2006/11/30
O grande circo da Física – o pão que não ganhou bolor
Reparem bem nelas. Duas estão bem bolorentas. Mas… só duas! Por que não todas?
Se um alimento estiver hermeticamente fechado não ganha bolor, certo? Portanto o bolor aparece devido ao “contacto com o ar”. Mas sendo assim por que razão foram fatias interiores que ganharam bolor? A fatia exterior manteve-se intacta (e enganou-me, pois por eu não lhe detectar bolor julgava que o pão estivesse bom). Só ficou mais dura (o que é normal no pão após alguns dias), mas sem bolor nenhum.
Como explicar este comportamento? Será mesmo o “contacto com o ar” que causa o bolor?
2006/11/29
O grande circo da Física - a velocidade do chuto do Ronny
Dado o curto intervalo de tempo entre o chuto e a bola entrar na baliza, a aproximação que consiste em considerar a sua trajectória rectilínea (e não parabólica, desprezando a influência da gravidade) parece-me razoável. A aproximação para a distância percorrida também não me parece mal de todo, embora pudesse ser melhorada sem dificuldade (aqui o texto está mal: embora a trajectória seja "diagonal", também é "rectilínea").
O que me parece afectar o resultado é mesmo o valor do intervalo de tempo, que o Record apresenta como 28 centésimos de segundo. Não sei o rigor desta medição, mas não deve ser muito alto. Deve ser esta a origem da discrepância entre os valores dos dois jornais. Discrepância que levou A Bola, na edição de hoje, a reiterar a sua estimativa, consultando um especialista. Eu inclino-me mais o valor deste jornal. Se fosse o do Record (cerca do dobro), implicaria uma energia quatro vezes superior, algo nunca registado antes. E eu não acredito que o Ronny tenha uma energia de remate quatro vezes superior à do Roberto Carlos! A matéria de A Bola é mais completa, apresentando uma discussão comparativa. Mas a do Record apresenta números, embora se limite a fazer um cálculo elementar. Qual é que vocês preferem?
Fica entretanto a lição - os jornalistas devem consultar os especialistas, principalmente antes de fazerem manchetes de primeira página! Mas não me parece que, no Record, haja gente muito preocupada com isso.
2006/11/28
Os ortodoxos de hoje serão os renovadores de amanhã
Com o “caso” da recusa de Luísa Mesquita em abandonar o Parlamento, confirma-se uma vez mais: um membro do PCP só é “bom” se entrar em conflito com o partido. João Amaral em 1991 polemizava na imprensa com os então saídos para a efémera “Plataforma de Esquerda”. Edgar Correia e Carlos Brito estiveram convictamente ao lado de Álvaro Cunhal no apoio à tentativa de golpe na União Soviética. Na altura, ainda não eram os “grandes renovadores”. Luísa Mesquita há muitos anos é uma valorosíssima deputada; o reconhecimento só surge com este conflito. Sucediam-se e sucedem-se as críticas aos membros do PCP, sem nunca enaltecer o trabalho dos seus deputados. Mesmo agora, as atenções voltam-se só para Luísa Mesquita: ninguém fala em Odete Santos (que aceitou afastar-se após uma longa carreira de deputada). Sugiro por isso a jornalistas como o Pedro Correia que comecem a escrever o seu elogio a Jerónimo de Sousa – há de chegar a altura em que o actual secretário geral do PCP o merecerá.
Sobre a substituição dos deputados propriamente dita, a sua legalidade parece inquestionável, uma vez que estes mesmo antes de serem eleitos assinaram um documento nesse sentido com o partido. A grande questão que se põe, neste caso como na câmara de Setúbal (ou nos deputados “rotativos” do Bloco de Esquerda) é em que medida é que quem votou nos “afastados” não sabia (nem podia saber) da possibilidade de estes serem afastados, tendo votado nos candidatos e não nos partidos e sentindo-se por isso defraudado. Só nas próximas eleições tal se poderá saber.
Algumas notas:
Marcelo Rebelo de Sousa (texto na edição escrita do DN, sem ligação) fala como se o PCP entendesse substituir os deputados por completos desconhecidos, e não por quem lhes segue na lista. Os novos nomes já constavam nas listas eleitorais, e quem votou no PCP poderia tê-los eleito, caso se reunissem votos suficientes. A argumentação de Marcelo aplicar-se-ia a listas uninominais.
Joana Amaral Dias deveria recordar-se que, da primeira vez que foi deputada, também não foi eleita. Quem votou no Bloco de Esquerda também desconhecia, na altura, a “rotatividade”.
Ler também os dois comentários de João Pedro Henriques e o de Vital Moreira.
2006/11/27
Para o Diário de Notícias, Rómulo de Carvalho não existe
2006/11/26
Computador roubado
2006/11/25
2006/11/24
Física para o povo
Assinala-se hoje a passagem dos cem anos do nascimento de Rómulo de Carvalho, o mais notável divulgador da ciência português, mas que infelizmente é praticamente só conhecido como poeta (não que não mereça também tal reconhecimento). Convido os leitores residentes na área de Lisboa a passarem pelo Pavilhão do Conhecimento e visitarem, entre outras exposições interessantes, a dedicada às experiências simples por ele propostas no livro "Física Para o Povo", posteriormente republicado com o título "Física do Dia a Dia". Em sua homenagem, e também porque estamos na Semana da Ciência e da Tecnologia, talvez venhamos a ter aqui um pouco de Física simples.
Acontece quando nos esquecemos do pão
2006/11/23
Uma boa medida: a regulação dos horários das televisões
Gostaria de apresentar uma proposta sobre a regulação da televisão. Para quem vive nos EUA, a principal diferença na televisão relativamente a Portugal reside no facto de os horários dos programas serem sempre cumpridos. Não importa se durante o dia se tem programas tipo "O Juiz Decide" em praticamente todos os canais; se se tem o "Jerry Springer" e outros shows tais que me levem a recear que em Portugal se esteja apenas na Idade da Pedra do telelixo; se se tem intervalos comerciais a cada dez minutos. A verdade é que também se tem todos os dias episódios (antigos, é certo) do "Seinfeld", dos "Amigos" e dos "Simpsons", novelas brasileiras (dobradas em espanhol) como "O Clone" e a "Esperança", sempre à hora marcada. E tudo isto, refira-se, nos canais de acesso gratuito (acessíveis a quem tenha antena); não estou a falar de canais por cabo. A grande diferença é que nos EUA um espectador só vê o telelixo se quer, pois sabe que a programação que foi anunciada (nos jornais, nas revistas, na internet e na própria televisão) é a que é transmitida. A "contra-programação", o prolongamento de novelas por horas enquanto no outro canal está a dar desporto, aqui seriam impensáveis. Muito menos a interrupção de telejornais com directos do "Big Brother"! A verdade é que as estações de televisão, aqui, têm muito mais respeito pelos espectadores! A principal restrição que as emissoras de televisão em Portugal deveriam ter - e isto teria de ser o Estado, a tal "entidade reguladora", a fazer, mais do que propriamente interferir nos conteúdos - era a obrigação de cumprir os horários. Só isto alteraria substancialmente - para melhor - o panorama audiovisual em Portugal.É só isto e não mais do que isto que eu defendo. O que invalida por completo os argumentos pseudo-liberais do Blasfémias, onde Carlos Abreu Amorim começa logo a acenar com “critérios específicos de programação” ou “definição de alinhamentos”. Nada disto está em jogo no presente diploma, que visa somente um respeito pelo tempo perdido pelo espectador a ver o que não quer ver.
É curioso que este argumento venha de quem vem: justamente um dos maiores queixosos dos atrasos da TAP, a transportadora aérea estatal. Também já usei a TAP com regularidade e, embora não ponha em causa o testemunho do CAA, da minha parte só uma única vez (em muitos vôos) tive problemas com atrasos. Mas o CAA que tanto se preocupa com a perda de tempo por causa da TAP (quando os atrasos são muito mais justificáveis numa transportadora aérea do que numa estação de televisão), não quer saber do mesmo tempo perdido pelos telespectadores. Talvez porque a TAP é... estatal? Se a TAP fosse privatizada, talvez os atrasos fossem justificáveis? Talvez o presente diploma fosse aceitável se só se aplicasse à RTP? Ah, como é difícil ser liberal em Portugal, com um governo que se imiscui nas estações privadas... É isso?
Nos comentários ao meu texto de ontem, o Luís Rainha e o Luís Aguiar Conraria questionam-me sobre se “o governo tem mais do que se preocupar do que andar a brincar aos horários das televisões?” O Luís Rainha afirma mesmo que são textos como o meu (e portanto, presumo, medidas destas) que “dão mau nome à Esquerda; e razões a quem diz que somos um bando de palonços.” A mim não me interessa minimamente se esta é uma medida “de esquerda”, ou “de direita”, ou se é “pouco ou nada liberal”. Parece-me uma medida justíssima, e defende-la-ia qualquer que fosse o governo que a aplicasse. Um bom governo vê-se (também) por medidas destas, que melhorem a qualidade de vida de cidadãos (neste caso) indefesos. Quando o Luís Rainha ainda por cima me pergunta “e a contraprogramação é má porquê?” eu nem sei o que responder. Se o Luís Rainha, o Luís Aguiar Conraria ou o CAA não vêem televisão (ou só vêem canais por cabo) é um direito que eles têm. Mas deveriam compreender que há pessoas que querem ver os canais generalistas e que como tal devem ser por estes respeitados.
2006/11/22
Um bom passo
É claro que os nossos liberais (na verdade são mais libertários) são contra: são contra qualquer tipo de regulamentação feita pelo governo. Argumentam que se queremos horários cumpridos, pois vejamos a TV Cabo. Da mesma forma que argumentam que se queremos boa saúde, pois vamos aos hospitais privados. Ou se queremos boa educação, que a paguemos em escolas privadas.
Está de parabéns o governo por esta medida, que há muito defendo.
2006/11/21
Sobre o blackout de ontem
Telescópio Hubble mostra que o Universo jovem já tinha energia negra
2006/11/20
Lição para o futuro
Mudei de browser. Entrei logo sem problemas.
Volto amanhã. Boa noite.
2006/11/19
2006/11/18
Eu, órfão de Jospin, me confesso
Vêm aí as primárias do Partido Socialista francês para decidir quem será o candidato às eleições presidenciais. Embora havendo de certeza outros candidatos à esquerda (para já está confirmada Marie-George Buffet e fala-se em Jean-Pierre Chevènement), para um observador externo o que mais importa é o candidato do PSF, em princípio o único de esquerda com possibilidades de chegar ao Eliseu. Mesmo não sendo eu agora um observador próximo, tenho procurado seguir o processo com atenção. E o cenário não se apresenta particularmente estimulante.
Embora tenha vindo a cair nas sondagens, tudo indica que a candidata escolhida será Ségolène Royal. Pelo que tenho visto esta escolha está longe de me deixar sorridente. E com grande pena minha, pois bem gostaria de ver uma mulher a presidir aos destinos de uma sociedade tão patriarcal como ainda é a francesa. Só que – lamento ter que o dizer – parece-me que quem acusa Ségolène Royal de não ter ideias bem definidas e nem um projecto concreto tem razão. Pelas suas declarações, Ségolène tanto deve agradar a Francisco Louçã (quando fala em endurecer restrições ao capitalismo ultraliberal) como a Paulo Portas (quando fala num endurecimento das leis da imigração). Pelo meio, declara-se admiradora de Tony Blair. É obra!
A meu ver Ségolène tem o mérito de não fugir aos problemas e de os saber colocar sem tabus ideológicos, algo que é frequentemente muito difícil para a esquerda. Onde tem falhado, pelo menos no que eu tenho notado, é em propor soluções e alternativas para esses mesmos problemas, parecendo sempre querer agradar a toda a gente. Espero que, se for eleita presidente, se revele melhor na prática política do que na campanha (e tal não seria a primeira vez). É que as alternativas dentro do seu partido, para além de perdedoras face ao provável candidato da direita Sarkozy (ao contrário de Ségolène - dizem as sondagens), são ainda menos animadoras.
Dominique Strauss-Kahn é um barão, um cinzento homem do aparelho, sem grande capacidade para mobilizar o seu partido, muito menos a França e a Europa. Quanto a Laurent Fabius, é um populista oportunista (e de baixo nível, como atesta a sua pergunta sobre como seria ter Ségolène presidente: "E quem vai tomar conta dos filhos?"). A sua eventual escolha como candidato só serviria para descredibilizar e desmoralizar o PSF, lançando a esquerda francesa numa crise de resultados imprevisíveis (quiçá piores do que os de 2002).
Durante muito tempo, mesmo quando já se dava como garantido o duelo Ségo-Sarko, tive a esperança de um regresso de Lionel Jospin. Mesmo depois de, após a forma totalmente inglória e imerecida como falhou a passagem à segunda volta das eleições de 2002, ter dado por finda a sua carreira política. Pelos sinais que deu durante este ano é óbvio que pretendia voltar. Teria sido melhor ter-se mantido como reserva, sem nunca ter fechado a porta. Optou por uma "estratégia do tabu", sem dar indicações claras se pretendia avançar ou não. E quando é assim, os apoios não surgem: dirigem-se mais facilmente para quem avança sem reservas. Por vezes os calculismos pagam-se caro: quando Jospin foi à procura de apoios, já não os tinha e teve de recuar. Para a história fica um grande político, protagonista de uma era de paz e progresso no mundo como poucas outras.
Sendo assim, agora é indispensável encontrar-se um candidato de esquerda capaz de vencer a eleição. Mas, primeiro – e se calhar mais difícil do que isso – é garantir que esse candidato chegue à segunda volta.
2006/11/17
Com o Beaujolais novo veio Ségolène
Ségolène Royal foi portanto escolhida pelos militantes do PS como candidata à presidência da República no mesmo dia em que é provada (e vendida) a nova colheita do vinho Beaujolais. Que grande bebedeira deve ter sido na Rue de Solférino!
O meu texto Eu, órfão de Jospin, me confesso pode ser lido aqui.
2006/11/16
A América segundo Miguel Sousa Tavares
Tudo acontecia como nos filmes, era tudo rigorosamente verdade: aquela era verdadeiramente “ the land of the free”, um país onde a liberdade individual, a sensação de que se é absolutamente dono de si, do seu tempo, da sua vontade e do seu destino, era tal forma inebriante que era preciso um esforço de contenção diário para não se deixar ir atrás do fluxo, aparentemente sem nexo, das coisas e do tempo.
Um excelente artigo no Expresso, que eu encontrei aqui via Aspirina B. Está recheado de imprecisões históricas diligentemente colectadas por Joaquim Vieira, mas que em nada afectam a ideia principal do texto, como sempre muito bem transmitida. Que alguém se dê ao trabalho de expor estas imprecisões (algumas bem óbvias, outras nem tanto) sem ao mesmo tempo comentar sequer o conteúdo do (repito, óptimo) artigo só revela como o Miguel Sousa Tavares é objecto de inveja para muito boa gente. No caso de Joaquim Vieira, deve ter a ver com a extinta “Grande Reportagem”.
2006/11/15
A ciência de qualidade é “inconstitucional”?
Talvez não seja tanto assim com ciências sociais, mas em ciências naturais há uma grande diferença entre a divulgação científica e o fazer ciência a sério. A primeira deve ser, em Portugal, feita em português sempre que possível. A segunda, pelo contrário, presentemente só pode ser feita em inglês. Há uma questão essencial, que eu já aqui foquei várias vezes: a ciência de qualidade não tem (não pode ter) nacionalidade. Deve interessar (e, por isso, poder ser entendida) por qualquer especialista em qualquer lugar do mundo. Por isso inevitavelmente a ciência de qualidade tem de ser comunicada, entendida e avaliada (todas as três) numa “língua franca”, que hoje em dia só pode ser o inglês. Na eventualidade de mais ninguém no mundo entender a ciência do Prof. António Fidalgo que não uns lusófonos (ou espanhóis), só posso lamentá-lo. Mas o Prof. António Fidalgo tem de entender que é ele que tem de se adaptar aos padrões da ciência de qualidade (uma actividade global no sentido mais completo do termo), e não o contrário. A sua proposta é ainda mais anacrónica no contexto de Bolonha. Presentemente as melhores universidades europeias (incluindo supostamente “chauvinistas” universidades francesas) organizam-se para fornecerem formação avançada em parcerias. Obviamente em inglês.
O artigo chega ao ponto de utilizar argumentos que seriam inacreditáveis se não estivessem escritos e pudessem ser lidos, como de “constitucionalidade”. Cito ainda esta passagem:
“os falantes nativos têm acesso ao substrato de uma língua de uma forma que não têm os que a falam como segunda língua. O inglês enquanto língua franca não é o inglês das literaturas inglesa e americana, antes um inglês de superfície, onde as palavras e as expressões são despidas da sua profundidade histórica, do seu sentido múltiplo. É um inglês à Forrest Gump, de uma dimensão simplista e por vezes idiota. A síndrome de Asperger, de que essa conhecida personagem fílmica sofre, encontra o seu espelho na forma como o inglês é falado pela grande maioria dos que o falam como segunda língua: repetem os mesmos termos e expressões, ignoram segundos, terceiros e ulteriores sentidos, adquirem tiques estranhos, e é-lhes inacessível o humor e a ironia.”
Num artigo científico não há “humor” ou “ironia”. Há comunicação científica objectiva e rigorosa, que pode ser feita mesmo por quem nunca tenha lido Shakespeare e só tenha da língua conhecimentos técnicos (uma noção que pelos vistos escapa ao Prof. Fidalgo). Quem frequentemente parece o “Forrest Gump” a falar inglês nas conferências são cientistas de países onde certas concepções do Prof. Fidalgo prevalecem, nomeadamente havendo dobragens e não legendagem de filmes e séries na televisão, como a Itália ou a Espanha.
Esta posição de António Fidalgo pelos vistos não é de agora. Recomendo a leitura de uma resposta de António Granado a uma outra tomada de posição deste autor.
2006/11/14
Era bom que trocássemos umas ideias...
É lutar pela igualdade tendo sempre presente que um valor essencial para isso é a liberdade.
A diferença entre um quiosque e a blogosfera
Ah! Diz-me uma voz, mas estás a misturar tudo! Pois estou, é como fazem os que falam dos blogues misturando tudo, como Miguel Sousa Tavares e Eduardo Prado Coelho fizeram recentemente para se defenderem (o que é legítimo) de acusações e falsificações anónimas. É verdade que os jornais e revistas têm responsáveis e não são como as cartas anónimas, ou os blogues que funcionam como cartas anónimas, mas quando os primeiros transcrevem os segundos ficam iguais. No caso do Miguel Sousa Tavares, o que falhou foi a imprensa tradicional, que aceitou citar fontes anónimas, sem um julgamento de mérito. A notícia não é que um blogue anónimo acuse Miguel Sousa Tavares de plágio, a notícia é que Miguel Sousa Tavares cometeu plágio, se o tivesse cometido, e aí o autor da notícia devia fazer o seu próprio julgamento e só publicar caso esse julgamento fosse que sim. Não sendo, o blogue é como uma carta anónima, incitável e inaceitável. Foi isso que falhou e hoje em dia falha cada vez mais, porque a comunicação social escrita precisa de pretextos para violar as regras de que se gaba como sendo distintivas e, na Internet, encontra-os com facilidade, entrando depois facilmente na selvajaria. Está lá no computador, para milhões verem, por isso está "publicado", logo posso citar e levar a sério, sem ter responsabilidade.
O mal não está nos blogues em si, está na nossa incapacidade para ler e escrever blogues, como para ler e escrever jornais com uma decência mínima. O problema é mais comum do que se pensa, embora seja verdade que as pessoas se sentem mais impotentes para se defenderem da Internet do que no mundo da comunicação social tradicional, mas o que é crime cá fora é crime lá dentro.
Mas a reacção aos blogues, selvagens, inúteis, desviadores da atenção, perdulários do nosso tempo, oculta-nos muita coisa de interessante que está a passar-se diante dos nossos olhos e que não percebemos porque os vemos tão misturados como o Jornal do Crime está com o PÚBLICO no quiosque de jornais, ou como se o PÚBLICO para falar de ciência citasse o Guia Astrológico como fonte. Os blogues são apenas uma das pontas do mundo novo em que já estamos, uma pequena ponta, mas tão reveladora que mesmo estes episódios lesivos de Miguel Sousa Tavares (acusado de plágio) e de Eduardo Prado Coelho (que tem um texto falso a circular na Rede) são dele sinal. Ora nunca ninguém disse que era o Admirável Mundo Novo, a não ser os utopistas que pensam que as tecnologias mudam o mundo sem o pano de fundo das sociedades onde elas existem.
2006/11/13
Tão boas séries, tão má televisão
A única coisa que a televisão portuguesa tem má (muito má) é o total incumprimento de horários, directamente relacionado com a extensão absurda dos telejornais. Tudo estratégias de contraprogramação. Aí, sim, temos um bom retrato do país que somos.
Fossem os horários cumpridos e eu não me importaria nada que as boas séries (como as da HBO) dessem às três ou quatro da manhã. Hoje em dia um videogravador já não se pode considerar um luxo.
2006/11/12
Uma viagem à Palestina
Jerusalém é um bom retrato (exagerado) do que está a acontecer à sociedade israelita (e à árabe, e à americana...). Os ortodoxos tomaram conta da cidade. Reproduzem-se a um ritmo alucinante, compram ruas inteiras, fecham ruas ao sábado, apedrejam quem se atreve a conduzir naquele dia e, paulatinamente, vão comprando todas as casas numa guerra de posições. (...) Alguns ortodoxos limitam-se a receber dinheiro do Estado para não fazer nada a não ser ler os textos sagrados. As mulheres de outros são obrigadas a rapar o cabelo depois de casar e usam peruca no seu lugar. Recentemente, um representante dos ortodoxos na municipalidade quis proibir homens e mulheres de viajarem no mesmo lugares dos transportes públicos. Se alguém tomasse esta gente por legítimos representantes dos judeus, toda a gente se indignaria. Com justiça. Só que quando se toma a minoria fanática islâmica pela voz dos muçulmanos, toda a gente acha normal. (...)
[Em Gaza] Com o encerramento das fronteiras, a maquinaria para fábricas não entra e não há investimento possível. Quando chegam ao mercado os custos de transporte representam o dobro dos custos de produção. Depois de verificados ao milímetro, e esperarem durante dias no porto israelita de Ashdod (os palestinianos têm de pagar a espera), os produtos só podem ser transportados por empresas israelitas certificadas. Elas aproveitam o monopólio e inflacionam os preços. Depois, em princípio, ficam semanas ou meses à espera na fronteira, ao sabor dos humores do oficial de serviço. Se forem perecíveis, já nem vale a pena saírem de lá. Os produtos de consumo de produção israelita entram, claro. Há que fazer negócio. Os preços são muito mais altos do que em Israel e os salários infinitamente mais baixos. O pouco que os palestinianos ainda conseguem produzir para exportação só sai depois de apodrecer. O funcionamento do porto em Gaza seria uma grande ajuda para os palestinianos. Mas os israelitas não permitem que ele reabra. Entre as duas partes dos territórios (Gaza e Cisjordânia) praticamente não existem movimentos comerciais possíveis.
Como ninguém entra ou sai, o investimento externo é uma miragem. Ninguém quer empatar dinheiro com tanto risco se nem pode ter contacto com o seu negócio. Os empresários de Gaza não podem ir a reuniões no estrangeiro, tratar de negócios. Estão presos. Um gestor explica-me: «Israel retirou mas continuamos ocupados, muito pior do que antes, estamos aqui presos e condenados à miséria. Somos pessoas educadas, preparadas para os nossos negócios. Não precisamos de caridade. Apenas queremos que nos deixem trabalhar.»
Há sete meses que os funcionários públicos de Gaza e da Cisjordânia não recebem um tostão. É Israel que colecta os impostos dos palestinianos. Desde que o Hamas ganhou as eleições que fica com eles. São dois terços do Orçamento da Autoridade Palestiniana que Israel rouba e usa para seu proveito. Só os médicos recebem: 300 dólares por mês. O resto, de professores a polícias, nada. Num território com mais de 3500 pessoas por quilómetro quadrado, o poder está na rua. Não há dinheiro mas não faltam armas. Estão três mil para entrar. E os EUA fazem pressão junto de Israel para que autorize. Quer armar a Fatah para uma provável guerra civil que se avizinha. Assim como quer que entrem mais homens para engrossar a guarda pretoriana do Presidente Abbas. A Europa (que paga tudo, das infra-estruturas que os israelitas se divertem a desfazer às ajudas ao governo) descobriu o ovo do Colombo. Vai criar um regime extraordinário em que o dinheiro é entregue directamente aos funcionários, através de bancos, sem passarpelo governo. Outra parte do dinheiro irá directamente para pagar a electricidade e água que Israel fornece à Palestina. Fica-lhes com os impostos e cobra-lhes pela energia.
2006/11/11
O concerto - conclusão
2006/11/10
Algumas estatísticas do concerto
O concerto baseou-se em canções do mais recente álbum Carioca e dos anos 80.
Clássicos dos anos 60, só Quem Te Viu, Quem Te Vê. Dos anos 70, Mambembe, Tanto Mar e João e Maria. Os clássicos ficaram ou para a introdução, ou para o encore. Os anos 90 também ficaram reduzidos a Futuros Amantes.
Exceptuando Carioca, o álbum de originais mais representado no concerto foi Vida, com quatro temas. Do Grande Circo Místico saíram três temas. De Uma Palavra saíram cinco canções, mas este é um álbum de versões (com arranjos semelhantes às que foram cantadas). Do álbum ao vivo em Paris também saíram cinco canções.
Para a posteridade
Mambembe
Dura na Queda
O Futebol
Morena de Angola
Renata Maria
Outros Sonhos
Imagina
Porque Era Ela, Porque Era Eu
Sempre
Mil Perdões
A História de Lily Braun
A Bela e a Fera
Ela É Dançarina
As Atrizes
Ela Faz Cinema
Eu Te Amo
Palavra de Mulher
Leve
Bolero Blues
As Vitrines
Subúrbio
Morro Dois Irmãos
Futuros Amantes
Bye Bye Brasil
Cantando no Toró
Grande Hotel
Ode aos Ratos
Na Carreira
Encore:
Tanto Mar
Quem Te Viu, Quem Te Vê
João e Maria
Sem Compromisso
Deixa a Menina
2006/11/09
Encore
Já Quem Te Viu, Quem Te Vê foi cantada com a delicadeza que a sublime letra exige:
Hoje eu vou sambar na pista, você vai de galeriaJoão e Maria é presença habitual no final dos concertos de Chico. E quando tudo parecia que ia acabar, eis que regressa ao palco para acabar em beleza com Sem compromisso e Deixa a menina. Por trás de um homem triste há sempre uma mulher feliz. Era meia noite e o samba estava quente. Ficámos por ali, à espera de mais.
Quero que você assista na mais fina companhia
Se você sentir saudade, por favor não dê na vista
Bate palmas com vontade, faz de conta que é turista
Ode aos ratos
Rato de rua
Aborígene do lodo
Fuça gelada
Couraça de sabão
Quase risonho
Profanador de tumba
Sobrevivente
À chacina e à lei do cão
Mas não se ouvia cantar nada: só a música. Chico encolheu os ombros e só largou um “esqueci”, sem se desmanchar. A música continuou e Chico retomou no refrão. Mesmo assim considero este episódio bastante significativo.
Grande hotel
Futuros amantes
As vitrines
2006/11/08
Eu te amo
Seguiu-se Palavra de Mulher, a única canção da Ópera do Malandro neste espectáculo. Também a cantei toda.
O relato continua amanhã.
Ela É Dançarina
Começou com esta canção o meu karaoke particular. A letra não mudou, como disse, e esta foi a primeira canção que eu cantei do princípio ao fim. Não errei.
A história de Lily Braun
Imagina
Morena de Angola
Em resposta a esta canção Caetano Veloso canta em “Língua”: “…e que o Chico Buarque de Holanda nos resgate e – xeque-mate! – explique-nos Luanda!” Luanda continuou por explicar por parte do Chico Buarque. O Chico não muda. E continua muito bom.
O Futebol
No final, Chico recordou que tinha um coração encarnado (por várias razões, mas uma delas deveria ser para alegrar a Ana Sá Lopes), mas dedicou a canção… ao Anderson, do FC Porto! Ponto a favor do Caetano, que no velho estádio de Alvalade cantou o Leãozinho com um cachecol do Sporting.
Dura na Queda
O concerto: Chico Buarque, Coliseu de Lisboa, 06/11/06
(Toda a informação relativa às músicas está disponível na página do Chico Buarque, em "obra".)
2006/11/07
Uma verdade conveniente
«Do it because the ice is melting in the Arctic, in Greenland and all over the world, and unless we take on the climate crisis soon, we could cross a point of no return.
Do it because the war in Iraq is a disaster, and our brave men and women who are fighting and dying there need an honorable and speedy path home.
Do it because in the wealthiest nation in the world, there are millions of kids who can't go the doctor when they get sick because they don't have health care.
Do it because President Bush and this Congress have chipped away at our fundamental rights-rights guaranteed every citizen-that make our country a beacon of freedom. Do it because our government shouldn't be able to wire-tap innocent citizens without a warrant.
Do it because of Abu Ghraib. Do it to tell the world that America won't sanction torture-and we fire the politicians who do. That's the real no-brainer.
Do it because five years after September 11th, President Bush and the Republican Congress have made us all less safe.
But most of all, do it because the country we all love needs our help. Our democracy is in trouble. America needs you.»
Mensagem de Al Gore aos membros do movimento MoveOn.
Obrigado Chico!
Tanto Mar
Amanhã segue-se um relato pormenorizado do concerto.
(Nota: Há mais uma data suplementar. De quatro concertos inicialmente previstos em Lisboa, já vamos em seis. É amanhã. Nuno, não queres apanhar um avião?
2006/11/06
Finalmente chegou o dia do concerto. E se eu não gostar?
O meu amigo e ex-colega de blogue André finalmente abriu-me os horizontes para o Caetano Veloso no quarto ano de curso. Mas o importante é que durante quatro anos da minha vida eu praticamente só ouvi Chico Buarque. (Graças ao André, os quatro anos seguintes foram bem mais diversificados: passei a ouvir o Caetano sem deixar de ouvir o Chico). O Chico foi o meu primeiro ídolo, e ainda hoje para mim não há outro como ele.
Hoje há um concerto do Chico Buarque. Sempre sonhei com um concerto do Chico Buarque em que ele cantasse os clássicos, que eu sei de trás para a frente, para eu poder cantar com ele. Mas pelo que já li na imprensa e vi no YouTube, os clássicos serão reduzidos ao mínimo. Para além de se basear sobretudo no último álbum, o concerto vai buscar temas dos anos 80, sobretudo parcerias com Edu Lobo.
Só vi uma vez o João Gilberto ao vivo, em Nova Iorque, no Carnegie Hall. É provável que não volte a ver o João ao vivo, mas o concerto foi perfeito. Tudo o que eu queria. Tudo o que se podia querer.
Tenho receio de que este seja o último concerto do Chico Buarque em Portugal, como escreveu o João Miguel Tavares. E que não seja este o concerto que eu queria.
Hoje vou finalmente a um concerto do Chico Buarque. Há muitos anos que ando à espera deste momento. E estou nervoso como um caloiro que vai fazer um exame ou um virgem que vai ter relações sexuais. E se eu não gostar? Fará mais alguma coisa sentido?
A crónica do blasfemo pasmado
Espero que tenham feito bom proveito. Entretanto já experimentaram ler o relatório Stern? Não leiam só o vosso blogue! Experimentem ler por exemplo aqui.
2006/11/05
Em estágio auditivo e mental: concentração para o grande evento (4)
Sem compromisso (de Geraldo Pereira e Nelson Trigueiro) e Deixa a menina. Como no CD ao vivo em Paris (1989), só que sem Mestre Marçal, entretanto falecido. Dedicado ao Nuno, que bem gostaria de ir ver o concerto se por cá andasse.
Ir ao concerto desta vez como se fosse o último
Chico Buarque em Portugal, "para ver antes que acabe"
João Miguel Tavares
Há ideias que já fazem parte da mitologia buarquiana. Ideias como "Chico Buarque é um homem tímido" ou "Chico Buarque não gosta de estar em cima de um palco". Mas o músico que se vai apresentar em Portugal a partir de hoje, para uma série de nove concertos (ver caixa), é um homem diferente daquele que actuou pela última vez em Lisboa, há 13 anos. O Chico século XXI já se move à vontade entre jornalistas, desprende charme com a precisão de um relojoeiro e dos espectáculos ao vivo chega mesmo a dizer: "Já sinto um certo prazer."
Chico não vinha a Portugal (para cantar, bem entendido) desde o disco Paratodos (1993), já que a digressão que se seguiu ao álbum As Cidades (1998) só atravessou o Atlântico em DVD. Agora veio, e, pelo que se conclui diante da abundância de salas cheias, muitos milhares continuam à sua espera. Aliás, fizeram- -lhe essa pergunta na conferência de imprensa de quinta-feira, no 19.º andar de um hotel de luxo lisboeta, junto às Amoreiras : "Como explica esta enchente de concertos em Portugal?" Ele respondeu: "Acho que as pessoas pensam: 'É melhor ver antes que acabe.'" E depois disto soltou uma longa gargalhada, embora sem explicar se tanto riso se deveu a ter achado a ideia absurda ou, pelo contrário, absolutamente plausível. Eu voto plausível.
Por isso, se alguém procura um conselho, os bilhetes são caros mas valem o investimento. O que se vai poder ouvir é: todas as 12 canções do seu novo álbum, Carioca; um tema de abertura de concerto retirado do espólio da melhor música brasileira - Voltei para Cantar, de Lamartine Babo; um alinhamento de mais 16 canções compostas sobretudo nas décadas de 80 e 90; entremeado de uma ou outra pérola escondida e nunca apresentada ao vivo, como Mambembe, de 1972; e ainda espaço no encore para clássicos como Sem Compromisso, Deixe a Menina ou Quem te Viu, Quem te Vê; e a despedida de cena ao som de João e Maria, esse notável hino surrealista para criancinhas.
Se for como no Brasil vai ser assim, e tendo em conta o rigor - há quem lhe chame rigidez - de Chico em palco não deve haver grande lugar para improvisações. Aliás, os ecos menos simpáticos da imprensa brasileira a propósito do novo show do cantor criticam precisamente os arranjos conservadores - da responsabilidade do seu velho cúmplice Luiz Cláudio Ramos -, a ausência de uma nesga que seja de improvisação e as poucas falas de Chico em palco. Portanto, se alguém quiser fazer Carnaval, convém procurar outro brasileiro.
Mas as mesmas críticas também admitem que os concertos de Chico acabam sempre da mesma maneira: público de pé, chuva de palmas, plateia em delírio. É inevitável: a mitologia buarquiana supera as suas próprias limitações. Chico é Chico, independentemente de já ter assinado discos mais inspirados, de já ter composto canções mais perfeitas, de já ter sido mais livre e sonhador, de já ter tidos os olhos mais verdes e a pele menos enrugada. Chico é Chico. É melhor ver antes que acabe.
2006/11/04
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2006/11/03
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O que será, O futebol, Ela é dançarina, Mambembe e Dura na queda (do último álbum, Carioca).
Lula de novo com a força do povo
Atendendo ao simpático convite, hoje podem encontrar-me no Cinco Dias.
2006/11/02
Pós Halloween, pós Todos-os-Santos
Ontem à noite estavam mais caladinhos.
A festa dos verdadeiros leões de Lisboa, de verde e branco equipados, ainda está para vir.