2007/01/31

Pompidou


Um pedaço de Nova Iorque bem no coração de Paris. Projectado no rescaldo do Maio de 68 para ser um espaço de "hiperconsumismo cultural", o Centro Georges Pompidou foi inaugurado faz hoje 30 anos. Venham outros.

2007/01/30

O maior político português de sempre



...fala hoje no São Luís. Eu vou largar tudo, vou já para lá e espero ainda arranjar lugar.
Vou ao São Luís mas não tive tempo de ir ao segundo dia da defesa de tese do doutor do dia, a quem deixo aqui os parabéns. Mas sei que ele me perdoa.

Ó AAA, é preciso chegar a este ponto?

Do Público de hoje:
SMS anónimos levam a voto involuntário em Salazar
Maria Lopes

Produção do programa diz que é "uma forma de pirataria", mas o sistema só permite um voto por cada número de telefone

"Por favor ligue-me: 760102003." A mensagem, sem identificação do remetente ou qualquer outra informação além desta frase, anda a ser enviada há alguns dias para inúmeros telemóveis. Quem responde ao apelo apercebe-se, três segundos depois, que acaba de votar em António de Oliveira Salazar no âmbito do programa da RTP Os Grandes Portugueses.

2007/01/29

Supermercados contra a inflação

Quando estava em França, achava politicamente muito pouco neutro o slogan do Carrefour “baixar os preços e aumentar o nível de vida em França é possível”. Parecia-me ver ali um apoio implícito ao governo. Mas, e que dizer do presente slogan em Portugal: “O Pingo Doce lidera o combate à inflação”?

2007/01/28

A Economia que não lhes interessa

No local onde trabalho, de segunda a sexta feira é assinada a edição em papel do Público, que é disponibilizada na sala de café para ser lida pelos investigadores.
Ao fim do dia, pelas 20:00, já não se encontra o Público na referida sala. Julgava que fosse recolhido para a reciclagem, mas isso poderia ser feito no dia seguinte. Provavelmente ao fim do dia alguém - investigador, contínuo, secretária, não sei - leva o jornal para o ler, depois de ter estado disponível durante todo o dia. Não leva, porém, todo o jornal. Às sextas feiras, o jornal traz muitos suplementos e tem muito que ler. Se se quer ler o corpo principal do jornal, o Mil Folhas ou o Y, tem de se ir durante o dia. Mas há um suplemento que é sempre sistematicamente deixado por quem leva o jornal na sexta à noite, ficando ali esquecido durante o fim de semana. Refiro-me à Dia D. Desculpem; enganei-me na hiperligação: é aqui.

2007/01/26

Jay Leno e as "lojas de chineses"

Noutro dia preparava-me para assistir à entrevista ao Barack Obama no programa do Jay Leno, desde este ano em exibição no canal SIC Mulher. Depois do monólogo de stand-up comedy inicial, há aquela altura em que o Jay goza com erros ortográficos e gramaticais. Desta vez deu-lhe para olhar para os artigos que se compram nas lojas que, nos EUA, se chamam “de 99 cêntimos”. Está certo que o equivalente deste tipo de comércio em Portugal é frequentemente explorado por chineses. Mas não é esta etnia que detém o exclusivo deste sector do comércio. E nos EUA ainda menos – os chineses detêm um comércio muito mais diversificado, e existem muitas “99 cent stores” que não são exploradas por chineses. Ainda mais falando o Jay Leno num contexto americano, não é de todo correcto traduzir “99 cent store” por “loja de chineses”, principalmente existindo em português uma designação que, apesar da conversão ao euro, continua a ser usada desde o tempo do escudo, quando estas lojas cá apareceram: a “loja dos trezentos”. Parece-me uma designação muito mais correcta do que “loja dos chineses”. Mas a tradução que apareceu no programa foi mesmo “lojas dos chineses”. E não foi só uma vez. O Jay gozou com muitos produtos de 99 cêntimos – baixa qualidade, erros ortográficos e tal -, e cada um deles era identificado na legendagem como “mais um daqueles produtos das lojas dos chineses”. Assistimos na legendagem a um festival de achincalhamento gratuito das “lojas de chineses”, que não tinha nada a ver com o que era falado.
Um pormenor elucidativo ainda estava para vir. Houve uma altura em que o Jay Leno apontou um erro ortográfico crasso num brinquedo para miúdos de muito tenra idade. De seguida acrescentou “fortunately at this stage children can’t read”, ou seja, felizmente as crianças que supostamente utilizariam o brinquedo ainda não tinham idade para ler. Sabem qual foi a tradução na legendagem? “Felizmente os miúdos hoje em dia são uns analfabetos”!!!
Entre os responsáveis pela legendagem deve haver algum militante do PNR.

(PS – And now, for something completely different: quem terá sido a cabecinha que teve a ideia de programar o Jay Leno e o Conan O’Brien exactamente à mesma hora, em dois canais temáticos da SIC – SIC Mulher e SIC Radical, que deveriam ser complementares e não estar em concorrência directa -, sabendo que o público alvo de ambos os programas, nos EUA e ainda mais em Portugal, é exactamente o mesmo? Vamos corrigir isso?)

Publicado originalmente no Cinco Dias.

Jay Leno e Barack Obama

Podem ver extractos da entrevista do Barack Obama ao Jay Leno aqui:

2007/01/25

“Uma valente cacetada nas trombas”

Afasta-se um dia o supranumerário Azevedo Alves da escrita, e o resultado no Insurgente é isto – disparates, momentos de autismo e incitamentos à violência:
«quem estiver por perto deve assestar-lhe uma valente cacetada nas trombas com qualquer coisa que tenha à mão e enchê-lo de alcatrão e penas.»
Quem ler, de repente, nem acredita que é este o blogue que, há uns meses, chamava “bárbaros” aos estudantes parisienses que protestavam contra o CPE. São “coisas”... “Há dias assim...”, pois há. É o que dá quando o caricaturista de serviço tenta escrever alguma coisa - revela-se a verdadeira face da direita trauliteira.
Uma vez regressado do retiro espiritual, o supranumerário Azevedo Alves volta a pôr a ordem na casa. E logo com um texto dos mais ilustrativos da hipocrisia do moralismo beato. O Nuno Ramos de Almeida não tem nada (que eu saiba) a ver com o “Sim no referendo”, e não apela ao voto em nenhum candidato a “Grande Português” – só revelou o seu sentido de voto. O André Azevedo Alves divide a sua actividade bloguística entre fazer campanha pelo Salazar como “Grande Português” (no Insurgente) e pelo “não” à despenalização da IVG. Aplicando – com muito mais propriedade – a sua lógica, será que no Blogue do Não não se incomodam de contar com o contributo de um salazarista?

2007/01/24

As telenovelas e o aborto

Infelizmente não é só por isto que a telenovela Páginas da Vida deve ser falada. Na história o pai da criança sugere um aborto, mas a mãe quer prosseguir com a gravidez, mesmo tendo dificuldades financeiras e familiares. Ainda bem, se ela quer ter um filho. O aborto jamais deve ser feito contra a vontade da mãe. Cada capítulo da novela inclui ainda uns segmentos finais com depoimentos verídicos sobre histórias da vida real. Ora tem acontecido alguns destes depoimentos serem pequenos discursos contra o aborto. O que não é mau em si mas, neste presente contexto, é necessariamente visto como sendo contra a sua despenalização. É propaganda do “não” exibida a mais de um milhão de pessoas (neste fim de semana Maria Aurora Homem, locutora da RTP Madeira e apoiante do “sim”, queixava-se do mesmo no DN). Se a telenovela não faz esta distinção entre o aborto e a despenalização, e sendo esses segmentos suplementares totalmente desnecessários para seguir a história, talvez um segmento como o que eu destaquei não devesse ser exibido em época de campanha eleitoral. Pois é de campanha eleitoral que se trata.
Convém recordar – eu recordo-me – que, há exactamente oito anos, por altura do outro referendo, estava em exibição uma outra telenovela do mesmo autor, “Por Amor”, na qual o tema do aborto também era retratado, então de uma forma ainda mais forte. A personagem então decide fazer um aborto, e tem de ouvir a censura de todos os seus familiares, amigos e vizinhos, pois o que ela ia fazer era um “pecado”. Isto em horário nobre, exactamente no período da campanha. Convém estar atento a estes casos.

2007/01/23

É um vírus!

Morte de Fidel é um vírus.

Páginas da vida emocionam Portugal

Imaginem a seguinte história. Uma bebé nasce e é rejeitada pela sua família, nomeadamente pelo seu pai biológico. É dada para adopção. Cinco anos depois a bebé vê-se envolvida no centro de uma disputa pela sua custódia, já que o pai biológico entretanto mudou de ideias e resolveu reclamar a filha, entretanto adoptada por outra família. Parece-vos que estou a falar do mediatizado caso da Sertã? Sim, mas também estou a falar de Páginas da Vida, a telenovela brasileira da SIC, de que já falei aqui.

2007/01/22

Um ano pouco picante

Ao contrário de a muitos comentadores que o acusam de “provincianismo” – mas, que, curiosamente, até votaram nele... -, a mim agradou-me a entrevista de Aníbal e Maria Cavaco Silva à SIC onde o Presidente da República se queixava do “picante”. “Eu e a minha mulher não somos apreciadores de picante”, relatava Cavaco, muito rígido, muito sério, para a câmara, enquanto por trás dele a mulher ia metendo umas deixas, qual comadre coscuvilheira (para não dizer emplastra): “temos comido muito iogurte, e muitas frutas...” Achei aquele momento cândido e genuíno, achei aquele casal ternurento, um bom representante do que seria a generalidade dos casais portugueses em visita à Índia. E têm todo o direito de não apreciar picante na comida e de não o esconderem, tal como eu não aprecio especialmente comida japonesa e também não o escondo.
Significa isto que me estarei a render ao cavaquismo, exactamente um ano após a sua eleição, devido talvez a um primeiro ano de mandato que tem sido notoriamente pouco picante (deve ter sido cozinhado pela Maria)? Nem pensem nisso. Durante entrevistas na visita à Índia, Cavaco deixou bem claro que continua a pôr o crescimento económico e a criação de riqueza à frente de qualquer outra meta, pouco ou nada se importando com a justeza da distribuição dessa riqueza. Sobretudo falou na “alta produtividade” dos cidadãos indianos, e de como para isso contribuía uma lei segundo a qual os feriados eram celebrados numa data móvel, próxima do fim de semana, “tal como em Inglaterra”. E, obviamente, tal como ele tinha querido fazer durante um dos seus governos, e “não o tinham deixado”. Quinze anos passaram, e ele não se esquece. Não se iludam. O Prof. Cavaco continua a ser ele, e só ele, a saber o que é bom para o país. O Prof. Cavaco quer acabar agora tudo o que não acabou enquanto primeiro-ministro. Dias mais picantes virão.

2007/01/21

Guerra dos Sexos - os primos portugueses

Será que alguma vez veríamos uma versão americana disto?

2007/01/19

"Ugly Betty" ou "Betty La Fea"?

Quando eu vivia nos EUA, à noite durante a semana sintonizava o canal de televisão "Telemundo", produzido e dirigido para a crescente comunidade hispânica. Eu procurava séries e telenovelas que eram produzidas no Brasil e que em Portugal também se viam, só que lá eram dobradas em espanhol e chamavam-se "La Muralla", "Lazos de Família", "El Clon", "Esperanza" ou outros nomes semelhantes. Durante os intervalos, era impossível passar despercebida a publicidade à telenovela colombiana que dava antes da brasileira. A mais popular dessas telenovelas era a que deu a uma certa altura e que se chamava "Betty La Fea". Mesmo sem nunca a ter seguido, pude-me aperceber do verdadeiro fenómeno de que se tratava. O enredo era muito simples, um tradicional conto de fadas: uma rapariga fisicamente muito feia e de muito bom coração, a quem ninguém liga, mas que nutre uma paixão pelo seu patrão rico. Do que via, sempre de passagem, parecia-me uma história bem contada e um bom entretenimento. E pelos vistos era: a "Betty La Fea" já foi adaptada em várias línguas e países diferentes. A atenta Salma Hayek, que representa para a cultura hispânica nos EUA tudo o que Sónia Braga não soube, não conseguiu ou não procurou ser para a brasileira, envolveu-se em mais um dos seus projectos e co-produziu o ano passado uma versão em inglês de "Betty La Fea", a "Ugly Betty", destinada a todos os públicos. Não sei se a série terá sido o mesmo fenómeno de audiências do original, mas a sua qualidade foi reconhecida esta semana com a atribuição de dois globos de ouro, de melhor actriz para a protagonista e de melhor comédia televisiva. E assim temos uma telenovela colombiana (mesmo sendo uma versão) a ganhar os Globos de Ouro. Espero que se sigam muitas brasileiras. Aos nossos críticos televisivos que desdenham de tudo o que é latino e gostam de tudo o que é em inglês: não se esqueçam que a "Ugly Betty" no original era em espanhol, "Betty La Fea". Se alguma vez for transmitida em Portugal, será que vamos assistir ao original, numa língua muito mais próxima da nossa, ou a uma tradução, numa língua mais distante?
Na mesma semana em que o senador democrata afro-americano Barack Obama anunciou a sua candidatura às eleições presidenciais de 2008, uma produção de origem sul-americana conquista os Globos de Ouro. Indícios de uma América mais atenta às suas minorias, que no futuro próximo não serão minoritárias. De uma América necessariamente com uma menor preponderância branca, anglo-saxónica e protestante. De uma América melhor.

Publicado originalmente no Cinco Dias.

2007/01/18

Comentários versão beta - aviso importante

Com a migração deste blogue para a versão beta do Blogger, alguns leitores queixaram-se que não conseguiam deixar comentários. Esclareço que, com esta versão, a identificação do utilizador deixou de ser feita com a conta do blogger, passando a ser pela conta do Google (que, na versão beta, passou a confundir-se com a conta do blogger, deixando esta última de existir). A vantagem é que basta ter um endereço de email no gmail (algo hoje em dia bastante vulgarizado) para deixar comentários. Entretanto creio que neste momento voltou a ser possível comentar em blogues beta com a conta antiga do blogger, para quem a usar. Comentadores antigos podem voltar a comentar. Recomendo de qualquer maneira aos leitores que queiram dar-me o prazer de deixar comentários que obtenham uma conta gmail e a utilizem para se identificarem.
As utilidades da migração para a versão beta deste blogue vão ficando disponíveis. É o caso da lista de marcadores, na coluna da esquerda, para melhor identificar as entradas, que tem sido aplicada às entradas recentes e foi entretanto sendo aplicada às entradas mais antigas.

2007/01/17

Os dez maiores portugueses – a minha escolha pessoal (II)

Reitero que a minha selecção baseou-se no critério de que o que era importante era escolher portugueses que ou tivessem influenciado a história da Humanidade, ou cuja obra ou simplesmente cuja história de vida fosse um exemplo para todo o mundo, e não somente para Portugal. Desta forma excluí deliberadamente “heróis nacionais” portugueses. É um critério meu, e é claro que é discutível. Mas quando se compararem as escolhas de diferentes pessoas, deve-se comparar ao mesmo tempo os diferentes critérios. Pelas escolhas dos dez finalistas de outros países, é claro que foram usados critérios bem diferentes dos meus, muito mais nacionalistas. Se eu fosse escolher pelo mesmo critério com que os britânicos escolheram o Lorde Nelson, certamente teria escolhido D. Nuno Álvares Pereira. Se fosse pelo mesmo critério com que os alemães escolheram Adenauer ou Bismarck, eu teria escolhido D. Afonso Henriques. Se fosse pelo critério com que os americanos escolheram vários dos seus presidentes (com Ronald Reagan à cabeça…) ou os alemães escolheram Willy Brandt, certamente Mário Soares não faltaria na minha lista. Mas não; escolhi de acordo com os meus critérios. Uma escolha destas também é uma escolha de critérios.

2007/01/16

Os dez maiores portugueses: a minha escolha pessoal

Faço primeiro uns esclarecimentos. Só incluí nesta lista cidadãos portugueses que se distinguiram pelo contributo que deram para o mundo. Quem eu aqui incluo, creio merecer ser conhecido por qualquer cidadão pela sua história pessoal, pela sua obra, pelo seu exemplo. Estou mais preocupado com esta visão mais universalista do que com escolher pessoas que influenciaram o Portugal que somos, mas só o nosso país. Isso explica a ausência desta lista de pessoas como D. Afonso Henriques, o Marquês de Pombal, Fontes Pereira de Melo e (sobretudo) Mário Soares, uma personalidade que, como é sabido, eu muito admiro.
A ordem por que os indico é cronológica. Mas, curiosamente, é mais ou menos a ordem de importância relativa que eu lhes atribuo. Uma ordenação por importância não seria muito diferente desta, exceptuando talvez pequenos ajustamentos, como uma "despromoção" do Eça. O que se conclui daqui? Que fomos muito mais relevantes no passado do que somos agora. Esperemos que esta tendência se inverta. Afinal, indico quatro portugueses do século XX e um do século XXI.
Não poderia deixar de incluir algo relacionado com o Brasil (a nossa maior realização). Não poderia ignorar o fado. Não poderia ignorar algumas (efémeras) glórias desportivas; neste campo escolhi quem eu acho mais exemplar, pois distinguiu-se à custa do seu trabalho e não, como muitos outros, à custa de um talento inato e muitas vezes desperdiçado.
Finalmente, muitas referências à literatura (onde creio sermos mesmo bons), nenhuma à ciência. Afinal, isto é suposto ser um retrato do país!
Aqui vai a minha lista:

  • Infante D. Henrique
  • Vasco da Gama
  • Pedro Álvares Cabral
  • Luís Vaz de Camões
  • Eça de Queirós
  • Fernando Pessoa
  • Amália Rodrigues
  • Álvaro Cunhal
  • José Saramago
  • José Mourinho

Sporting jogou com 10

Capa do jornal Record do passado sábado, antes do jogo com o Belenenses

2007/01/15

Viagens

Um marco pessoal do ano que findou: foi o ano em que bati o meu próprio record de países visitados. Estadias em Portugal, na França e na Holanda. Visitas à Alemanha (duas vezes), à Suíça e à Bélgica. Quase sempre por razões científicas de trabalho (embora em todas tenha aproveitado para fazer algum turismo e conhecer locais que não conhecia, como é evidente). Somente uma das visitas à Alemanha e a estadia na Bélgica foram apenas por turismo.
Gosto muito de viajar, mas um dos meus desejos para 2007 é que faça menos viagens e, em contrapartida, encontre maior estabilidade profissional.

2007/01/14

Vida, louca vida

...vida breve. Assim cantava o Cazuza. Mas, ao contrário do que infelizmente sucedeu com o Cazuza, uma longa vida cheia de histórias para nos contar (loucas ou não) é o que eu desejo ao Luís M. Jorge e ao seu novo blogue.

A extrema direita e o "direito social ao aborto"

Imagem via Cinco Dias


Certos sectores salazaristas gostam de falar em "iliteracia" e "ignorância" mas, afinal, são eles mesmos que não sabem ler. Eu nem me vou dar ao trabalho de o desmentir, tão evidente é a contradição entre o que escrevi e o que é sugerido que eu escrevi. Ao contrário do André Azevedo Alves (que deve achar que os seus leitores são estúpidos ou analfabetos), eu confio na inteligência dos leitores do Cinco Dias e do Avesso do Avesso.

2007/01/12

O aborto, o financiamento e o referendo

Ultimamente tem sido esta a principal questão da campanha, com sectores liberais que se afirmam favoráveis à despenalização a admitirem abster-se, ou mesmo votar "não", se o aborto for integrado no Sistema Nacional de Saúde e for genericamente financiado pelo Estado, isto é, pelos contribuintes.
Devo começar esclarecer que, por princípio, não me parece correcto serem os contribuintes a financiarem os abortos. Há excepções importantes, que enumero desde já. Em todos os casos em que, com a lei em vigor, o aborto é legal, este deve ser financiado pelo Estado, uma vez que são casos de saúde pública. Da mesma forma, os abortos por parte de adolescentes também devem ser financiados pelo Estado, qualquer que seja a situação da grávida, mesmo que o seu nome de família seja Mello ou Champô-Limão.
Agora, para mim, por uma questão de princípio uma mulher adulta que peça para abortar, sem mais nenhum motivo especial (e dentro do prazo válido), deve poder fazê-lo em liberdade e segurança (é disso que se trata), mas deve ser responsável pelo seu acto, nomeadamente pelo pagamento dos encargos associados.
Tomemos o seguinte exemplo. Um casal não usa contraceptivos, porque "é pecado". Depois a mulher engravida, e tem de fazer o "desmancho": "tem de ser". Voltam a ter relações sexuais. Não tomam precauções porque "é pecado". A mulher volta a engravidar e a fazer o "desmancho". E assim sucessivamente. Não julguem que este cenário é assim tão raro. Sei de casos assim: apesar de já terem feito vários abortos, no referendo vão votar "não", obviamente porque "é pecado". Na impossibilidade de argumentar racionalmente com o "é pecado", e não tendo o Serviço Nacional de Saúde de sustentar eternamente estes casos, não vejo outra solução que não seja responsabilizar os "pecadores".
O único senão que eu vejo é mesmo o flagelo do aborto clandestino, que é afinal tudo o que está em discussão. Ao contrário do que nos querem convencer os partidários do "não", o que está em discussão não é se vai passar a haver abortos. Os partidários do "não" gostam de nos falar como se só passasse a haver abortos se o "sim" ganhasse, mas abortos sempre houve e sempre continuará a haver. O que está em discussão é se esses abortos podem ser realizados de uma forma livre e segura, ou se devem continuar a ser feitos clandestinamente.
Ora, se o aborto for liberalizado mas se for somente o mercado a decidir o seu preço, isto é, se for um negócio privatizado, o mais provável é que continue a ser mais barato fazer um aborto clandestino e sem condições, pelo que as pessoas de menos recursos continuarão a recorrer a este. Ou seja, na prática pouco ou nada se estará a alterar para estas pessoas, justamente as mais necessitadas.
O que eu defendo, assim, é que o aborto seja pago, por uma questão de princípio (o "tendencialmente gratuito" da Constituição não se aplica aqui), mas que seja o Estado a regular toda esta actividade e a controlar os preços. Como defendo para muita coisa, nomeadamente tudo o que seja relacionado com medicina privada. É a economia, estúpido. É evidente que os nossos amigos blasfemos nos dirão que não, que o melhor para o consumidor é que o mercado seja sempre completamente livre, incluindo o dos abortos. Esta é uma discussão que já temos vindo a ter desde que há blogues. É uma discussão de modelo económico, que não tem nada a ver com o que está em discussão no próximo referendo. Ao contrário do que certos sectores extremistas defensores do "não" nos querem convencer, nada obriga o governo, na hipótese de o "sim" ganhar, a indicar que os abortos sejam feitos no Serviço Nacional de Saúde. Se o "sim" ganhar, um governo de blasfemos poderá defender que seja feito em clínicas privadas. São leis simples de financiamento que, como nota Carlos Abreu Amorim numa série de textos notável, poderão ser alteradas por qualquer governo que tenha condições para isso, sem recurso ao referendo. O que vai a referendo é a legalização do aborto até às dez semanas. Nada mais do que isso. Desde que isto fique claro, a discussão do financiamento não é para se ter agora. Não é agora que vai ser decidida.

Publicado originalmente no Cinco Dias.

2007/01/11

Não ultrapassem um escorpião!

Quando estava nos EUA e coimprei o único carro que tive até hoje, ao preencher o formulário com os dados do carro para a seguradora achei estranho ter de indicar a cor do carro. Só mais tarde vim a descobrir que o valor a pagar variava conforme a cor do carro, pois as estatísticas indicavam que carros com certas cores tinham maior probabilidade de terem acidentes do que com outras. À cabeça estavam os carros vermelhos: quem escolhesse um carro vermelho era esperado ser um condutor agressivo, uma vez que o vermelho é tradicionalmente associado a carros desportivos como os Ferrari.
É claro que a aplicação cega de tal estatística não contempla possibilidades como um condutor não poder escolher a cor do seu carro. Foi o meu caso, quando comprei o meu: no stand, do modelo que eu queria, só havia – adivinhem! – carros... vermelhos! (Não que eu não goste da cor, para um carro, que gosto.)
Espero que, com o estudo agora divulgado, as mesmas mentes não se lembrem de fazer depender o preço do seguro do signo astrológico do segurado. Para além do absurdo da medida, tal considerar-me-ia, mais uma vez, um condutor agressivo, de acordo com os resultados divulgados na edição em papel do DN. Acho que quando voltar a ter um carro vou pôr um autocolante: “escorpião ao volante”.

2007/01/10

João Teixeira Lopes, o dono do “sim”

Já não é a primeira vez que o deputado João Teixeira Lopes, do Bloco de Esquerda, mostra todo o seu sectarismo. Foi quando se candidatou à Câmara do Porto (e baseou toda a sua campanha em ataques à CDU). Foi no debate entre Francisco Louçã e Paulo Portas (a gaffe de Louçã do “eu já procriei” é desculpável, tendo em conta o irritante oponente no debate, mas não deixa de ser uma gaffe; indesculpável pareceu-me a defesa cerrada que Teixeira Lopes fez do líder bloquista, sem paralelo mesmo no seu partido). É no ataque periódico que faz ao ministro do Ensino Superior, a maior parte das vezes sem razão. Mas a pior de todas foi a recente crítica a Rui Rio por pertencer a um movimento pelo “sim” no referendo, por alegadamente o Presidente da Câmara do Porto querer “branquear” a sua imagem junto do eleitorado de centro-esquerda.
Alguém explica a este senhor que o próximo referendo não é uma luta partidária? E que quantos mais líderes do centro e da direita apoiarem a despenalização, melhor para o “sim”? E que ele é que deveria deixar as críticas ao executivo da Câmara do Porto, por muito justas que sejam, para a ocasião devida, que não é a campanha do próximo referendo? Que ele deveria pôr os interesses puramente partidários de lado? Que uma vitória da despenalização não é só uma vitória do Bloco de Esquerda – é uma vitória de todos os qua a apoiam, incluindo – felizmente – Rui Rio e muitas pessoas ligadas ao PSD?
Embora eu nunca concordasse com ela – todos os apoios são bem-vindos -, uma acusação de oportunismo semelhante à lançada por João Teixeira Lopes poderia ter uma atenuante no caso de o visado se tratar de um político que em 1998 não tivesse feito campanha pelo “sim”. Mas não é esse o caso – Rui Rio nesse aspecto revelou sempre uma grande coragem política, votando mesmo contra a orientação do seu partido, como deputado, em 1997, quando a despenalização foi aprovada no Parlamento, antes de Guterres e Marcelo “decidirem” que era melhor haver um referendo. Em matéria de combate pela despenalização do aborto – e já agora de independência política – Rui Rio não deve nada a João Teixeira Lopes. Se calhar o oposto é que já não é verdade.
Já passou uma semana sobre estas tristíssimas declarações. Eu não li nenhuma referência ao assunto na blogosfera, nomeadamente por parte de dois blógueres que – tenho a certeza – não perdoariam se fosse o PCP a armar-se em “dono do sim”: este e este. Dois blógueres de quem eu gosto e respeito. No caso do Tiago, creio que tal afecta seriamente a reputação de independência que ele foi construindo. Valham-nos as senhoras que escrevem neste blogue, pelas suas crónicas de sexta feira no DN (incompletas na rede).

2007/01/09

A infalibilidade do aquecimento global

E não é que o Papa se mostrou preocupado com o aquecimento global, no seu discurso de Ano Novo? Não é meu objectivo aqui comentar esse discurso, que como é natural contém partes com que eu concordo e outras com que não concordo nada. Não deixa de ser curioso, porém, notar que quem mais faz campanha a dizer que não acredita no aquecimento global é, ao mesmo tempo, quem mais acredita na infalibilidade papal...

2007/01/08

O que procuram os visitantes de O Avesso do Avesso?

Experimentem googlar Afonso Pimentel nu. São vários os que vêm aqui parar nos últimos dias.

É futebol

Já me estava a convencer de que este FC Porto de Jesualdo Ferreira merecia mais a dobradinha que o de Co Adriaanse (que não merecia ter ganho a Taça). Mas já não a obterá... Espero que pelo menos a Taça de Portugal acabe em Alvalade. É que nos dois últimos anos o Sporting foi literalmente empurrado para fora da prova, no campo dos adversários.

2007/01/07

Balanço musical do ano de 2006

É claro que só há música brasileira. O álbum do ano 2006 é Infinito Particular, a demonstrar uma Marisa Monte em plena maturidade criativa, mas cujo mérito também deve ser atribuído aos seus colaboradiores, especialmente os Tribalistas Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown. Hesitei entre este e In Cité, de Lenine, que apesar de ser de 2005 só foi por mim descoberto este ano. Até por isso, In Cité fica (em atraso) como melhor álbum de 2005.
Infinito Particular é melhor que o seu gémeo Universo ao Meu Redor e bate aos pontos Carioca do regressado Chico Buarque. Do Caetano, prefiro não falar.
Quanto ao concerto do ano, a mesma Marisa Monte (um concerto profissionalíssimo e equilibrado em Lisboa) e Carlos do Carmo/Camané ou Cesária Évora na Torre de Belém seriam bons candidatos. Mas (como qualquer leitor deste blogue compreenderá), a minha escolha tem de ser o Chico Buarque. Mesmo assim, é uma escolha sem grande favor para um óptimo concerto.
O concerto perdido do ano (tendo em conta a minha localização variável, e não querendo viajar só por um concerto)? Talvez Divine Comedy em Paris. Keith Jarrett ou Ben Harper em Lisboa seriam outras boas possibilidades.
É claro que esta é uma escolha pessoal e parcialíssima, baseada nas minhas limitadas escolhas.

2007/01/05

Juramentos e religiões

O tema do texto anterior dá pano para mangas. Pode ou não um deputado levar o Corão para fazer um juramento? A direita religiosa, como o André Azevedo Alves (que continua a confundir-se com O Insurgente) certamente pensa que a Bíblia é autorizada (e provavelmente deveria ser obrigatória), mas não é essa a questão mais importante. Essa questão, que (creio eu) dividirá opiniões entre as pessoas sensatas, é: "Deve ou não um representante político fazer um juramento religioso antes de tomar posse?" Muita gente reconhecerá ao deputado muçulmano o direito de jurar sobre o Corão, se outros juram sobre a Bíblia. Para mim, nenhum dos juramentos é aceitável: a religião é do foro privado, e não deve ser confundida com o exercício de funções públicas. Mesmo que tal possa ser visto como uma "restrição de liberdade". É evidente que cada deputado poderá fazer os juramentos que quiser, se for religioso – e mesmo se os deputados forem eleitos enquanto religiosos, ou devido às suas convicções religiosas. Mas tais juramentos devem constituir uma cerimónia religiosa, e nunca uma cerimónia oficial de Estado.
Aqui temos, de repente, e como quem não quer a coisa, um excelente "toy model" para o problema do véu islâmico, tema a que tenciono voltar em breve.

Também publicado no Cinco Dias.

2007/01/04

Mobilidade e endogamia nas universidades portuguesas

A acabar o ano, a transcrição integral de uma entrevista do Público ao autor de um estudo que continua a dar muito o que falar. Pelas sugestões e propostas, por muito que isso possa doer a muita gente "instalada", a proposta do Ministério da Ciência e Ensino Superior de pôr as Universidades a "lutar" pelo dinheiro com base na sua qualidade é um passo no sentido certo. Para 2007 ficamos à espera de mais: do Compromisso com a Ciência e de um novo Estatuto da Carreira Docente.
Sobre este assunto, uma boa leitura complementar é a excelente entrevista do ministro Mariano Gago ao Diário de Notícias ontem, que infelizmente só vem parcialmente publicada na rede.

À margem: este é mais um excelente trabalho do David Marçal, que me sucedeu como "Cientista na Redacção" no Público nos últimos três meses.

"As universidades devem competir pelo dinheiro com a investigação"

Arcadi Navarro em 2001 fez um grande estrondo quando publicou na Nature um artigo em que colocava em números o fenómeno da contratação de docentes universitários com base em critérios de proximidade social em vez de mérito científico. Acerca da situação das universidades espanholas, que não deverá ser muito diferente das portuguesas, chegou à conclusão de que preferem os defeitos dos de dentro às virtudes dos que vêm de fora. Por David Marçal (texto) e Daniel Rocha (foto)


A endogamia nas universidades é definida como a existência de uma rede social que, independentemente do mérito dos candidatos, sistematicamente atribui posições aos amigos e conhecidos. O critério usado por Arcadi Navarro, especialista em biologia evolutiva da Universidade Pompeu Fabra de Barcelona foi muito simples: comparou a morada do primeiro artigo publicado numa revista científica pelos docentes universitários com a morada actual. Em Espanha era a mesma, em 95 por cento dos casos.
Dito de outro modo, apenas cinco por cento das vagas das faculdades são atribuídas a candidatos de fora. Nos Estados Unidos, a situação é exactamente inversa: o número de candidatos externos a obter lugares é de 93 por cento. No Reino Unido é de 83 por cento e em França 50.
Tudo isto tem consequências na produtividade científica. Vários estudos demonstram que quando são escolhidos amigos em vez dos candidatos com mais mérito, o número e o impacto das publicações científicas baixa significativamente. O PÚBLICO falou com Arcadi Navarro, à margem de um debate sobre a mobilidade e endogamia nas universidades portuguesas, no Instituto Gulbenkian de Ciência, em Oeiras.
PÚBLICO - Quais são as consequências da endogamia nas universidades?
Arcadi Navarro - São horríveis. As pessoas em vez de ciência estão a fazer política de corredores e a universidade torna-se numa maneira de arranjar salários para os amigos.
Como se pode explicar as enormes diferenças entre os países?
Por sistemas muito diferentes. Há países onde é proibido arranjar um emprego na mesma universidade onde se fez o doutoramento, como na Alemanha. Em França, para entrar numa instituição do CNRS (Centro Nacional de Investigação Científica), é preciso fazer um exame nacional muito exigente.
Já em Espanha as posições são atribuídas por comités formados por pessoas de dentro da universidade. Seria um bom sistema se as instituições competissem através da investigação que fazem. Mas as universidades espanholas recebem o financiamento com base no número de alunos de licenciatura. Outro factor é a escassez de recursos em países como Espanha e Portugal, que cria um ambiente ultracompetitivo, e as coisas são organizadas um pouco ao estilo da máfia.
Que medidas poderiam ser tomadas para reduzir este problema?
Fazer as universidades competir. Permitir-lhes contratar quem queiram, mas fazer o seu financiamento depender da ciência produzida. E dar o dinheiro aos investigadores em vez de às instituições. E a agência de financiamento avalia o investigador.
O favoritismo não pode passar para essas avaliações?
Pode acontecer. De modo a evitá-lo, as avaliações devem ser anónimas e feitas por comités maioritariamente estrangeiros. Se a sua carreira depender de avaliações sérias por padrões internacionais, as pessoas trabalham. Há uns anos, em Espanha, houve quem obtivesse um lugar de professor catedrático sem um único artigo publicado numa revista científica.
Como seria a receptividade das instituições a estas medidas?
Em relação a fazê-las competir e pensar na ciência que fazem (porque isto influenciaria o seu financiamento) são contra. Quanto a criar equipas de investigação que não dependem financeiramente das instituições, mas de uma agência de financiamento externa, estão receptivas.
Tornar as universidades competitivas é uma grande mudança estrutural e cultural. Como é que pode ser feito?
[Risos] Essa é a questão. As coisas que se podem fazer não são revoluções, mas pequenas mudanças que podem ter grandes consequências.
Por exemplo, em países de topo a nível científico, a todo o financiamento atribuído a um projecto de investigação é cobrada uma enorme taxa (overhead) pelas universidades, que pode chegar até 50 por cento. O cientista recebe 100 e a instituição fica com 50 para gastar como quiser. Nos países com mais endogamia, os overheads tendem a ser baixos. Por exemplo, até este ano, em Espanha eram de 15 por cento.
Do ponto de vista dos administradores da universidade são trocos. Se baixar um pouco o dinheiro atribuído por cada aluno e aumentar o financiamento que vem dos overheads, a investigação torna-se importante porque define o dinheiro que entra no sistema. E as universidades começam a querer contratar pessoas que ganhem grandes projectos e tragam muito dinheiro.




A endogamia pode afectar a produtividade científica das universidades portuguesas

A endogamia tem um efeito claramente negativo na produtividade científica, segundo números da base de dados de publicações ISI Web of Knowledge, compilados por Arcadi Navarro.
No Reino Unido, apenas dois em cada dez elementos da faculdade são recrutados internamente, e foram em 2005 produzidos 1463 artigos científicos por milhão de habitantes. E cada um deles foi citado noutros artigos em média mais de três vezes, o que é uma medida da sua importância.
No caso espanhol, em que 19 em cada 20 professores universitários são recrutados na instituição, foram publicados 834 artigos por milhão de habitantes, citados 2,2 vezes. Portugal produziu 608 artigos por milhão de habitantes em 2005, citados em média menos de duas vezes. Não há nenhum trabalho específico sobre a endogamia nas universidades portuguesas. O Observatório da Ciência e do Ensino Superior (OCES) apresentou dados obtidos noutros estudos e apresentou-os quarta-feira no debate Endogamia e Mobilidade na Universidade Portuguesa.
Mas os números não são directamente comparáveis com os publicados por Arcadi Navarro na Nature. Nos dados do OCES foram considerados os docentes que se doutoraram na própria instituição, ao passo que o critério usado por Navarro para definir endogamia foi a instituição onde estavam quando publicaram o primeiro artigo científico. Também não são comparáveis com o estudo a nível europeu publicado por Manuel Soler na Nature (ver gráfico), porque este apenas se refere a duas áreas (zoologia e ecologia).
No entanto, os números existentes permitem concluir que a endogamia é claramente predominante nas universidades portuguesas: segundo os números do OCES, sete em cada dez professores fizeram o doutoramento na mesma universidade em que agora têm um emprego.

2007/01/03

"O Natal profano de todos nós"

Ainda a propósito deste assunto:

Tomemos, por exemplo, o caso que neste momento se discute nos Estados Unidos. Pela primeira vez na história política norte-americana, nas eleições de Novembro foi eleito um deputado muçulmano. Tendo-se criado uma tradição política no Congresso, segundo a qual, depois da tomada de posse oficial, os deputados realizam uma cerimónia privada, para amigos e familiares, em que juram sobre a Bíblia, até agora ninguém tinha colocado a hipótese de usar outro livro sagrado. Quando muito, os poucos não crentes optavam por não fazer o juramento religioso. Por isso, causou escândalo, especialmente nos círculos da direita cristã, o anúncio feito pelo dito deputado de que fará a seu juramento sobre o Corão. Um deputado mais intolerante da direita religiosa chegou ao ponto de defender que ele deve ser proibido de levar o Corão e que, se o fizer, deve perder o mandato. A pergunta que se deve fazer é obviamente a seguinte: se os crentes cristãos têm o direito de jurar sobre o seu livro sagrado, por que é que um deputado muçulmano não goza de igual direito?

(Vital Moreira, Público, 26-12-2006)

2007/01/02

José Sousa Ramos (1948-2007)


Foi dele a primeira aula a que assisti no ensino superior, num anfiteatro do Pavilhão Central do Instituto Superior Técnico, às oito da manhã de um dia de Outubro. Foi dele o primeiro email que recebi na vida (numa altura em que nem fazia a mínima ideia de como se trabalhava num computador, e ninguém suspeitava ainda o que era a internet), numa área que os alunos tinham nuns computadores horríveis, num sítio horrível chamado CIIST (Centro de Informática do Instituto Superior Técnico), nas caves do mesmo pavilhão. Eram os códigos de um programa em C, já não sei para que aplicação (mas teria a ver com a “sua” teoria do caos), que quis partilhar, todo entusiasmado, com os seus alunos.
Era nosso professor de Álgebra Linear. A Álgebra Linear é uma cadeira fundamental para qualquer curso em que a Matemática seja relevante, muito fácil, quase trivial, mas demora um semestre para um caloiro se aperceber disso (não tem nada a ver com o que se estuda no secundário). O Sousa Ramos não ajudava muito a que um caloiro se apercebesse disso, pois era ele próprio, nas aulas, que declarava que aquilo tudo era muito fácil (mesmo que ninguém estivesse a perceber nada): interessante mesmo era o caos, os atractores estranhos, os fractais. Um atractor estranho era cada um dos quadros dele. Começava por escrever uma coisa num sítio, depois passava a outra num sítio completamente diferente, e assim durante a aula o quadro se ia enchendo, de uma forma completamente desordenada. Finalmente não havia mais espaço para escrever, no meio daquela confusão toda. Lá se decidia então a apagar qualquer coisa, para poder continuar a escrever. Qualquer coisa, não: quando ia apagar, escolhia sempre a última coisa que tinha escrito.
Nós olhávamos para aquilo, saudosos do liceu de onde tínhamos acabado de sair, e meio assustados. Só não estávamos completamente assustados porque ele não assustava ninguém. Era impossível não se gostar dele. O cabelo meio desgrenhado, as barbas grisalhas, a voz afável, e os olhos. Nunca até hoje vi uns olhos tão bondosos como aqueles.
Como acontece muitas vezes, no contacto pessoal, na discussão individual com os alunos, era diferente. Podia passar quase uma tarde com um aluno para lhe tirar uma dúvida. A sua paciência era infindável; se lhe punham uma questão directamente, gostava que essa questão ficasse bem esclarecida.
Também foi com ele que fiz um dos primeiros exames do ensino superior. O exame era conceptualmente bastante fácil, por vezes directo. Uma primeira leitura deixáva-nos tranquilos: era um exame dado, sabia-se fazer tudo, era só “fazer as contas”. O problema é que o exame continha a épica “matriz que não queria ser invertida”: uma matriz quatro por quatro, com entradas que eram todas números inteiros de 1 a 9 (módulo o sinal), que era suposto invertermos. Tinha determinante sete mil e qualquer coisa... Era a pergunta mais fácil daquele exame facílimo. E não houve ninguém que a respondesse, depois de passar um tempo muito precioso a somar fracções com numerador com quatro dígitos... por dezasseis vezes. Foi o exame mais fácil que eu vi na vida. E foi uma desgraça. Lembro-me da surpresa dele com a nossa atrapalhação, e da candura com que assumiu que “não esperava” que fosse tão difícil: “o Mathematica [software de computação simbólica] tinha “cuspido” a resposta num instante!” Felizmente havia uma coisa chamada “segunda época”, e as matrizes para esse exame foram por ele invertidas à mão.
Nunca mais foi meu professor, mas continuei a vê-lo estes anos todos, sempre que regressava ao Técnico. Quis sempre saber de mim e ficávamos uns minutos a conversar. Mostrava-se sempre entusiasmado com o seu trabalho. E falava às vezes do Alentejo, do bom azeite que recebia e que era produzido nas terras que a família possuía no concelho de Moura. Era a única contrapartida que pedia à cooperativa de agricultores local para usarem as suas terras, e era somente para uso pessoal. Não queria ter nada a ver com a venda desse azeite, nem receber nenhum tipo de percentagem das receitas dessa venda: “são os agricultores que produzem o azeite, e são eles que devem receber o dinheiro pelo seu trabalho”, disse-me ele uma vez.
Nunca fumou na vida, mas morreu com um cancro no pulmão galopante, durante o sono, tinha o ano de 2007 poucas horas. Deixa-nos, sobretudo à família (mulher, filhos e neta), mas também a todos os outros que o conheceram, mais pobres.

2007/01/01

Je suis très content

Bienvenu en Europe, Mr. Boloni. E boas vindas à Roménia e à Bulgária à União Europeia. Uma grande parte dos meus colegas de doutoramento desde hoje passam a ser do meu país.