2006/08/14

Segunda feira, dia de Dia D (II)

A cada segunda feira, é publicado mais um Dia D. Se não se lembram do que é o Dia D, eu recordo-vos: é um suplemento do jornal onde estagio, que tem como subtítulo “A Economia que lhe interessa”. Todas as segundas feiras, o Dia D publica duas colunas de opinião. Na escolha de colunistas por parte do Dia D observa-se uma grande diversidade: os colaboradores do blogue O Insurgente vão-se todos revezando nessa função, o que demonstra especial preocupação com a imparcialidade, visto que O Insurgente, como é bem sabido, é constituído por gente das mais diversas proveniências ideológicas, e defendem todos ideias muito diferentes. Para aumentar o leque de opiniões disponíveis, e para ninguém pôr nenhum defeito, de vez em quando um dos colaboradores é um autor de um dos blogues satélite, ou algum dos comentadores mais frequentes de O Insurgente (daqueles que, a cada novo texto do André Azevedo Alves, logo surgem nas caixas de comentários do blogue – daquelas da haloscan – a largar uma porção de “smileys”). Maior variedade de opiniões, só mesmo na Soeiro Pereira Gomes, numa reunião do Comité Central. Estranhava-se por isso a ausência do chefe. Quando veríamos as muito católicas opiniões do André Azevedo Alves no Dia D? Foi hoje! Hoje é que foi mesmo o Dia D! E garante um muito maior leque de opiniões. É que com o André Azevedo Alves como articulista, poderemos ter em breve acesso na imprensa a opiniões que, verdade seja dita, mais ninguém publica (nem no Insurgente). Não tarda nada e leremos no Dia D artigos a defenderem o criacionismo e a invasão de todos os países árabes, e a branquearem o senador McCarthy. A não perder.

PS: A verdade é que, felizmente, o conteúdo noticioso do resto da revista Dia D não obedece à agenda Insurgente. Ainda hoje, por exemplo, é publicada uma crítica altamente elogiosa ao livro An Inconvenient Truth, de Al Gore, classificado como "uma obra demolidora e genial". O que não é propriamente a opinião de O Insurgente. Se a revista é assim no conteúdo noticioso, por que será que se nota esta predominância nas colunas de opinião dos "defensores da escola austríaca" e os seus compagnons de route (ou antes "road companions", que esta malta não gosta de francês)? Não haverá outros economistas?

13 comentários:

Unknown disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Miguel Noronha disse...

Peço desculpa pela opinião económico do Insurgente não ser do seu agrado. Infelizmente não temos por hábito defender teses inverossímeis.

Hugo Mendes disse...

"Infelizmente não temos por hábito defender teses inverossímeis."

Como por exemplo?

Miguel Noronha disse...

A de que o sistema "pay as you go" é sustentável.

Hugo Mendes disse...

Depende das regras em vigor, e é preciso fazer escolhas que não se deslumbravam claramente no passado. O que nao é sustentavel são os valores das pensões como existem hoje, mas mesmo aqui ha' terreno para manobrar. O pior de tudo é mascarar opções ideologicas com supostos necessitarismos tecnocratas.

Miguel Noronha disse...

"é preciso fazer escolhas que não se deslumbravam claramente no passado"

A solvência do "pay as you go" só se mantém em conjunturas de inflação elevada (que erodem o valoe real das pensões) e/ou com a manutenção continuada de crescimentos demográficos elevados.
Expliquem-me a dificuldade de prever a falência deste modelo!

Aqui não estamos no plano ideológico mas no do cálculo financeiro (ie matemática).

Hugo Mendes disse...

Nao so; depende da produtividade, da idade de reforma, da forma de calculo, dos nivel de migraçao, de fertilidade, etc. Sao muitas as variaveis em jogo, nao reduzamos o modelo a uma ou duas. O que é incontornavel é a descida do valor das pensoes, porque a estrutura demografica alterou-se radicalmente no ultimo meio século. Os paises mais jovens, com menos de 20% da populaçao acima dos 65 em 2020 (projecçoes), basicamente os anglo-saxonicos, terao muito menos problemas que os paises altamente envelhecidos, como a Alemanha e a Italia.

Eu disse que os problemas nao se vislumbravam nao porque nao fossem previsiveis, mas porque nao eram prementes com a criaçao do sistema pay-as-you-go; as prioridades eram outras. O realmente premente eram outras questoes mais sociais e menos financeiras; por exemplo, o objectivo de retirar milhoes de idosos da pobreza atribuindo-lhes pensoes flat-rate que os mantivesse acima dos niveis de pobreza. Foi isto que melhorou o bem-estar de pelo menos uma geraçao de idosos, com custos necessarios e adiados, que hoje enfrentamos.
Mas este "pormenor" de retirar milhoes de pobreza, imagino, so é relevante para alguns.

MP-S disse...

E depende tambem de opcoes de vida: preferem ter dois carroes que gastam montes de gasolina, ou ter um carro mais pequeno, eficiente, e contribuir para um sistema de apoio aos mais idosos e necessitados. Apenas um exemplo.

Partir para a discussao com modelos economicos que usam premissas de base como individuos atomizados e egoistas e' um opcao ideologica, nao e' uma necessidade cientifica.

Hugo Mendes disse...

So' para adicionar ao que havia dito em cima: depende do modo de financiamento da segurança social, que - ao mesmo tempo que deve separar de forma transparente os elementos 'contributivos' e elementos 'solidaristicos' - necessita de depender menos dos 'pay-roll taxes', que pesam exclusivamente sobre a populaçao activa, para passar a depender mais de outros impostos; isto levaria a que os idosos com pensoes generosas hoje contribuissem e aliviassem da geraçao mais nova a responsabilidade do financiamento do sistema. Isto é apenas um exemplo de que ha' muito por reconstruir/reformar sem deitar o sistema abaixo.

Miguel Noronha disse...

"Eu disse que os problemas nao se vislumbravam nao porque nao fossem previsiveis, mas porque nao eram prementes"

Q.E.D.

Logo, admite que o conhecimento sobre a insustentabilidade do sistema era conhecida ex-ante e que mais cedo ou mais tarde este iria entrar em colapso.

Hugo Mendes disse...

Miguel, ex post é muito facil tirar conclusoes, nao é? Como metodo de analise historica é uma falacia historicista comum em nao-historiadores, mas que é de evitar - isto parece-me absolutamente elementar. Os sistemas de segurança social sao sistemas complexos que envolvem multiplas variaveis; entrar em colapso "mais cedo ou mais tarde", como escreve, nao significa coisissima nenhuma, sobretudo quando se desenha os sistemas em relativa incerteza; e ele so' entra em colapso se uma série de variaveis se comportarem de forma absolutamente diferente do que é esperado no momento em que os pilares do sistemas são pensados/lançados. (o Miguel esta' a ser mais crente na capacidade de previsão do futuro que o mais convicto "Gosplanner"!, o que ja é curioso: quando convém, acusam-no de pensar que pode planear o futuro apesar de não poder controlar as variaveis todas; agora, queixam-se de que ele afinal sabia o que o futuro inevitavelmente trazia para afirmar que, presumo, que era um charlatao por nao ter alertado para os problemas futuros).

Assim, quando os sistemas de segurança social começaram a ser pensados/construidos no pos-guerra/década de 50, o futuro proximo parecia em muitos dominios diferente do que se veio a revelar; se o Miguel for consultar a literatura economica do terceiro quartel do seculo XX, esta era altamente optimista; as taxas de crescimento eram as mais altas da historia; o avanço tecnologico forte; o pleno emprego uma quase realidade; a melhoria das condiçoes de vida da população nunca vista, etc.. As projecçoes apontavam para que as coisas iriam continuar assim ou mesmo melhorar no futuro - não que o modelo economico iria entrar em colapso. Portanto, para responder directamente à sua pergunta, nao, a insustentabilidade do conhecimento não era conhecida porque as projecçoes levadas a serio (faliveis, como todas as projecçoes, ja sabemos) nao apontavam para um realidade economica de estagflaçao que se tornou incontornavel a partir dos meados da década de 70. Na altura, o colapso era uma hipotese meramente académica.

Hoje, depois de 30 anos de crescimento economico fraco, é facil olhar para tras e tirar conclusoes que nos parecem obvias mas que não eram de todo no passado. E' que, convém lembrar, as pessoas não têm o dom da ubiquidade. A "whig history", que é a que o Miguel esta' a tentar fazer neste caso, é ma' historia.

P.S. - Quanto ao entrar em "colapso", ja' escrevi que isso é mais fumo que fogo; entra em colapso se as regras do sistema não forem alteradas. E para isso que serve a politica: mudar as regras quando os constragimentos nao-politicos mudam.

Miguel Noronha disse...

Prever a sustentabilidade de um sistema partindo do princípio que as variaveis são estáticas (uma contradição em termos) é que é irrealista. O sistema "pay as you go" estava condenado à partida. Bastava pensar na implicações demográficas.

"P.S. - Quanto ao entrar em "colapso", ja' escrevi que isso é mais fumo que fogo; entra em colapso se as regras do sistema não forem alteradas. E para isso que serve a politica: mudar as regras quando os constragimentos nao-politicos mudam"

Se quiserem que pessoas que não-beneficiários passem a contribuir para o sistema é claro que é possível injectar mais liquidez. No entanto isso é totalmente contraproducente.
Se eu comprar uma casa e, a meio, deixar de ter meios para a pagar não posso esperar que sejam terceiros a fazê-lo por mim.

Hugo Mendes disse...

"Prever a sustentabilidade de um sistema partindo do princípio que as variaveis são estáticas (uma contradição em termos) é que é irrealista."

O Miguel não quer perceber o que eu escrevi: eu disse que as projecçoes eram optimistas, algumas excessivamente optimistas dada a "euforia" do inicio dos "Trente Glorieuses"; para além do mais, toda a acçao politica-economica faz-se na relativa incerteza, mesmo perante projecçoes tidas como fidedignas; se so' agissemos quando tivessemos 100% certeza, ficavamos bloqueados. Para além do mais, o sistema "pay as you go" foi construido com um objectivo social e politico que o Miguel teima em obliterar por completo, e que era a grande prioridade da altura. Esquecer isto é esquecer quase tudo.

"Bastava pensar na implicações demográficas."

Mas que implicaçoes demograficas?
Dado que os demografos nao sao magicos e nao têm bolas-de-cristal, nao podiam prever a grande as transformaçoes demograficas dos ultimos 50 anos: por exemplo, o aumento exponencial da esperança de vida nao era propriamente uma coisa tida como adquirida em 1950, quando metade da Europa ainda vivia a esquemas de racionamento alimentar; ou a brutal ou a qubra da fertilidade. Custa compreender que estes eram fenomenos desconhecidos? O Miguel tem que raciocionar como se estivesse na altura, perante a incompletude de informaçao, projecçoes e tendencias disponiveis, pressao institucional para agir na area social, compromissos dos agentes politicos, etc. etc - não como se tudo estivesse traçado à partida. Francamente, nao compreendo que utilidade lhe traz aqui (politica ou outra) o uso completamente desajustado de um raciocinio "finalista". O Miguel quer provar exactamente o quê?

"Se quiserem que pessoas que não-beneficiários passem a contribuir para o sistema é claro que é possível injectar mais liquidez. No entanto isso é totalmente contraproducente."

Mais uma vez não leu o que escrevi: disse que uma das soluções possiveis para evitar os problemas de financiamento, por um lado, e relativos à justiça intergeracional (esta geraçao de pop activa ser sacrificada para pagar as robustas pensoes dos pais), por outro, é precisamente colocar os reformados de HOJE, ja', a contribuir para o financiamento o sistema; nao se trata de por "não-beneficiários" a pagar - é precisamente o contrario.

"Se eu comprar uma casa e, a meio, deixar de ter meios para a pagar não posso esperar que sejam terceiros a fazê-lo por mim."

Mas que raio, quem disse que as pessoas não vao continuar a contribuir? Quem é que vai deixar de pagar o que quer que seja? Ja agora, se passassemos para um sistema de capitalizaçao, quem pagava? Ou era um "almoço gratis"? Se fosse o Estado a assegurar a transiçao (ou seja, todos os contribuintes), nao seria uma soluçao em tudo semelhante, saindo de um regime exclusivamente contributivo para um em que se recorre aos impostos para pagar os compromissos da segurança social? E ja' agora, o que é que é que "totalmente contraproducente"?