2006/09/13

Claude Cohen-Tannoudji e a feira das vaidades

Confesso que, após uns anos “lá fora”, eu já me tinha desabituado destas coisas. Aliás, como nunca estive muito por dentro do meio académico em Portugal, a bem dizer eu nunca me tinha habituado.
Então foi assim. Na conferência de Claude Cohen-Tannoudji, hoje de manhã, num grande anfiteatro da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, havia uma série de lugares “reservados” na primeira fila. Esses lugares eram destinados a convidados especiais, que à medida que iam chegando se iam cumprimentando, com beijinhos e apertos de mão efusivos. Já não se viam desde o último seminário que fosse também “evento social”, como este era.
Entre esses convidados, reitores, professores, gestores, directores, eu sei lá, estava o actual Presidente da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, um homem sério e que me parecia genuinamente interessado em conhecer o Prémio Nobel de Física de 1997 e saber um pouco do seu trabalho. Foi convidado... por ser o “homem do dinheiro”, e foi assim que foi apresentado a Cohen-Tannoudji. No dia em que deixar de ser presidente da FCT, já não será mais convidado de honra, o que não sucedia aos outros. Nitidamente, não era membro do “clube”.
Os membros do “clube” falavam entre si, e nenhum deles parecia minimamente interessado no trabalho de Cohen-Tannoudji. Mas só eles tinham acesso à conversa com o físico francês, que cumprimentavam e com quem tentavam manter uma conversa de circunstância. Distinguiam-se da restante audiência, para além dos lugares reservados, pelo porte: fato e gravata, imprescindível nos homens, ou um bom vestido nas mulheres.
Nas filas traseiras instalou-se quem realmente queria ouvir Cohen-Tannoudji: quem não tinha fato e gravata, fossem estudantes de licenciatura ou doutoramento, investigadores ou professores.
Após a conferência seguiu-se a sessão de perguntas. Uma senhora, membro do “clube”, colocou algumas questões num inglês pouco menos do que macarrónico. Numa ocasião, traduziu “êxito” por “exit”. Levou como resposta do Prémio Nobel um “sorry, I do not understand your question”.
Seguiram-se as questões relevantes, colocadas a partir das filas traseiras (ninguém usava gravata ou traje académico). A anfitriã, uma professora da Faculdade, dava por encerrada a sessão, a que se seguiram umas fotografias. Entretanto, dois gestores grisalhos e barrigudos recordavam-se que também já tinham estudado Física em tempos e discutiam o conceito de arrefecimento dos átomos. O que era ali a temperatura? A anfitriã tentava recordar-lhes a distribuição de Maxwell e Boltzmann.
Seguia-se o almoço com o Prémio Nobel, para o qual tinham sido convidados pelo menos alguns dos membros do “clube”. Antes havia uma rápida conferência de imprensa, onde o Prémio Nobel ia responder a algumas questões dos dois jornalistas (eu e um colega da revista 2010) que tinham aparecido no evento. Um dos engravatados, à minha frente, perguntava a outro se a conferência de imprensa ainda ia demorar muito tempo (deveria ter pressa para voltar à sua “investigação”, talvez a jogar na bolsa). Outro engravatado respondeu-lhe que não, que não deveria haver muitas perguntas a fazer: “estes jornalistas científicos não percebem nada de Física!”

A reportagem sobre as conferências de Cohen-Tannoudji – há mais amanhã – e as suas respostas a algumas das minhas perguntas surgirão em breve no Público.

2 comentários:

Unknown disse...

Tu tens jeito para a crónica social da ciência.

Migdar disse...

A melhor maneira de não se surpreender mais é conseguir os documentos de execução orçamental das faculdades e vai ver como se comportam as elites universitarias e de que forma e distribuido o dinheiro do turismo cientifico.como diz um amigo,Portugal é o pais mais desenvolvido do norte de Africa.