2010/07/11

A mais importante das coisas menos importantes

Por estes dias, nos blogues de esquerda quase só se fala de futebol.
Embora eu concorde plenamente com este texto do Nuno Ramos de Almeida – a política não é definitivamente chamada para explicar o que se passa no relvado -, é
bastante consensual que a forma de jogar das seleções reflete caraterísticas nacionais. Os exemplos são vários: a organização e o coletivo alemães, o individualismo e o improviso sul-americanos, o cinismo e o maquiavelismo italianos… Penso mesmo que as extrapolações da política para o futebol têm mais a ver com as extrapolações destas caraterísticas para a política. E no dia a dia estas caraterísticas, se não fazem a política, fazem parte da realidade internacional.
Um bom exemplo de tais extrapolações será o definir-se, como é habitual, um futebol mais baseado nos rasgos individuais como “de esquerda”, enquanto um futebol mais disciplinado taticamente seria “de direita”. Num contexto internacional, quem pratica o primeiro tipo de futebol são países emergentes como o Brasil ou a Argentina e “PIGS” como Portugal, enquanto o arquétipo de quem pratica o segundo tipo de futebol é quem dita a ordem na Europa, a Alemanha. Mas estes países, como todos os outros, já tiveram governos de esquerda e de direita, e nem por isso as suas caraterísticas mudaram. Esta distinção pode fazer sentido para altermundialistas para quem quem governa é sempre de direita, mas não creio que tenha grande utilidade prática.
Dito isto, falar-se em futebol “de esquerda” como o mais espetacular, o mais aberto, em oposição a um futebol “de direita” mais fechado e mais interessado no resultado preocupa-me pelo que indicia. Então a esquerda não está preocupada com o resultado? Só a direita é que está interessada em ganhar?

É possível que sim, e por isso é que a direita está no poder na maior parte dos sítios, a maior parte do tempo. Mas não deve ser assim. A esquerda tem que se preocupar com o resultado. A esquerda tem que querer ganhar. Governar. Assumir responsabilidades. Agora a esquerda não pode, com isto, tornar-se igual à direita. Conceber um programa realmente de esquerda de governo e executá-lo pacificamente e sem protestos ou boicotes, de um lado ou de outro, será tão difícil como pôr uma equipa a ganhar sempre e a praticar um futebol espetacular.
Um dos grandes teóricos desta distinção entre o futebol “de esquerda” e “de direita” é o argentino Jorge Valdano (autor da frase que dá o título a este texto, relativa justamente ao futebol). Valdano que enquanto jogador foi colega de seleção de Maradona e, posteriormente, foi treinador, sendo hoje diretor do Real Madrid. Enquanto treinava este clube, em 1996, era frequentemente derrotado com o seu futebol “de esquerda”. Os adeptos do Real Madrid assobiavam-no e insultavam-no em pleno estádio Santiago Barnabéu. Confrontado com essas vaias, o engravatado Valdano respondia, com uma arrogância tipicamente argentina (e talvez tipicamente esquerdista): “Insultam-me porque sou de esquerda!”
Tenho cá para mim que, com a ira que causou aos adeptos do maior clube espanhol, Jorge Valdano teve as suas responsabilidades na vitória, nas eleições desse mesmo ano, do PP, e na chegada ao poder de José Maria Aznar. Queriam um exemplo da influência do futebol na política? Aqui o têm.