2007/05/29

O novo aeroporto e o poder local

Estou convencido da necessidade da construção de um novo Aeroporto de Lisboa. Sobre a sua localização, inclino-me mais para a Margem Sul do Tejo (Poceirão ou Faias, os tais “desertos” de que o ministro falava, que aparentemente não têm grandes problemas ambientais ou de segurança), embora não tenha uma opinião definitiva. Mas admiro-me com quem a já tem, e defende a opção Ota sem prestar atenção devida a outros argumentos.
Houve vários aspectos risíveis nas declarações desastradas da semana passada, quer do ministro Mário Lino, quer de Almeida Santos. Independentemente de só este último, creio eu, ter medo de construir pontes por causa dos “atentados terroristas”, a verdade é que a necessidade da construção de uma nova ponte sobre o Tejo para um aeroporto na Margem Sul é usada como argumento pelos defensores da Ota, que são maioritariamente provenientes dos distritos de Santarém, Leiria e Coimbra (não conheço praticamente nenhum defensor da Ota que não provenha de um destes distritos). O extraordinário é que estes cidadãos (que, recorde-se, já têm – ou vão ter – uma ligação ferroviária de alta velocidade que os liga aos aeroportos de Lisboa – seja ele onde for – e Porto) crêem mesmo que a margem sul é um deserto, e que serão provavelmente eles os únicos utentes do futuro aeroporto. Ninguém pensa na acessibilidade de um aeroporto na Ota aos habitantes da margem sul (especialmente do Barreiro). As Faias ou o Poceirão ficam à mesma distância de Lisboa que a Ota, é verdade. Mas ficam mais próximas da população da Margem Sul de Lisboa e Setúbal, que de outra forma ficaria muito longe de um aeroporto internacional. Ninguém parece discernir que, seja para ligar os passageiros da margem norte ao Poceirão ou para ligar partes da margem sul à Ota, uma terceira travessia do Tejo vai mesmo ter de ser construída. Chegar à Ota não é a mesma coisa que à Portela. Por muito que isso assuste Almeida Santos. Ou então se calhar há quem repare, mas nos últimos tempos para defender a Ota tem valido tudo.
Ainda por outras duas razões, e embora não tenha ainda uma opinião definitiva e nem recuse liminarmente nenhuma das hipóteses, eu tendo a preferir um aeroporto na margem sul. A primeira é por esta localização ser mais distante do Porto, e é do interesse nacional que o aeroporto do Porto não seja subalternizado em relação à Ota. O norte e centro-norte do país devem ser servidos preferencialmente pelo aeroporto do Porto. A segunda, e quanto a mim a razão principal, é que tanto quanto sei um aeroporto nas Faias ou no Poceirão será mais seguro, mais barato e terá maior expansibilidade que um aeroporto na Ota.
Mas como sempre em Portugal tudo se reduz aos interesses locais. Toda a gente quer ter um aeroporto próximo da sua cidade ou freguesia. Receio que a questão do aeroporto seja decisiva nas próximas eleições autárquicas de Lisboa (quando não é um assunto só de Lisboa). Autarcas da região centro, das mais variadas cores políticas (CDS à CDU), defendem a construção do aeroporto da Ota. Entre os muitos autarcas do PSD que apoiam esta localização está Francisco Moita Flores, presidente da Câmara de Santarém, que, com uma grande honestidade intelectual, recorda que a Ota sempre foi defendida pelo PSD até a o governo Sócrates decidir avançar. Ou seja, os interesses locais estão acima de tudo o resto, interesses partidários ou nacionais. Que seja assim com os interesses nacionais, acho pena. E o novo aeroporto de Lisboa é um grande projecto nacional (sem subalternizar os outros, como escrevi), que não diz só respeito a passageiros nacionais (se calhar diz mesmo mais respeito a passageiros estrangeiros). Deve permitir a transferência e o tráfego de passageiros entre a América do Sul, a África e outros países da Europa. Deve permitir a exportação de bens de consumo, de cargas que a Portela não está em condições de permitir. Deve ser grande o suficiente para tudo isto, que não é irrealista nem megalómano: dois pequenos/médios aeroportos, a alternativa que muita gente gosta de propor, não permitiriam nenhuma destas possibilidades.
Mas se o país se encontrasse dividido em regiões, como muita gente continua a insistir em propor, o mais provável é que se acabasse mesmo com dois aeroportos pequenos, em localizações distintas. O interesse nacional raramente coincide com a sobreposição de meros interesses locais. É bom que pensemos nisto.

Adenda: podem consultar-se as distâncias das diferentes opções a diferentes cidades no Blasfémias. A estes dados acrescento, a partir do Barreiro: Portela - 47 km, Poceirão - 54 km, Ota - 85 km.

Publicado também no Cinco Dias.

13 comentários:

Nelson disse...

Pois, mas as distâncias são distâncias de onde (centro de Lisboa é algo vago) e até onde? Decerto não será até à vila da Ota, usando a actual estrada nacional que a distância deve ser medida; imagino que uma coisa tão importante como um aeroporto internacional tenha a sua própria auto-estrada. A saída para o Carregado é por volta do km 32/33 da A1, e são 7 km em linha recta da saída da A1 até à actual pista da base aérea. A distância pode ser menor se for feita uma saída da A1 uns quilómetros mais a norte (vê no Google Earth). Para Rio Frio estamos a falar de cerca de 32/33 quilómetros. Para Poceirão são cerca de 45 a 50. As distâncias foram medidas pelo Google Earth, seguin a A1 ou A12 e criando supondo novas acessibilidades pelo trajecto mais curto. O ponto de origem é o nó 2ª circular-A1/CRIL-Ponte Vasco da Gama.

Além disso, há a questão do tempo de viagem necessário. Será que a Ponte Vasco da Gama/A12 tem condições para, daqui a 10 ou 20 anos manter o actual nível de carga, ou vamos ter uma nova 25 de Abril com um engarrafamento de 5 km em pleno centro de Lisboa dia sim, dia não? Penso que não andes de carro e não costumes ir para a outra banda. Pela 25 de Abril o tempo médio de viagem é de cerca de 1 hora na hora de ponta da tarde. Nos dias maus é mais. A margem Sul tem um forte crescimento urbano e o trânsito na Pte. Vasco da Gama aumenta a cada dia que passa. A Ponte serve as populações do Montijo, Alcochete, Moita e mesmo Barreiro e Seixal. A margem sul tem apenas 2 pontes (eventualmente terá 3). A zona norte/nordeste de Lisboa tem acessos pela A1, IC2, A8, CREL, A10. Com a vantagem de ser muito mais fácil construir vias alternativas a norte que a sul por não implicarem novas pontes com vários quilómetros de extensão.

Não sei qual é a melhor solução para o novo aeroporto. Mas já estou farto de ver a questão transformada numa discussão quasi-religiosa entre fieis e infieis.

Luís Aguiar-Conraria disse...

Filipe
Sempre que venho ao teu blogue, dispara um pop up com publicidade. Hoje foi com publicidade a uns toques de telemóvel. Não dá para alterares isso?
Abraço
LA-C

JV disse...

"Os factos são o que são, de acordo com o Via Michelin: Lisboa (Portela)-Ota: 44Km, Lisboa-Poceirão: 45Km; Oeiras-Ota: 71Km; Oeiras-Poceirão: 81Km; Sintra-Ota: 74 Km, Sintra-Poceirão: 92 Km; Santarém-Ota: 53Km, Santarém-Poceirão: 104Km; Leria-Ota: 105Km, Leiria-Poceirão: 179Km. Só no caso de Lisboa (Portela) é que a distância do Poceirão é praticamente idêntica, mas não muito menor, como JMF sustentou."
IN CAUSA NOSSA

JV disse...

"A questão essencial é a relativa à maior proximidade dos utentes em relação ao aeroporto e aos menores custos de utilização, factor que manifestamente favorece a Ota, dada a concentração populacional a Norte do Tejo (mesmo não contando Lisboa, que tem pouco mais de meio milhão de habitantes e está a perder população para as cidades à volta). Aqui, ainda não há nenhum estudo desconhecido a "provar" o contrário. É mais fácil "deslocalizar" uma povoação no mapa do que mudar a população do Norte para Sul do Tejo...." IN CAUSA NOSSA

JV disse...

"Maiores distâncias significam mais tempo e maiores custos de transporte. Se o aeroporto ficasse no Poceirão, todos os utentes residentes a Norte da Ota teriam de suportar a mais a portagem Carregado-Alverca (Brisa) mais a travessia do Tejo (Lusoponte) e a auto-estrada até ao Poceirão (Brisa), uns quatro euros a mais (em cada sentido). E mesmo no caso dos residentes em Lisboa, a alternativa seria entre a auto-estrada Alverca-Carregado (portagem: 1,15 euros) ou a travessia do Tejo (2,20 euros) mais a auto-estrada pelo menos até Pinhal Novo (0,70 euros) -- o Poceirão não tem ligação próxima à auto-estrada, que teria de ser construída, e paga --, o que daria 2,90 Euros , em cada sentido, portanto uma deslocação muito mais dispendiosa no segundo caso (mais do dobro)." In CAUSA NOSSA

JV disse...

"O que disse, e mantenho, como acabo de provar, é que a localização do aeroporto a Sul implicaria muito mais despesas de transporte, incluindo portagens, para os utentes do aeroporto. Multipliquem-se por milhões de travessias por ano os adicionais de portagens que indiquei, e obtém-se uma bela maquia. Para a Lusoponte, em especial, o aeroporto no Poceirão significaria uma verdadeira mina de ouro." IN CAUSA NOSSA

JV disse...

"Em suma, mesmo se não estivesse excluído à partida por motivos ambientais (o que os seus defensores omitem sistematicamente), o aeroporto a Sul, ainda que previsivelmente mais barato na construção, ficaria mais distante para grande parte dos seus utentes e muito mais caro na sua utilização para a esmagadora maioria deles." IN CAUSA NOSSA

Filipe Moura disse...

JV, já percebi a tua posição, pá! És de Coimbra, Leiria ou Santarém? :)

Nélson, concordo com o que escreves. Mas convenhamos: quem está a transformar isto numa discussão quasi-religiosa é o governo, ou não?

Luís, eu gosto muito do contador que causa isso. Dá outras informações que o sitemeter não dá. (Já sei, Nelson, que o Google Analytics faz o mesmo, mas eu estou muito habituado a este.) Ainda estou à espera que me respondas quanto ao financiamento público da investigação!

Se me permitem uma sugestão, leiam os comentários do mesmo post no Cinco Dias.

Abraços.

Luís Aguiar-Conraria disse...

"Ainda estou à espera que me respondas quanto ao financiamento público da investigação!"

Não sabia. O que perguntaste? Se me perguntaste se era a favor, a resposta é sim, sou a favor. (Apesar de poderem desconfiar que estou a falar em causa própria, já que eu próprio tenho um projecto submetido à FCT a pedir financiamento).
Mas, independendemente do meu caso pessoal, a investigação gera imensos efeitos bons que não são captados pelo mercado (aquilo a que chamamos externalidades), pelo que sem financiamento estatal o montando investido em Investigação científica seria inferior ao ideal.

Praça Stephens disse...

Filipe, um pouco de rigor é bom. Todo o distrito de lisboa (com excepção do concelho por razões meramente tacticas) defende a OTA. Depois pergunto, se 90% dos passageiros vêm da margem norte e se 90% da economia nacional está na margem norte para quê construi-lo na margem sul ?

Filipe Moura disse...

90%? O Vital Moreira fala em 70%, e isso já inclui Lisboa, Oeiras, Amadora, Sintra e Cascais, para quem em termos de distância Ota ou Poceirão é indiferente.

Luís Aguiar-Conraria disse...

Perguntaste-me, respondi e agora nao dizes nada?
Respondi a' tua pergunta?
LA-C

Filipe Moura disse...

Registei a resposta. Obrigado.