico não muda. E continua muito bom.

O Futebol

Chico teve a feliz ideia de cantar várias canções que incluiu no excelente álbum Uma Palavra de 1995, com arranjos do Luís Cláudio Ramos e gravado com a mesma equipa que o acompanha há anos. A primeira dessas canções, “para delírio das gerais no Coliseu”, foi O Futebol. Boa escolha. Cenário a condizer com a letra.
No final, Chico recordou que tinha um coração encarnado (por várias razões, mas uma delas deveria ser para alegrar a Ana Sá Lopes), mas dedicou a canção… ao Anderson, do FC Porto! Ponto a favor do Caetano, que no velho estádio de Alvalade cantou o Leãozinho com um cachecol do Sporting.

Dura na Queda

A melhor canção do recente álbum Carioca, bem emparelhada com Mambembe, em mais um daqueles encaixes que o arranjador Luís Cláudio Ramos descobre.

O concerto: Chico Buarque, Coliseu de Lisboa, 06/11/06

Segue agora um relato. Para facilitar a leitura, será dividido em várias entradas.

(Toda a informação relativa às músicas está disponível na página do Chico Buarque, em "obra".)

2006/11/07

Uma verdade conveniente


«Do it because the ice is melting in the Arctic, in Greenland and all over the world, and unless we take on the climate crisis soon, we could cross a point of no return.

Do it because the war in Iraq is a disaster, and our brave men and women who are fighting and dying there need an honorable and speedy path home.

Do it because in the wealthiest nation in the world, there are millions of kids who can't go the doctor when they get sick because they don't have health care.

Do it because President Bush and this Congress have chipped away at our fundamental rights-rights guaranteed every citizen-that make our country a beacon of freedom. Do it because our government shouldn't be able to wire-tap innocent citizens without a warrant.

Do it because of Abu Ghraib. Do it to tell the world that America won't sanction torture-and we fire the politicians who do. That's the real no-brainer.

Do it because five years after September 11th, President Bush and the Republican Congress have made us all less safe.

But most of all, do it because the country we all love needs our help. Our democracy is in trouble. America needs you.»

Mensagem de Al Gore aos membros do movimento MoveOn.

Obrigado Chico!

Mas alguma vez era possível não gostar disto?

Tanto Mar

Amanhã segue-se um relato pormenorizado do concerto.

(Nota: Há mais uma data suplementar. De quatro concertos inicialmente previstos em Lisboa, já vamos em seis. É amanhã. Nuno, não queres apanhar um avião?

2006/11/06

Em estágio auditivo e mental: concentração para o grande evento (5)


Eu te amo e Palavra de Mulher

Finalmente chegou o dia do concerto. E se eu não gostar?

Pouca música ouvia na minha adolescência. Limitava-me a ouvir o que estava nos tops e passava na Rádio Cidade, e nunca fui de comprar discos nem de os receber. Até que, no 12º ano, uma amiga minha me emprestou dois vinis muito antigos (dos pais dela) que viriam a mudar a minha vida: Caetano e Chico Juntos e Ao Vivo e Chico Buarque e Maria Bethânia ao Vivo (o gravado em Portugal, com Tanto Mar cantada). Nunca me fartei de os ouvir até entrar para o Técnico, onde outro amigo meu me emprestaria mais vinis dos pais, ainda dos anos 60 e 70 (com A Banda lá metida). De seguida emprestou-me uma cassete com uma colectânea que incluía O Que Será, Construção e Vai Passar. Outra colega emprestou-me uma cassete com o concerto ao vivo em Paris (mais O Que Será, Vai Passar - finalmente eu percebia esta espantosa letra - e ainda João e Maria).
O meu amigo e ex-colega de blogue André finalmente abriu-me os horizontes para o Caetano Veloso no quarto ano de curso. Mas o importante é que durante quatro anos da minha vida eu praticamente só ouvi Chico Buarque. (Graças ao André, os quatro anos seguintes foram bem mais diversificados: passei a ouvir o Caetano sem deixar de ouvir o Chico). O Chico foi o meu primeiro ídolo, e ainda hoje para mim não há outro como ele.
Hoje há um concerto do Chico Buarque. Sempre sonhei com um concerto do Chico Buarque em que ele cantasse os clássicos, que eu sei de trás para a frente, para eu poder cantar com ele. Mas pelo que já li na imprensa e vi no YouTube, os clássicos serão reduzidos ao mínimo. Para além de se basear sobretudo no último álbum, o concerto vai buscar temas dos anos 80, sobretudo parcerias com Edu Lobo.
Só vi uma vez o João Gilberto ao vivo, em Nova Iorque, no Carnegie Hall. É provável que não volte a ver o João ao vivo, mas o concerto foi perfeito. Tudo o que eu queria. Tudo o que se podia querer.
Tenho receio de que este seja o último concerto do Chico Buarque em Portugal, como escreveu o João Miguel Tavares. E que não seja este o concerto que eu queria.
Hoje vou finalmente a um concerto do Chico Buarque. Há muitos anos que ando à espera deste momento. E estou nervoso como um caloiro que vai fazer um exame ou um virgem que vai ter relações sexuais. E se eu não gostar? Fará mais alguma coisa sentido?

A crónica do blasfemo pasmado

Dois blasfemos ao almoço ficaram muito admirados pelas cheias que nos últimos anos têm repetidamente assolado Portugal, cada vez com maior frequência. Mas nós julgávamos que naquele blogue sabiam tudo sobre o assunto. Que era tudo absolutamente normal e esperado, não tendo nada a ver com a actividade humana. E afinal julgavam que era só lá nos EUA, o Gore e o Katrina... Ou na Amazónia. Mas não em Portugal, país "de clima ameno". Face ao cenário dos últimos dias, entreolham-se, pasmados, no intervalo do repasto, e encolhem os ombros, admirados: "Que país este!"
Espero que tenham feito bom proveito. Entretanto já experimentaram ler o relatório Stern? Não leiam só o vosso blogue! Experimentem ler por exemplo aqui.

2006/11/05

Em estágio auditivo e mental: concentração para o grande evento (4)


Sem compromisso (de Geraldo Pereira e Nelson Trigueiro) e Deixa a menina. Como no CD ao vivo em Paris (1989), só que sem Mestre Marçal, entretanto falecido. Dedicado ao Nuno, que bem gostaria de ir ver o concerto se por cá andasse.

Ir ao concerto desta vez como se fosse o último

Um artigo de João Miguel Tavares, excelente como sempre, que exprime exactamente como eu me sinto e que transcrevo aqui na íntegra. Tiro a limpo amanhã à noite no Coliseu de Lisboa.

Chico Buarque em Portugal, "para ver antes que acabe"

João Miguel Tavares

Há ideias que já fazem parte da mitologia buarquiana. Ideias como "Chico Buarque é um homem tímido" ou "Chico Buarque não gosta de estar em cima de um palco". Mas o músico que se vai apresentar em Portugal a partir de hoje, para uma série de nove concertos (ver caixa), é um homem diferente daquele que actuou pela última vez em Lisboa, há 13 anos. O Chico século XXI já se move à vontade entre jornalistas, desprende charme com a precisão de um relojoeiro e dos espectáculos ao vivo chega mesmo a dizer: "Já sinto um certo prazer."

Chico não vinha a Portugal (para cantar, bem entendido) desde o disco Paratodos (1993), já que a digressão que se seguiu ao álbum As Cidades (1998) só atravessou o Atlântico em DVD. Agora veio, e, pelo que se conclui diante da abundância de salas cheias, muitos milhares continuam à sua espera. Aliás, fizeram- -lhe essa pergunta na conferência de imprensa de quinta-feira, no 19.º andar de um hotel de luxo lisboeta, junto às Amoreiras : "Como explica esta enchente de concertos em Portugal?" Ele respondeu: "Acho que as pessoas pensam: 'É melhor ver antes que acabe.'" E depois disto soltou uma longa gargalhada, embora sem explicar se tanto riso se deveu a ter achado a ideia absurda ou, pelo contrário, absolutamente plausível. Eu voto plausível.

Por isso, se alguém procura um conselho, os bilhetes são caros mas valem o investimento. O que se vai poder ouvir é: todas as 12 canções do seu novo álbum, Carioca; um tema de abertura de concerto retirado do espólio da melhor música brasileira - Voltei para Cantar, de Lamartine Babo; um alinhamento de mais 16 canções compostas sobretudo nas décadas de 80 e 90; entremeado de uma ou outra pérola escondida e nunca apresentada ao vivo, como Mambembe, de 1972; e ainda espaço no encore para clássicos como Sem Compromisso, Deixe a Menina ou Quem te Viu, Quem te Vê; e a despedida de cena ao som de João e Maria, esse notável hino surrealista para criancinhas.

Se for como no Brasil vai ser assim, e tendo em conta o rigor - há quem lhe chame rigidez - de Chico em palco não deve haver grande lugar para improvisações. Aliás, os ecos menos simpáticos da imprensa brasileira a propósito do novo show do cantor criticam precisamente os arranjos conservadores - da responsabilidade do seu velho cúmplice Luiz Cláudio Ramos -, a ausência de uma nesga que seja de improvisação e as poucas falas de Chico em palco. Portanto, se alguém quiser fazer Carnaval, convém procurar outro brasileiro.

Mas as mesmas críticas também admitem que os concertos de Chico acabam sempre da mesma maneira: público de pé, chuva de palmas, plateia em delírio. É inevitável: a mitologia buarquiana supera as suas próprias limitações. Chico é Chico, independentemente de já ter assinado discos mais inspirados, de já ter composto canções mais perfeitas, de já ter sido mais livre e sonhador, de já ter tidos os olhos mais verdes e a pele menos enrugada. Chico é Chico. É melhor ver antes que acabe.

2006/11/03

Em estágio auditivo e mental: concentração para o grande evento (1)



O que será, O futebol, Ela é dançarina, Mambembe e Dura na queda (do último álbum, Carioca).

Lula de novo com a força do povo


Atendendo ao simpático convite, hoje podem encontrar-me no Cinco Dias.

2006/11/02

Pós Halloween, pós Todos-os-Santos

Terça à noite Lisboa estava cheia de adeptos de futebol às riscas horizontais verdes e brancas. Eram os chamados "leões de Lisboa", mas não são leões nem de Lisboa. Faziam uma grande festa.
Ontem à noite estavam mais caladinhos.
A festa dos verdadeiros leões de Lisboa, de verde e branco equipados, ainda está para vir.

2006/11/01

Pós Halloween, pós Père Lachaise

É altura de recordar mais uma vez uma série de televisão da minha predilecção, também ela defunta. Já o tinha feito há dois anos, só com som. Agora, graças ao YouTube, posso mesmo ver o vídeo todo! Vejam pelo menos os primeiros dois minutos e meio.

2006/10/31

O estado português e o estado checo

Não tenho propriamente pena dos estudantes de Medicina portugueses a estudarem na Universidade Charles, em Praga, na República Checa. Dou-lhes os parabéns pelo espírito de iniciativa e por terem sido acolhidos por uma das melhores universidades europeias. Muito provavelmente, adquirirão uma formação melhor e serão muito melhores profissionais do que se fossem formados numa universidade portuguesa – falo a sério. Tive colegas checos e eslovacos no meu doutoramento e pude verificar a excelência da sua educação – durante o período comunista, numa universidade pública, é bom que seja dito. Depois da democratização da sociedade a excelência da Universidade foi preservada, e o seu estatuto também – pública. Do Estado. É por isso que leio com um sorriso quem – como o André Abrantes Amaral – aproveita esta oportunidade para criticar “o Estado”, mais uma vez. Será que o André não sabe que aqueles estudantes estão numa Universidade “do Estado” (checo – é claro)? Será que o André não vê que o problema não está “no Estado” – o problema está em Portugal, nos portugueses e no seu corporativismo?

2006/10/30

António Lobo Antunes: relato de uma visita a Israel

Extracto de uma entrevista à Pública de ontem:

R.- O horror do aeroporto. A bagagem, o interrogatório. Mostrei a carta a explicar por que ia lá, mesmo assim continuaram, os livros eram vistos página a página... Depois o clima permanente de medo. Depois a sensação de que aquele Estado foi criado sobre o ódio. O ódio dos alemães. O Holocausto, sempre, sempre, sempre. Levaram-me a um bairro alemão. E eu perguntei ao senhor que estava sempre comigo: "Então e os alemães?" "Ah, isso corremos com eles todos."
Como me chocou, por exemplo, dizerem que não tinham relações sexuais com não-judeus.
P.- Mas quem é que lhe disse isso?
R.- Esse senhor. E não foi só ele. Como me chocou, por exemplo, se sou judeu posso ir para lá morar, mas se sou judeu etíope só aceitam 300 por ano. Como me chocaram os sábados, aquilo tudo deserto, com os carros que não se podem guiar. E depois não era nada do que eu esperava, pensava que a Terra Prometida fosse muito bonita. São pedras e areia. Tudo amarelo...

Noutra parte da mesma entrevista:
P.- Quando ganhou o Jerusalem Prize, no ano passado, hesitou antes de ir?
R.- Não. Porque vinha acompanhado da garantia de que eu podia chegar lá e dizer o que quisesse em relação ao problema palestiniano, que me indigna muito. E não falei sobre isso.
P.- Mas porque não quis.
R.- Não quis ser indelicado. Era um convidado. Naqueles dias era a pessoa mais importante que lá estava. Tinha aquela segurança toda, o primeiro-ministro... Não quis. Achei que era indelicado. E achei que não era altura. Falei sobre isso com um amigo meu, o Amos Oz. E não gostei da posição que ele agora tomou, pró-guerra [no recente confronto entre Israel e o Hezzbollah libanês]. Nem entendo. Somos amigos, gosto muito dele.

Não esperava que um homem polémico como António Lobo Antunes padecesse do mesmo mal português tão comum que é o evitar conflitos a todo o custo (sem se aperceber de que muitas vezes assim se geram os maiores problemas). Desde quando é que expressar uma opinião sobre um assunto é indelicado? É claro que há formas indelicadas de expressar uma opinião, e isso eu compreendo que Lobo Antunes evite, principalmente sendo um convidado. Agora, não a exprimir de todo? Preferir calar-se para "não arranjar problemas" (para si mesmo), mesmo se esses problemas existem (e se muita gente em Israel os denuncia)? Preocupar-se mais consigo mesmo do que com os mais fracos? Não querer afrontar os poderosos?
O que me impressiona mais é que quem toma esta atitude é um escritor que, em Portugal, não tem papas na língua (a entrevista à Pública é só um exemplo). Subserviente fora de casa; em casa, dá-se ares de muito bravo. "Na guerra és vil, na cama és frouxo", já cantava o Chico Buarque do português de Calabar. Há atitude mais portuguesa que esta? António Lobo Antunes merece ser nomeado para o título de "português mais português".

2006/10/29

Voto no Lula (II)

Um sindicalista fala de um ex-sindicalista. E diz tudo:

“Volta a apoiar Lula da Silva nas presidenciais brasileiras de amanhã?”

Manuel Carvalho da Silva, secretário-geral da CGTP, responde (na revista “Notícias Sábado” de 30 de Setembro):

“Sim! O Brasil ficou menos desigual; o FMI deixou de definir a sua política; Lula devolveu presença qualificada do Brasil e da América Latina na cena internacional; com a sua iniciativa e as alianças que estabeleceu, os países pobres passaram a ter uma voz mais forte.”

2006/10/28

Peter van Nieuwenhuizen e os cálculos da supergravidade


Peter foi um dos inventores da supergravidade, na vila de Stony Brook, em Long Island (Nova Iorque), passam agora 30 anos. As teorias da supergravidade representam a extensão supersimétrica da relatividade geral de Einstein, tendo sido pioneiras na unificação da gravidade com as outras interacções. O limite de baixas energias das teorias de supercordas é uma teoria de supergravidade.
Em Paris Peter recordou a história, que envolveu muitas noites e muitos cálculos. Um empreendimento gigantesco e uma das grandes conquistas do espírito humano, reconhecida com a medalha Dirac e o prémio Heineman para os seus protagonistas. Peter trouxe consigo de Stony Brook os exemplares originais de alguns cadernos contendo os cálculos da supergravidade, objectos míticos e recheados de histórias para um aluno de doutoramento naquela universidade. No seu seminário transpareceram o entusiasmo e a energia que tornaram Peter reconhecido entre os seus pares de todo o mundo, dos EUA à Rússia então soviética.
Foi bom reencontrar em Paris um dos meus grandes mestres e verificar que continua sempre em forma.

2006/10/27

O Père Lachaise e as vaidades

Há então duas categorias nos cidadãos enterrados no cemitério Père Lachaise: os cujo túmulo vem assinalado nas plantas distribuídas, e os cujo túmulo não vem assinalado (a grande maioria). Mas como referi anteriormente, os túmulos das celebridades estão sempre rodeados por uma grande porção de gente. É interessante a comparação: será que os túmulos assinalados no guia são os que têm mais guias? Nem por isso. Vi muitas celebridades cujos túmulos não tinham ninguém a vê-los. Mas vi mais. Vi também o oposto: túmulos de gente que não era muito famosa (pelo menos para mim) rodeados por multidões. Como é o caso da jovem Edith da fotografia, que tinha mais gente à sua volta do que a Piaf. Uma vez mais os gostos do público e do “júri” não coincidem, como sucede muitas vezes nos concursos televisivos.
Fiquei curioso por saber quem seria a tal Edith, cuja campa era objecto de peregrinação. Segundo descobri, tratava-se de uma jovem cantora morta precocemente. Pode não ter para já (e duvido que alguma vez tenha) o seu nome no guia do cemitério. Mas fãs mais dedicados do que os seus eu não vi.

2006/10/26

Père Lachaise

Em França, e especialmente em Paris, pode encontrar-se muito que nos parece déjà-vu, quiçá démodé, mas que é pioneiro. E esse papel histórico ninguém pode negar aos franceses: foram eles que inventaram muita coisa que hoje nos parece bien connue, vulgar e corriqueira, mas que não havia... antes de eles a terem inventado. Só que em França tudo é vistoso e por vezes mesmo exagerado; tudo tem de ser épatant. E não há nada mais épatant do que o cemitério do Père Lachaise.
O cemitério do Père Lachaise, no vingtième arrondissement, é um autêntico museu dos mortos e dos túmulos. Sobretudo dos túmulos, que constituem o mais espectacular que o cemitério pode oferecer ao visitante anónimo. Há ali túmulos que são obras-primas da arquitectura, ou da escultura.
Não é porém isso que torna este cenitério tão conhecido. A principal razão por que este cemitério é tão famoso e visitado, estando sempre cheio de turistas e vindo mesmo nos guias, é a quantidade de gente famosa, francesa e não só, das letras, das artes, da ciência, da política, que lá está enterrada, de Edith Piaf a Jim Morrisson, de Pissarro a Oscar Wilde. Os túmulos destes famosos são em geral reconhecíveis por estarem rodeados por uma pequena multidão. Fui-me aprecebendo disso até que, usando este mesmo critério, cheguei a um túmulo desconhecido. Antes de que eu me pudesse aperceber fosse do que fosse, um dos membros da turba pediu-me desculpa, mas disse-me que se tratava de uma “cerimónia privada”. Nem me tinha apercebido de que havia gente a rezar. No cemitério do Père Lachaise também há gente vulgar. A gente é que, rodeada por tanta história, tanta arquitectura, tanto design e tanta fama, até se esquece disso.

2006/10/25

Cláudio Tellez, um português livre

Surgiu um novo “blogue do não”, desta vez associado ao referendo da despenalização da interrupção voluntária da gravidez. Dando a cara pelo “não”, encontramos algumas das figuras mais esperadas, conhecidas na blogosfera conservadora portuguesa. Alguns dos blogues onde estes autores escrevem são explicitamente referidos como “blogues alinhados”. Sem nenhuma surpresa encontra-se entre os autores o nosso bem conhecido André Azevedo Alves, cujo “liberalismo” só é válido para questões económicas. Mas curiosamente o Insurgente, que devido à obra do AAA é o blogue português mais proselitista, não surge como um “blogue alinhado”. Querem ver que o “colectivo insurgente” afinal é colectivo, existindo respeito pelas posições individuais de cada membro? Quem será então o (ou “os”) insurgente(s) a favor da despenalização do aborto?
Outro insurgente que dá a cara pelo “não” é Cláudio Tellez, um matemático católico chileno radicado no Rio de Janeiro e conhecido pelas suas posições abonatórias relativamente a Augusto Pinochet. Eu não quero de forma nenhuma pôr em causa o direito do Cláudio ou de um cidadão de qualquer outra nacionalidade de participar no debate sobre esta questão: mesmo se este debate diz respeito à situação portuguesa, a questão do aborto é universal, e é enriquecedor comparar com experiências de outras paragens. O estranho é que o “blogue do não” se autointitula “um blogue de portugueses livres”! Já sabíamos que o conceito de “liberdade” para os nossos liberais é bastante bizarro, e os “portugueses livres”, de acordo com o conceito de liberdade deles, são (felizmente) muito poucos. Mas serão assim tão poucos os “portugueses livres” que dizem não à despenalização do aborto que, para fazerem um blogue, até têm de chamar “português livre” a um chileno simpatizante de Pinochet? A menos que haja alguma ligação entre o Cláudio e Portugal que eu não conheça. Em qualquer dos casos eu gostaria de perguntar ao “português livre” Cláudio Tellez: ó pá, qual é o teu prato de bacalhau favorito?

2006/10/24

De volta o véu islâmico

A questão do véu islâmico volta a estar na ordem do dia, desta vez por causa das declarações do ex-ministro britânico Jack Straw e da decisão de uma escola suspender uma professora que insistia em dar aulas com a cara totalmente coberta, uma decisão mais tarde confirmada pelo tribunal.
Como bem afirmou Romano Prodi, primeiro-ministro italiano, quando falamos com uma pessoa queremos vê-la olhos nos olhos. Não queremos que ela se esconda. “É uma questão de bom senso.” Será assim tão complicado perceber?
Convém esclarecer que não considero que a proibição do véu islâmico nas escolas públicas seja uma discriminação de nenhuma espécie. A ostentação do véu é que é uma discriminação que a mulher islâmica se auto-impõe (ou, na maioria dos casos, lhe é imposto pela sua comunidade). Tal como o uso da kippah por parte dos judeus. Mas nas escolas públicas tais ostentações não são aceitáveis (tal como não são aceitáveis os símbolos católicos como o crucifixo). Uma das funções essenciais da escola pública é ensinar que a religião deve ser uma opção livre do cidadão, que não deve ser imposta pela sociedade e nem pela família. Diz-se que o véu islâmico faz parte da “identidade” destas mulheres. Nada mais perigoso e, isto sim, atentatório contra a liberdade individual. É um papel essencial da escola pública ensinar que a religião é uma escolha própria que deve ser livre e que não pode nunca e sob nenhuma circunstância servir para “definir” a identidade do indivíduo perante o Estado ou perante a sociedade. A escola pública não pode ser neutra nestas matérias; se fizer concessões neste aspecto, com que moral se rejeitará o ensino do criacionismo? Este é um assunto da maior importância.

2006/10/23

Cidade das ciências e da indústria


A Cité des Sciences et de L’Industrie de Paris fez no fim de semana passado 20 anos. Aproveitei para a visitar por dentro pela primeira vez e deliciar-me com uma demonstração experimental da curva de Gauss com graves em queda em direcção aleatória, simulações de movimento browniano, o caos determinista num simples moinho de água... Pude ainda prever as velocidades de escoamento de fluidos conforme o formato do recipiente, fazer experiências de acústica e óptica... Tudo isto eu mesmo. Com as minhas próprias mãos.
O conceito deu origem a iniciativas como a do Pavilhão do Conhecimento, em Lisboa, associado ao programa Ciência Viva. Só é pena que se a Cité des Sciences et de L'Industrie é hoje um dos sítios mais visitados de Paris, o seu equivalente em Lisboa seja muito pouco conhecido. A diferença está na atitude dos públicos. Mas está também em grande parte na programação. A Cité des Sciences et de L’Industrie é um local de referência para a divulgação científica, contando frequentemente com a presença de investigadores franceses a divulgarem o seu trabalho ao público (era só por isso que eu já a visitara antes). Tal não se costuma passar com o Pavilhão do Conhecimento. Globalmente a ciência francesa, para além de ser muito mais competitiva do que a portuguesa, está muitíssimo mais perto do público, sendo por isso mais influente junto da opinião pública. Não digo que os responsáveis do Programa Ciência Viva não façam tudo o que podem para melhorarem a situação portuguesa, mas estes exemplos demonstram que ainda há muito a fazer.