2010/10/31

Os limites e as confusões do Nuno

Escreve o Nuno Ramos de Almeida: “Um dos princípais passos no sentido de uma emancipação global é recusar os limites do pensável que a ideologia do capitalismo nos impõe. (...) Do meu ponto de vista, o erigir de reformas parciais como o alfa e omega de toda a política significa aceitar esses limites. Um verdadeiro partido socialista deve propor medidas que melhorem a vida das pessoas, mas não pode desistir da ideia de uma transformação radical da sociedade. A sua função principal é tornar essa transformação pensável e, como tal, possível.” Nuno, nem todos os limites nos são impostos pela ideologia capitalista. Posso querer um moto-contínuo ou, mais ainda, uma máquina de produzir energia; posso querer que o calor flua naturalmente dos objetos mais frios para os mais quentes. Mas tal não me serve de nada, pois não os consigo obter. Não consigo obter tais máquinas, mas consigo pensar sobre elas. Como tal, evidentemente é falso que tudo o que seja pensável seja possível. Não é a ideologia capitalista a responsável por nada disto, mas a natureza que, ao contrário do que um teu muito histriónico colega defende, não é nenhuma construção social. E que nos impõe limites, esses sim intransponíveis. No teu “ponto de vista” sobre as reformas parciais, não explicitas de que limites falas: se os naturais, se os impostos pelo capitalismo. Discordo de que aceitar reformas parciais seja aceitar os limites “do capitalismo” (embora concorde que seja aceitar limites não impostos pela natureza, que eu classificaria como éticos). O “socialismo científico” consiste em saber distinguir os diferentes tipos de limites. Pelo teu texto, é um conceito que pelos vistos tu deixaste cair. É pena. Assim, creio que não vais a lado nenhum.

2010/10/30

Se os recursos fossem ilimitados não precisaríamos da esquerda para nada

“Assumindo recursos infinitos, a economia continuará a crescer, em média, com mais ou menos crises pelo meio”, prevê candidamente o Ricardo Schiappa. “Quase todos nós tendemos a encarar a presente crise como uma breve pausa no processo de crescimento”, escreve naturalmente o João Pinto e Castro. Neste caso não me parece que seja isto que ele pensa, mas de qualquer maneira o que me incomoda é o “quase todos nós” que o João familiarmente escreve. “Quase todos nós” achamos que o crescimento não parará. Que é como quem diz que “quase todos nós” achamos que os recursos naturais são inesgotáveis. Estamos aqui a falar do setor primário: sem ele não há comida. Mas mesmo o setor terciário, o das “ideias”, das “oportunidades”, que contribuem para o crescimento económico e em teoria podem ser inesgotáveis, não o é na vida real. Estes “quase todos nós” a que o João Pinto e Castro se refere somos nós, do hemisfério norte, que crescemos e vivemos habituados a uma economia do desperdício. Tal facto é particularmente notório nos EUA, mas também se verifica na Europa. Continuamos a conduzir estupidamente os nossos carros, mesmo em percursos de centenas de metros, mesmo em localidades bem servidas de transportes públicos, como se o petróleo fosse inesgotável e o espaço para circular e estacionar nas cidades fosse infinito (sem falar nos enormes prejuízos ecológicos, de que o aquecimento global é só um exemplo). Continuamos criminosamente a comer jaquinzinhos e petingas, sem nos preocuparmos se no futuro os nossos filhos poderão comer carapaus e sardinhas frescos, capturados no mar. E assim sucessivamente – os exemplos não são poucos. Que as pessoas de direita pensem, erradamente, que os recursos são inesgotáveis, ainda compreendo. O que não consigo entender é que tal passe sequer pela cabeça de pessoas que se digam de esquerda. Marx, provavelmente o primeiro ecologista, apercebeu-se da finitude dos recursos, ou não teria escrito “O Capital”.

2010/10/29

25 anos

Sempre LEFT! XIV Semana da Física a decorrer esta semana. Jantar comemorativo logo à noite.

2010/10/18

Um homem à frente do seu tempo

Artigo de Marco Vaza, Público, 16-10-2010.
Malcolm Allison (1927-2010), o treinador que gostava de viver para lá do futebol Malcolm Allison não escondia de ninguém os charutos nem as garrafas de champanhe. “O champanhe é uma bebida boa, uma bebida limpa”, dizia. Não se importava que os jogadores bebessem, responsabilizava-os pelas suas atitudes, mas premiava-os se fossem vencedores. “Fomos a Paris fazer um jogo particular com o PSV, já depois de termos sido campeões e ter vencido a Taça”, recorda ao PÚBLICO Manuel Fernandes, avançado do Sporting que coincidiu com o técnico britânico em Alvalade em 1981/82, ano de muitas conquistas para o clube. “Depois do jantar, regressámos ao hotel às duas da manhã e eu perguntei-lhe: “A que horas temos de acordar amanhã?” Ele respondeu: “Hoje ninguém vai dormir, vamos para os copos em Paris. Já fomos campeões. Agora temos de nos divertir e conviver uns com os outros.” Regressámos às seis da manhã.” Morreu aos 83 anos o homem do chapéu, dos charutos e do champanhe. Da liberdade responsabilizada e dos métodos inovadores. “Era uma pessoa à inglesa. Para ele, liberdade era igual a responsabilidade. Criou-se essa imagem de uma pessoa anarca e irresponsável, mas era exactamente o contrário. E era igual para todos”, conta ao PÚBLICO António Oliveira, avançado do Sporting daquele tempo, a quem Allison chamava “Oli”. “Se tínhamos um treino à terça-feira, ele dizia: “Oli, vai ver a família, e vem só na quarta-feira.” Ele queria tirar partido da parte psicológica.” Nascido em Dartford a 5 de Setembro, Malcolm Alexander Allison, Big Mal, chumbou de propósito na escola para poder ir jogar futebol, chegando ao Charlton com 18 anos em 1945, depois de ter passado os últimos anos da guerra como moço de entregas para uma mercearia. No Charlton teve poucas oportunidades e passou para outro clube de Londres, o West Ham, onde jogou até aos 31 anos, terminando a carreira de forma precoce devido a uma tuberculose que fez com que lhe retirassem um pulmão. Estreou-se como treinador aos 36 anos no modesto Bath City, andou pelo Canadá e passou pelo Plymouth, antes de chegar ao Manchester City, onde foi adjunto entre 1965 e 1972, cumprindo a época seguinte como técnico principal - como adjunto, foi campeão inglês, venceu as taças de Inglaterra e da Liga e uma Taça das Taças. Ainda em Inglaterra, foi marcante a sua passagem pelo Crystal Palace, clube do qual foi despedido por se ter deixado fotografar nu com uma actriz porno numa banheira nas instalações do clube. Chegou a Portugal em 1981 e conduziu o Sporting ao título e à Taça de Portugal, falhando por pouco o sucesso na Europa - foi eliminado pelo Neuchâtel Xamax nos oitavos-de-final, depois de uma eliminatória anterior marcante com o Southampton de Kevin Keegan, com um triunfo por 4-2 em Inglaterra e um empate sem golos em Lisboa. “Nesse jogo, ele começou por me colocar a defesa-direito e a ordem era: “Meszaros [o guarda-redes], quando tiveres a bola joga para o Oli”. Marcámos quatro”, recorda António Oliveira. Apesar da época de sucessos, a permanência de Big Mal em Alvalade terminou logo no início da época seguinte. O britânico seria despedido, por alegadamente beber demasiado, mas voltaria a Portugal para treinar Vitória de Setúbal e Farense. “Foi um processo muito injusto. Um empresário estava a preparar a vinda do Josef Venglos e inventaram uma história que o Allison tinha bebido uma quantidade impossível de álcool”, lamenta Oliveira, que seria o substituto imediato do britânico, como treinador-jogador antes de Venglos chegar a Alvalade. O Sporting foi o último clube onde teve sucesso como treinador, tendo ainda passagens falhadas pelo Middlesbrough, pela selecção do Kuwait e pelo Bristol, onde terminou a carreira em 1993. Sofreu nos últimos anos da sua vida com os excessos que antes cometera. Quase todos os seus relacionamentos amorosos - um deles com uma coelhinha da Playboy - falharam e a sua saúde degradou-se de forma irreparável pelo álcool que consumiu - admitiu o seu alcoolismo -, terminando os seus dias num lar, já praticamente desligado do mundo. Mas seguramente, garante quem o conheceu, sem arrependimentos. Palavra a António Oliveira: “Era um homem que gostava de viver e transmitia-nos o gozo pela vida para lá do futebol.”

2010/10/15

Malcolm Allison (1927-2010)


As melhores evocações desta antiga glória do Sporting, que aqui transcrevo, li-as num artigo de Rui Tovar no jornal I, através do blogue Leão da Estrela.

Com o Campeonato Nacional e a Taça de Portugal 1980-81 entregues ao Benfica e sem estaleca para a Taça dos Campeões, o Sporting começou cedo a preparar a época seguinte. Bem ao seu estilo, o presidente João Rocha queria um avançado e um treinador. Para o primeiro objectivo foi ao FC Porto buscar o virtuoso Oliveira para juntar à dupla Manuel Fernandes-Jordão. Já o treinador não foi tão fácil. José Maria Pedroto foi sondado, mas preferiu o Vitória Guimarães. Viria Malcolm Allison. É nessa memorável época de 1981-82 que o Sporting enche o país de verde e branco. À conta de vitórias e bom futebol. O excêntrico Malcolm Allison entra em cena e tem uma equipa de luxo à sua disposição. Além de Oliveira, ex-FC Porto, e Meszaros, guarda-redes húngaro para o lugar de Vaz, chegam Melo, Venâncio, Nogueira, Virgílio e Alberto. O Sporting começa por empatar 2-2 em casa com o Belenenses de Artur Jorge, num jogo com cinco expulsões (4-1 para os azuis). Seguem-se cinco vitórias consecutivas, ciclo travado por Boavista (3-3) e Benfica (1-1). No final da primeira volta, o Sporting continuava invicto, com quatro pontos de avanço sobre o Benfica e cinco sobre o FC Porto. Em Março, o Sporting bate o Benfica em Alvalade por 3-1, num encontro em que o brasileiro Jorge Gomes, o primeiro estrangeiro de sempre nos encarnados, acusa o árbitro Marques Pires. "Ele é que devia ir ao controlo antidoping. Um homem no seu estado normal não faz aquelas coisas!" O título não era uma miragem e tornou-se realidade a três jornadas do fim, no Estoril. Só faltava Jordão ser o melhor marcador. Mas o portista Jacques tirou-lhe o título na derradeira jornada, em que os dois se defrontaram nas Antas (2-0 para os dragões, com um golo de Jacques). A festa continua na Taça, uma semana mais tarde, com um inequívoco 4-0 sobre o Braga, na tarde em que Quinito, treinador do bracarenses, se apresentou no Jamor de fraque creme e laço castanho. Na hora de receber o troféu, Manuel Fernandes despiu a camisola 9, deu-a ao presidente João Rocha e foi de tronco nu para a tribuna de honra, onde estava Ramalho Eanes com a Taça. É a quinta dobradinha na história do Sporting! O mérito é de todos e de Allison, o treinador inglês que nunca mais ganhou nada a partir daí. Big Mal, como lhe chamam, fez ontem 83 anos. Está internado num lar de idosos, com doença de Alzheimer, mas é um homem que continua no coração dos sportinguistas. Por isso, o "i" falou com quatro jogadores para ouvir histórias de outros tempos. Tempos de glória, lá para os lados de Alvalade.

MESZAROS, O REFORÇO PARA A BALIZA "Devo-lhe muito. Ele é que me contratou para o Sporting. E para o V. Setúbal [1987-88]. Há um pormenor de que nunca me esquecerei: num jogo da Taça, em casa, com o Boavista, estávamos a perder 2-1 ao intervalo. Nós, jogadores, estávamos no balneário, ele abre a porta e só nos diz isto: ''Se quiserem ganhar, passem a bola ao Mário Jorge.'' Depois saiu e bateu com a porta. Ficámos todos a olhar uns para os outros. Na segunda parte, o Mário Jorge fez a jogada do 2-2 para o Manuel Fernandes e foi derrubado na área, no lance de que resultou o penálti do 3-2, marcado pelo Oliveira."

EURICO, O PATRÃO DA DEFESA "Há 29 anos acabaram-se os estágios. Allison chegou a Lisboa e deu-nos responsabilidade. Mas não se ficou por aí. Todos nós, jogadores, tínhamos direito a um copo de vinho, sempre servido por empregados à mesa, durante as refeições. Num dos primeiros almoços que tivemos nessa época, um empregado de mesa serviu-nos o vinho e ia levar a garrafa quando se ouviu o Allison a dizer: ''Deixe aí a garrafa!'' "

CARLOS XAVIER, O MIÚDO "De cada vez que jogávamos em Alvalade chegávamos ao estádio às 10h30 e almoçávamos a essa hora. O Malcolm Allison dizia-nos para comer à vontade: batatas, ovos, carne, peixe, massa. Era só escolher. Até ao jogo, ficávamos lá no estádio à espera de entrar em campo. Quando íamos a caminho do relvado já estávamos em pele de galinha, porque o Allison entrava em campo antes de nós e era um espectáculo dentro do próprio espectáculo. Dava a volta ao campo com o braço no ar a segurar o inconfundível chapéu. Os adeptos deliravam e nós também. Houve uma altura em que até havia música ao vivo e se tocava o "Comanchero". O estádio ia abaixo. Nunca o ouvi berrar. Nem nos treinos. Quando eu cometia um erro, aproximava-se e segredava-me qualquer coisa como ''não me lixes'', como quem diz: ''não sejas assim, tão apático, és capaz de muito melhor.'' "

MANUEL FERNANDES, O CAPITÃO "Dois dias depois de ganharmos a Taça, jogámos com o PSV Eindhoven em Paris. Na véspera, à noite, Allison concentrou os jogadores no hall do hotel e começou a falar das aventuras em Inglaterra. A conversa, animada como sempre, durou das 23 às duas da manhã. A essa hora, eu, como capitão, sugeri que fôssemos para a cama. Ele virou-se para mim: ''Fomos campeões, vencemos a Taça e vamos dormir? Nada disso. Vamos todos sair para Paris.'' E lá fomos, todos nós, aos bares e aos cabarés de Paris, àqueles mais conhecidos e tudo, como o Lido. Foi uma noite-manhã inesquecível. Aliás, essa sintonia de grupo já vinha de Agosto do ano anterior [1981], quando o Allison chegou a Lisboa. Dizia-nos para almoçarmos, jantarmos, cearmos ou sairmos à noite, mas sempre na véspera da folga. Como esse dia calhava à terça-feira, o plantel do Sporting, formado por 20/25 jogadores, começou a sair à segunda. Às vezes encontrávamo-nos ao almoço, ficávamos no restaurante até ao jantar e depois ainda íamos dançar até não aguentar mais. A essas noitadas o Malcolm nunca foi. Só mesmo a de Paris e por isso é que foi tão inesquecível. Porque fechou uma época de ouro no Sporting."

2010/10/08

Muita tranquilidade para a seleção

Independentemente da enorme trapalhada que se gerou, regozijo-me pelo afastamento de Carlos Queirós do cargo de selecionador nacional. É indesmentível: enquanto treinador principal de séniores, o currículo de Paulo Bento é muito melhor. E agora desejo que o Paulo faça na seleção um trabalho se possível ainda melhor que o que fez no Sporting.

2010/10/07

Ganhaste o Nobel da Literatura, Zavalita!

Nasceste em Arequipa. Andaste num colégio interno, o Colégio Militar Leôncio Prado. Frequentaste a Universidade Nacional de São Marcos (contra a vontade do teu pai, que queria que estudasses na Católica). Sentiste a ditadura do Odria. Casaste com a Tia Júlia. És tu, Zavalita. És tu o sartrezinho valente que se candidatou à Presidência do Peru com um plano de privatizações à Margaret Thatcher (apesar de tudo, antes tu que o Fujimori) e hoje escreve artigos (no nada conservador El País) a apoiar o PP espanhol. És um gajo de direita, Zavalita – esta frase demonstra-o inequivocamente. Os blogues de direita hoje exultam com o teu prémio, Zavalita. Provavelmente só te conhecem enquanto comentador político. É que, enquanto romancista, continuaste sempre perfeitamente de esquerda – de direita é que não tens nada, em nenhum dos teus livros. Apetecia-me estar contigo hoje, na Catedral, a beber uma cerveja – ou, melhor ainda, um pisco, dedicado a ti. Parabéns, Zavalita: ganhaste o Nobel da Literatura. E continuas fodido.

2010/10/05

RESISTÊNCIA. Da alternativa Republicana à luta contra a Ditadura (1891-1974)

Não é propriamente uma recomendação (acabou hoje e eu só a vi perto do fim), mas antes um reconhecimento: a exposição com este título, que esteve patente no Centro Português de Fotografia, comissariada por Tereza Siza e Manuel Loff, foi das mais interessantes e instrutivas que já visitei. Uma muitíssimo bem documentada revisão de 83 anos da nossa história. Parabéns a quem nela colaborou.
E viva a República!

Cem anos


Viva a República!